“A história da doação de alevinos de tambaqui é um exemplo de como decisões estratégicas podem transformar realidades. O gesto de Mestrinho inaugurou uma era de parceria proveitosa entre Brasil e China, mas também deixou um questionamento essencial: o que o Brasil está fazendo para aproveitar todo o potencial de suas riquezas naturais?”
Anotações de Alfredo Lopes
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Em um gesto de notável visão diplomática, Gilberto Mestrinho, então governador do Amazonas, consolidou sua reputação como estadista ao doar alevinos de tambaqui ao governo chinês em um encontro histórico ocorrido antes da Rio-92. A reunião com o emissário chinês Li Peng, para a Cúpula da Terra, simbolizava mais do que uma cordialidade entre líderes; representava o início de uma colaboração entre Brasil e China que ecoa até hoje em áreas que vão da agricultura, aquicultura à segurança alimentar global.
Diplomacia dos Alevinos
O tambaqui, uma das joias gastronômicas da Amazônia, é conhecido por seu sabor inigualável e potencial econômico. Mestrinho, ao doar os alevinos, não apenas introduziu uma espécie amazônica em solo chinês, mas também abriu caminho para um intercâmbio que transformou a China na maior produtora mundial desse peixe. O gesto, simples em sua execução, demonstrou a importância de enxergar o potencial de longo prazo em relações bilaterais.
A China, que já era uma potência em aquicultura, incorporou o tambaqui em seu extenso portfólio de produção, exportando-o inclusive para mercados sofisticados como Nova York, onde o peixe conquistou as mesas mais exigentes. Enquanto isso, no Brasil, o desenvolvimento da piscicultura foi impulsionado pela crescente demanda internacional, revelando um potencial adormecido nas águas brasileiras.
Impactos e lições para o Brasil
A doação de Mestrinho destacou a interdependência global e as possibilidades abertas pela cooperação internacional. Contudo, também trouxe à tona uma questão que ainda desafia o Brasil: por que um país com mais de 20% da água doce do mundo não lidera o mercado global de aquicultura?
Enquanto a China avança com tecnologia de ponta e sistemas sustentáveis de produção, o Brasil ainda caminha para integrar de forma efetiva sua biodiversidade aquática à economia mundial. Como Denis Minev destacou, o potencial da Amazônia para a produção de proteína aquática é incomparável: um hectare de floresta convertido para a pecuária produz apenas 500 quilos de proteína por ano, enquanto o cultivo extensivo de peixes poderia gerar 44 toneladas.
Oportunidades e paradoxos da Biodiversidade
O legado de Mestrinho também aponta para questões mais amplas. A introdução de espécies exóticas em novos ambientes, como foi o caso do tambaqui na China, levanta preocupações sobre a biodiversidade. Estudos detalhados são necessários para equilibrar os benefícios econômicos com os riscos ecológicos.
Além disso, a aquicultura tem um papel crucial na segurança alimentar global. Com uma população mundial em constante crescimento, a produção de peixes de cultivo pode aliviar a pressão sobre estoques naturais e fornecer uma solução sustentável para o consumo de proteína.
Aquicultura, a vocação deliciosa das proteínas
A história da doação de alevinos de tambaqui é um exemplo de como decisões estratégicas podem transformar realidades. O gesto de Mestrinho inaugurou uma era de parceria proveitosa entre Brasil e China, mas também deixou um questionamento essencial: o que o Brasil está fazendo para aproveitar todo o potencial de suas riquezas naturais? Temos mais de 3 mil espécies de peixe em nossa ictiofauna. Apenas 20 espécies integram o cardápio diário e desses menos da metade foram para o tanque da piscicultura.
O tambaqui, símbolo da Amazônia, não é simplesmente uma delícia gastronômica, mas também um lembrete de que a biodiversidade da região pode ser uma solução para desafios globais, como a segurança alimentar e a sustentabilidade. Com investimentos em tecnologia e visão estratégica, o Brasil pode transformar sua riqueza natural em um motor de prosperidade, colocando na mesa das famílias do mundo as delícias dos peixes amazônicos.
Vamos fazer a nossa parte?
No final, a despeito da visão tacanha que não percebeu a diplomacia do tambaqui, não houve entreguismo e sim mais um legado de Gilberto Mestrinho que permanece como um chamado à ação. Ele fez sua parte, doando alevinos e construindo pontes. Cabe agora às gerações atuais e futuras fazerem o mesmo, garantindo que o potencial da Amazônia seja plenamente realizado, na perspectiva da sustentabilidade, prosperidade e segurança alimentar, tanto para os brasileiros quanto para o mundo. Além do tambaqui, tem a matrinxã, o pirarucu e o jaraqui, sob a diretoria do acari bodó e sua caldeirada celestial.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora