Pantanal à Beira do Colapso: Estudo do WWF-Brasil alerta para o ponto de não retorno, destacando os impactos devastadores da seca histórica, queimadas e desmatamento na maior planície alagada do mundo
Em 2024, o Pantanal enfrenta uma situação crítica sem precedentes. O bioma, caracterizado por suas cheias anuais, não experimentou seu habitual período de inundação, segundo estudo divulgado pelo nesta quarta-feira (3). A seca, considerada a mais severa dos últimos 70 anos pelo governo federal, pode levar a um ponto de não retorno, resultando em um colapso ecológico irreversível.
Recorde de queimadas e emissões de CO2
O primeiro semestre de 2024 registrou números alarmantes de queimadas e emissões de CO2 devido aos incêndios florestais no Pantanal. Com a expectativa de uma seca ainda mais intensa para o restante do ano, especialistas alertam para o agravamento da situação. “Considera-se uma seca quando o nível do Rio Paraguai está abaixo de quatro metros. Em 2024, essa medida não passou de um metro”, explica Helga Correa, especialista em conservação do WWF-Brasil.
Correa enfatiza a urgência de medidas de prevenção e adaptação: “O que nos preocupa é que, daqui em diante, o Pantanal tende a secar ainda mais até outubro. Nesse cenário, é vital reforçar todos os alertas para a necessidade urgente de medidas de prevenção e adaptação à seca e para a possibilidade de grandes incêndios”.
A pesquisa do WWF-Brasil revela que, nos primeiros cinco meses de 2024, o nível do Rio Paraguai esteve, em média, 68% abaixo do esperado. Na Bacia do Alto Rio Paraguai, onde se situa o Pantanal, a estação chuvosa ocorre entre outubro e abril, seguida pela estação seca de maio a setembro. Contudo, entre janeiro e abril de 2024, período geralmente de cheia, a área coberta por água foi de apenas 400 mil hectares, significativamente menor que os 440 mil hectares registrados na estação seca de 2023. Em vez de expandir, a superfície úmida do bioma diminuiu, sinalizando uma retração preocupante.
Ponto de Não Retorno
A nota técnica do WWF-Brasil destaca a possibilidade de que o atual estresse hídrico, as secas consecutivas, os incêndios florestais e o desmatamento possam levar o bioma ao colapso. O ponto de não retorno seria atingido quando a capacidade de regeneração do Pantanal for superada pelas mudanças extremas na região.
“Algumas áreas do Planalto da Bacia do Alto Paraguai já tiveram mais de 60% da vegetação nativa convertida para outros usos, principalmente agropecuária, o que pode resultar em perdas significativas de biodiversidade, conforme evidenciado em estudos sobre insetos aquáticos, mamíferos e anfíbios”, explica o professor Fabio de Oliveira Roque, da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), autor principal do estudo usado como referência pelo WWF-Brasil.
“Cenários possíveis incluem o rápido crescimento de insetos como grilos e gafanhotos, que impactam a vegetação ao consumi-la, mas sem os predadores naturais como gambás e lagartos, que são mais afetados pela seca, mudando a dinâmica do ecossistema e causando consequências negativas”, complementa Helga Correa. Para a especialista, o alerta para o colapso decorre da clara perda de capacidade do sistema em se manter e se renovar a cada ciclo de cheia, os chamados pulsos de inundação. “O que podemos afirmar é que estamos cada vez mais próximos desse ponto crítico”, observa.
“Vemos muito pouca mudança por parte da sociedade em relação ao uso da terra e ao compromisso com metas de conservação, emissão de gases de efeito estufa, restauração, zerar o desmatamento e utilizar tecnologia para criar sistemas produtivos sustentáveis e justos, pois hoje o sistema acumula riqueza e distribui os impactos. Ninguém sai ganhando nesse jogo.” — Helga Correa, especialista em conservação do WWF-Brasil.
Cheias cada vez menores
De acordo com a geógrafa Mariana Dias, analista de geoprocessamento na empresa ArcPlan e uma das autoras da nota, a área alagada durante as cheias está diminuindo. “Temos mais áreas ficando secas, com as áreas alagadas permanecendo úmidas por menos tempo. Isso causa instabilidades no ecossistema.”
O ano de 2018 foi o último com uma grande cheia no Pantanal, lembra a especialista. “Desde 2019, o bioma tem passado pelo período mais seco registrado desde 1985, conforme medições de satélite. Combinando os dados do nível do Rio Paraguai em Ladário (MS) e as áreas máximas e mínimas de superfície de água mapeadas pelo MapBiomas, podemos ver que as cheias estão cada vez menores nos últimos anos.”
Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), este ano as chuvas abaixo do esperado na região e as temperaturas acima da média agravam a situação no Rio Paraguai, que enfrenta o início do período de estiagem com níveis críticos. Em alguns municípios, como Ladário e Porto Murtinho (MS), o nível do rio já está mais de 3 metros abaixo do esperado para o período.
Interrupções no fluxo da água
O estudo do WWF-Brasil também destaca a relação do Pantanal com as áreas mais altas ao seu redor, que moldam a dinâmica das águas que inundam o bioma, uma planície que se estende por cerca de 13 milhões de campos de futebol no Centro-Oeste brasileiro. Embora os esforços de conservação tenham mantido o Pantanal relativamente bem preservado, as terras ao redor não estão na mesma situação, impactando negativamente a irrigação da maior planície alagada do mundo.
“Se tratarmos o Pantanal apenas como bioma, as suas cabeceiras ficariam de fora. E os impactos estão vindo de forma mais acentuada nessas áreas, embora a pressão de mudança no uso do solo já esteja também na planície. Associados a esses fatores temos o desmatamento na Amazônia afetando os ‘rios voadores’ [umidade que chega à região pelo ar] e o El Niño [fenômeno climático que intensifica o calor e a seca]”, observa Samuel Barreto, gerente nacional de água da organização The Nature Conservancy no Brasil.
Para o diretor do INPP (Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal), professor Paulo de Sousa Jr., é necessário observar intervenções como a construção maciça de hidrelétricas de pequeno porte e drenos, estruturas usadas para irrigação e produção de energia, que alteram o curso dos rios que alimentam o bioma. “Falamos que temos 12 Pantanais. São regiões com ecofisionomias diferenciadas, estruturas interligadas entre si. Em Mato Grosso do Sul você vê paisagens diferentes de Mato Grosso, mas é um sistema interdependente, e classificado como ecossistema frágil.”
O estudo destaca que a modificação do solo afeta na erosão e na habilidade da terra em estocar e transportar água, fator crucial para a planície abaixo. “A conexão com a dinâmica do planalto deixa a planície dependente dessa água”, destaca Correa. “As cabeceiras do rio Paraguai têm uma das maiores taxas de conversão de uso da terra do Brasil, com desmatamento e pastagens degradadas. A região sofreu essa mudança nas últimas décadas e isso afeta o pulso na planície.”
Soluções propostas para o Pantanal
Para mitigar os efeitos devastadores da seca e garantir a sobrevivência do Pantanal, são necessárias ações imediatas e coordenadas. Entre as soluções propostas pelo estudo do WWF-Brasil, destacam-se:
- Soluções Baseadas na Natureza: A restauração florestal é uma das principais estratégias, promovendo a recuperação de áreas degradadas e a melhoria da infiltração da água. Essa abordagem não só ajuda a reverter a degradação ambiental, mas também fortalece a resiliência do bioma contra eventos climáticos extremos.
- Prevenção e Adaptação a Eventos Extremos: Implementar ações de prevenção e adaptação é crucial. Isso inclui a preparação para secas e ondas de calor, além de um sistema robusto de monitoramento e resposta a incêndios florestais.
- Mapeamento de Impactos: É essencial mapear os fatores que impactam os rios, especialmente nas regiões de cabeceiras. Identificar e controlar fontes de poluição e desmatamento pode ajudar a preservar a qualidade e quantidade da água.
- Fortalecimento de Políticas Públicas: Políticas públicas robustas são vitais para conter o desmatamento. A ampliação e o fortalecimento dessas políticas podem garantir uma gestão sustentável dos recursos naturais.
- Apoio às Boas Práticas Comunitárias e Produtivas: Incentivar e apoiar práticas sustentáveis entre as comunidades locais, proprietários de terras e o setor produtivo é fundamental para a conservação do Pantanal. Essas práticas devem ser promovidas através de incentivos e programas de capacitação.
A crise enfrentada pelo Pantanal em 2024 é um grave alerta para a necessidade de ações urgentes e coordenadas. A preservação desse bioma único depende de uma abordagem integrada que combine soluções baseadas na natureza, políticas públicas eficazes e o engajamento das comunidades locais. Apenas com esforços conjuntos será possível evitar um colapso ambiental e garantir a sustentabilidade do Pantanal para as futuras gerações.
*Com informações UM SÓ PLANETA
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