Casos de dengue no Brasil aumentam 300% em 2024, impulsionados por mudanças climáticas e urbanização incompleta, exigindo ações governamentais antecipadas esperando que o futuro seja bem pior
Entre janeiro e agosto de 2024, o Brasil registrou um aumento alarmante nos casos de dengue. Com 6,5 milhões de casos prováveis, um crescimento de 300% em comparação com o ano anterior, a doença tem se tornado uma preocupação nacional, especialmente com as mudanças climáticas intensificando a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. De acordo com o Ministério da Saúde, as condições ambientais têm agravado a situação, e o governo federal foi obrigado a antecipar ações para controlar o avanço da epidemia.
Neste artigo, vamos explorar como as alterações no clima, associadas à urbanização incompleta e à degradação ambiental, estão contribuindo para a expansão da dengue, e como o governo e a ciência buscam alternativas para mitigar esse problema.
Mudanças Climáticas e o aumento dos casos de dengue
O calor extremo e as secas prolongadas, fenômenos cada vez mais frequentes no Brasil, estão desempenhando um papel decisivo na proliferação da dengue. Entre as explicações científicas, destaca-se a relação direta entre o aumento das temperaturas e a multiplicação dos mosquitos transmissores. Dados recentes do Ministério da Saúde indicam que as mudanças climáticas já afetam significativamente o ciclo de vida do Aedes aegypti, antecipando o pico da doença em até 10 semanas durante o verão 2023-2024.
Conforme afirmou o presidente Lula, durante o lançamento do “Movimento nacional de enfrentamento à dengue e outras arboviroses”, a campanha foi antecipada, como destacou a Agência Pública, justamente para lidar com o impacto crescente do clima aquecido. A iniciativa inclui um investimento de R$ 1,5 bilhão para ações de combate ao mosquito, em colaboração com estados e municípios. Esse plano visa não apenas a redução de casos, mas também um maior controle sobre os focos de proliferação, que incluem água parada e acúmulo de lixo, agravados por questões ambientais como secas severas e enchentes.
Segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, as mudanças climáticas intensificam o risco, especialmente para crianças, idosos e pessoas com condições de saúde preexistentes. As condições extremas de calor e umidade, além da degradação ambiental, aceleram a disseminação da dengue em todo o país.
Urbanização incompleta e degradação ambiental
Um aspecto fundamental no aumento dos casos de dengue está ligado à urbanização incompleta e à destruição ambiental em diversas regiões do Brasil. O estudo “Mudanças climáticas, anomalias térmicas e a recente progressão da dengue no Brasil”, publicado pela Fiocruz e na Revista Nature, revelou que a dengue tem se espalhado rapidamente para regiões onde antes era menos comum, como o Sul e o Centro-Oeste. O aumento de eventos extremos, como secas prolongadas, inundações e desmatamento, são fatores críticos nessa expansão.
De acordo com o pesquisador Christovam Barcellos, responsável pelo estudo, o desmatamento e as queimadas no Cerrado estão contribuindo para o surgimento de “ilhas de calor” em áreas urbanas e suburbanas, especialmente onde a infraestrutura de saneamento básico é deficiente. Nessas áreas, a combinação de calor prolongado e más condições de urbanização torna o controle do mosquito mais difícil, agravando a situação epidemiológica.
Regiões como Paraná, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul têm registrado um aumento significativo de dias com temperaturas muito acima da média, o que favorece a reprodução do mosquito. Com temperaturas elevadas se estendendo por até 30 dias consecutivos, o ciclo de transmissão da dengue acelera, tanto pela maior atividade dos mosquitos quanto pela intensa circulação de pessoas nessas áreas.
Ações governamentais
Diante desse cenário, o governo brasileiro lançou um ambicioso plano para enfrentar a dengue, com foco tanto em medidas tradicionais quanto em soluções inovadoras. Entre as ações previstas está o uso de mosquitos estéreis e a introdução de bactérias que modificam o comportamento dos vetores, além dos tradicionais fumacês, que aplicam inseticidas em áreas de maior risco.
No entanto, a eficácia dessas medidas depende de uma articulação coordenada entre os governos federal, estadual e municipal. A campanha também envolve a participação ativa da sociedade, uma vez que o controle do mosquito exige ações individuais, como evitar o acúmulo de água em recipientes e manter os ambientes limpos. A ministra Nísia Trindade reforçou que o combate à dengue vai além do setor da saúde, demandando também investimentos em saneamento básico e urbanização adequada, especialmente nas periferias urbanas.
Contribuições da ciência para o combate à dengue
Além das ações do governo, a pesquisa científica tem se mostrado uma aliada fundamental na compreensão e no combate à expansão da dengue. O estudo realizado por Christovam Barcellos e sua equipe na Fiocruz utilizou técnicas avançadas de mineração de dados para correlacionar anomalias térmicas e demográficas com a incidência da dengue em diferentes microrregiões do Brasil ao longo de 21 anos, de 2000 a 2020. A pesquisa mostra como a mudança no padrão climático tem um impacto direto na geografia da dengue no país, com o aumento da incidência da doença em áreas anteriormente não afetadas.
A colaboração com o Centro de Supercomputação de Barcelona, por meio do projeto Harmonize, também oferece novas perspectivas sobre o comportamento do mosquito e os padrões de transmissão da doença. O uso de supercomputadores para analisar grandes volumes de dados tem sido essencial para entender as nuances da proliferação da dengue em um cenário de aquecimento global.
O crescimento alarmante dos casos de dengue no Brasil está diretamente relacionado às mudanças climáticas, à degradação ambiental e à urbanização incompleta. As altas temperaturas, as secas e as inundações, associadas à destruição do Cerrado e à falta de saneamento em áreas periféricas, estão acelerando a disseminação da doença. Apesar das ações governamentais e do avanço científico, o combate à dengue continua sendo um desafio complexo, que requer esforços coordenados entre governos e a sociedade.
A previsão de novos picos de transmissão para os próximos verões exige que medidas eficazes sejam implementadas rapidamente. Combinando esforços de prevenção e controle vetorial com inovações tecnológicas e científicas, é possível mitigar os impactos desse problema de saúde pública, embora o caminho para reduzir os números de casos ainda seja árduo.
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