O avanço de projetos no Congresso que afrouxam leis de proteção ambiental ocorre em meio a pressões do agronegócio e críticas de que o governo cede mais do que deveria à bancada ruralista em troca de apoio.
Repetidamente, o Congresso tem impulsionado retrocessos na proteção ao meio ambiente, apesar dos desastres climáticos intensos, como as inundações no Rio Grande do Sul. Recentemente, destacou-se a rejeição aos vetos presidenciais impostos por Luiz Inácio Lula da Silva na nova legislação sobre agrotóxicos, apelidada de “Lei do Veneno”. Este é apenas mais um episódio na série de ações promovidas pela influente bancada ruralista.
Embora esperado por muitos, o revés na estratégia do governo de postergar a votação evidencia um cenário político desafiador. Surpreendentemente, mesmo diante de uma catástrofe natural significativa no território gaúcho, os ruralistas prosseguem sem hesitação, votando em projetos que afetam diretamente o meio ambiente, contando inclusive com o respaldo do Ministério da Agricultura, que historicamente apoia tais medidas em detrimento das políticas ambientais.
“Lei do Veneno”
“A realidade é que hoje temos esse quadro do Congresso, em que a maioria é negacionista em relação às mudanças climáticas”, critica o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP). “Quem sabe isso tudo que esteja acontecendo no Rio Grande do Sul possa vir a sensibilizar esse Congresso”, complementa.
Quanto à legislação dos agrotóxicos, os vetos de Lula a 17 aspectos do texto, alegando inconstitucionalidade e riscos à saúde e à vida, foram ignorados pela maioria parlamentar. A alteração mais significativa promovida pela bancada ruralista é a mudança no processo de aprovação dos agrotóxicos, retirando a influência do Ibama e da Anvisa e concentrando as decisões finais no Ministério da Agricultura.
Outras medidas controversas
A semana foi marcada por outras derrotas para a agenda ambiental do governo. Na quarta-feira, uma nova lei foi aprovada, removendo a cultura de eucaliptos da lista de atividades consideradas poluidoras e eliminando a necessidade de licença ambiental para tal atividade. Com a desistência do governo em influenciar o resultado, a votação na Câmara foi decisiva, com 309 votos favoráveis contra 131. Após aprovação prévia pelo Senado em 2022, o projeto agora aguarda apenas a sanção do presidente.
Um adiamento inesperado ocorreu na agenda de flexibilização das leis ambientais devido a um incidente fortuito. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado estava pronta para deliberar sobre uma proposta legislativa que pretendia diminuir as áreas de preservação na Amazônia. Segundo a proposta, propriedades rurais na Amazônia Legal poderiam reduzir a reserva legal de 80% para até 50% de vegetação nativa. Contudo, uma licença médica concedida ao relator do projeto, senador Márcio Bittar (União-AC), resultou no adiamento dessa votação crítica.
Lobby Ruralista
No âmbito do Senado, a bancada ruralista é robusta, com 50 dos 81 senadores, enquanto na Câmara, dos 513 deputados, 309 são membros da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). A frente argumenta que não visa enfraquecer a legislação ambiental e se compromete com o desenvolvimento sustentável do setor, ancorado no Código Florestal Brasileiro. No entanto, é amplamente reconhecido que este mesmo código tem sido um alvo frequente de ataques por parte da bancada ao longo dos anos.
O setor ambiental do governo procura conscientizar o Congresso sobre a importância das questões climáticas. “O governo sempre teve que fazer alianças com o Centro para poder governar, [hoje] não é diferente. Agora, o contexto é diferente: está ficando claro que os eventos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes e graves”, observa André Lima, secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
A urgência na questão ambiental também é ecoada por Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama. “Para o enfrentamento da crise das mudanças climáticas é essencial que o parlamento brasileiro participe, evitando aprovar matérias contrárias ao meio ambiente e colocando na pauta propostas que, de fato, contribuam com a agenda da transição ecológica e da conservação ambiental”, destaca Agostinho.
Contradições
Apesar dos esforços para sensibilizar o legislativo, as iniciativas que prejudicam a gestão ambiental continuam avançando, frequentemente com o suporte do Ministério da Agricultura. Nos corredores políticos de Brasília, é conhecido que o ministro Carlos Fávaro, ex-diretor da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), recebeu permissão para avançar com a agenda ruralista, ainda que de maneira mais reservada. No debate sobre agrotóxicos, por exemplo, o ministro do Mapa foi um defensor fervoroso da aprovação do projeto que centraliza a autorização de pesticidas na sua pasta, contrariando diretamente os vetos impostos por Lula.
Indagado sobre a perceção de que opera em desalinhamento com as diretivas do Palácio do Planalto e do Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Agricultura optou por não responder, mantendo-se igualmente silencioso sobre a expectativa de uma mudança de atitude do Congresso face à catástrofe climática no Rio Grande do Sul.
Concessões governamentais
Márcio Santilli, presidente e cofundador do Instituto Socioambiental (ISA), critica a excessiva flexibilidade do governo diante das demandas ruralistas. Ele destaca que o problema não se limita apenas à configuração política em Brasília, mas também ao crescente controle sobre o orçamento que deputados e senadores têm exercido.
“Desde o governo anterior, o Congresso Nacional se apropriou de uma grande parte dos recursos da União, por meio de diversas formas de emendas parlamentares. Isso diminuiu significativamente a capacidade do Executivo de priorizar investimentos e influenciar decisões no Congresso”, observa Santilli.
Ele espera, no entanto, que os recentes eventos trágicos no Rio Grande do Sul possam aumentar a pressão sobre os parlamentares, tanto por parte dos grupos de interesse quanto da opinião pública, especialmente considerando o ano eleitoral municipal.
Ceticismo/pessimismo
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), expressa ceticismo quanto à possibilidade de sensibilização do Congresso sem uma forte pressão social. Ele argumenta que apenas uma mobilização significativa pode expor e enfrentar os conflitos de interesse que dominam as decisões do parlamento. “Só assim para demonstrar a existência dos conflitos de interesse que assolam as decisões do Congresso”, afirma Bocuhy.
O Observatório do Clima, uma rede de entidades ambientalistas, identificou 25 projetos de lei e três emendas constitucionais em tramitação no Congresso que apresentam alto risco de aprovação imediata e impacto negativo substancial na legislação ambiental brasileira. Essas medidas, coletivamente denominadas “Pacote da Destruição”, abrangem várias formas de flexibilização, incluindo a redução de áreas protegidas, permissão para atividades de garimpo, exploração de territórios indígenas e quilombolas, além de anistia para a grilagem de terras.
Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, critica a fraca articulação política do governo no Congresso, que resulta em excessivas concessões à bancada ruralista e uma defesa insuficiente da agenda socioambiental. Segundo Araújo, a população brasileira está cada vez mais consciente da severidade da crise climática, evidenciada por eventos como a grande seca na Amazônia e as recentes inundações no Rio Grande do Sul. Ela adverte que a continuação de políticas negacionistas e a flexibilização da legislação ambiental podem prejudicar a reeleição de políticos, dado o agravamento da crise climática.
Nathalie Beghin, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), observa que as mudanças climáticas prejudicam especialmente os setores econômicos e o agronegócio, atualmente afetados pelas inundações no Rio Grande do Sul. Ela critica a tentativa de favorecer esses setores através da flexibilização das leis ambientais, apontando que isso, ironicamente, os conduz para maiores dificuldades.
Em resposta às críticas, a assessoria da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) repudiou o uso da tragédia no Rio Grande do Sul para “confundir a opinião pública sobre o papel do setor agropecuário brasileiro”, descrevendo tal atitude como oportunista e intelectualmente frágil. A FPA afirmou que está concentrada em providenciar ajuda humanitária aos afetados pela tragédia e em auxiliar na recuperação das atividades econômicas devastadas. A nota conclui enfatizando que o momento atual não comporta polarizações ou ideologias.
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