Diante do risco de desaparecer devido às mudanças climáticas, a nação insular do Pacífico, Tuvalu, está digitalizando desde suas casas até suas árvores, enquanto se esforça para salvar o máximo possível da nação
A elevação do nível do mar, causada pelas mudanças climáticas, está corroendo as costas de Tuvalu, um pequeno conjunto de ilhas no Oceano Pacífico. A nação foi listada pela ONU, já em 1989, como uma das ilhas mais vulneráveis a desaparecer sob o mar no século 21.
Essa previsão incentivou o país a cobrar compromissos ambientais de outras nações. Junto com outras ilhas do Pacífico, o país contribuiu para tornar mais ambiciosa a meta do Acordo de Paris em 2015, por exemplo.
Agora, o país está dando um passo além em sua tentativa de preservar seu território e soberania. À medida que a realidade física da nação desaparece sob o oceano, o governo constrói uma cópia digital do país, digitalizando desde suas casas e praias até suas árvores. A esperança é que essa réplica virtual preserve a beleza, identidade e a cultura da nação – bem como os direitos legais de seus 11 mil cidadãos – para as futuras gerações.
“Nossa terra, nosso oceano, nossa cultura são os bens mais preciosos do nosso povo e para mantê-los protegidos, não importa o que aconteça no mundo físico, vamos transferi-los para a nuvem”, declarou Simon Kofe, Ministro das Relações Exteriores de Tuvalu, em discurso feito no contexto da COP27 em 2022.
No discurso oficial do governo, Kofe inicialmente parece estar em pé em uma praia, com areia branca e palmeiras balançando ao vento. Mas, à medida que a câmera se afasta, revelando mais da paisagem, a imagem começa a falhar. Rochas e areia se movem de forma antinatural, e uma ave marinha cruza o abismo negro do fundo.
Isso não é o verdadeiro Tuvalu, mas o início de seu gêmeo digital: uma reconstrução virtual de Te Afualiku, um pequeno ilhéu que está previsto para ser a primeira vítima do aumento do nível do mar no país. “O mundo não agiu, e por isso nós, no Pacífico, tivemos de agir”, disse Kofe.
Da Terra ao metaverso
Além de criar uma cópia virtual das ilhas, o projeto chamado Digital Nation buscará preservar o patrimônio cultural da nação. Os cidadãos foram convidados a enviar seus bens e memórias mais valorizados – itens sentimentais, histórias dos avós e danças de festivais, por exemplo – para digitalização, criando um arquivo “projetado para carregar a própria alma de Tuvalu”, de acordo com uma atualização de Kofe em 2023.
A migração para o metaverso – ambiente virtual coletivo que combina a realidade física e a virtual, permitindo que as pessoas interajam entre si – também busca permitir que Tuvalu continue a funcionar como um Estado. A proposta é inovadora, mas controversa, no campo do direito internacional, já que o conceito de “nação digital” não possui base jurídica clara dentro do sistema internacional atual, que exige um território físico definido para a existência de um Estado. Dessa forma, a formalização dessa mudança ainda é um desafio para o governo.
Segundo o ministro, doze nações, como as Bahamas e o Gabão, já assinaram comunicados conjuntos com o país reconhecendo essa nova definição de estado “digital”.
Tuvalu hoje
Segundo uma reportagem publicada pelo portal National Geographic em agosto, a crise climática está presente em quase todos os aspectos da vida cotidiana no país. A água do mar infiltrou-se no solo da ilha, dificultando o cultivo de alimentos básicos da dieta local, como taro, fruta-pão e coco. As marés gigantes, que têm se tornado cada vez mais intensas nos últimos anos, atravessam a ilha uma vez por mês, inundando a pista de pouso e as casas dos moradores.
“Cada nação pensando em seu próprio interesse é o que nos colocou nessa confusão”, destacou Kofe. “Precisamos parar de nos comportar como se fôssemos todos ilhas.”
Refúgio na Austrália
Quanto à presença física dos moradores das ilhas, o país já possui um acordo em vigor com a Austrália, que dá aos seus cidadão o direito de residência permanente no país. Esse programa permitirá que até 280 cidadãos tuvaluanos por ano optem por viver, trabalhar ou estudar na Austrália.
Além da mobilidade, os dois países se comprometeram a buscar formas de fortalecer a permanência dos habitantes em sua terra natal. Segundo o governo australiano, haverá ações de cooperação que garantam segurança e oportunidades de prosperidade para as futuras gerações, visando mitigar a necessidade de migração em massa.