“É fundamental avançarmos no debate construtivo e interdisciplinar sobre a recuperação da BR-319 e suas implicações, buscando soluções que respeitem as necessidades de quem vive na região, sem comprometer o futuro da Amazônia e de seu papel crucial na regulação climática global. Ou será que em lugar do desenvolvimento sustentável a opção preferencial é pelo retrocesso?”
Por Nelson Azevedo
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Neste 5 de outubro, celebramos 36 anos da Constituição Federal de 1988, um marco para a Amazônia Ocidental, especialmente para a Zona Franca de Manaus (ZFM). À época, sob a liderança de Jadyr Magalhães na Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e o incansável deputado Bernardo Cabral, conseguimos garantir os mecanismos jurídicos que assegurariam a estrutura da ZFM, sua segurança jurídica e sua alternativas de ocupação, tendo como perspectiva o desenvolvimento sustentável da região e a conexão com o restante do Brasil.
Região segue remota
Contudo, passadas mais de três décadas, a região continua sendo remota. A BR-319, rodovia que nos ligaria ao Brasil Central e ao Sul do país, permanece intrafegável durante a maior parte do ano. Esta precariedade agrava nosso isolamento, ainda mais evidente com a repetição da vazante histórica, que comprometeu a logística regional e nacional. A promessa de nos conectar por via terrestre, de promover desenvolvimento, parece cada vez mais distante. Estaríamos sendo vítimas de um toma lá da cá vazio de sentido?
Integração x isolamento
A BR-319, inaugurada em 1976, deveria servir como eixo central de integração da Amazônia Ocidental, conectando Manaus a Porto Velho, e, por extensão, ao resto do Brasil. Mas a realidade é bem diferente. Desde a década de 1980, a rodovia não recebeu a devida manutenção, e hoje se encontra praticamente intrafegável, com trechos críticos, especialmente nos períodos de chuvas, isolando o estado do Amazonas e Roraima do restante do país.
Dilemas ambientais e sociais
O debate sobre a BR-319 é complexo. De um lado, há esforços para a recuperação da rodovia, com a pavimentação de trechos que poderiam impulsionar a economia regional, beneficiando tanto as indústrias da Zona Franca de Manaus quanto as comunidades regionais, que teriam maior acesso a mercados e serviços. A logística da região também melhoraria substancialmente, com um impacto direto nos custos de transporte, que hoje dependem exclusivamente de cabotagem e transporte aéreo, ambos caros e limitados.
Agravar o desmatamento
Por outro lado, ambientalistas e estudiosos alertam para os riscos desse projeto. A pavimentação da BR-319 poderia facilitar o desmatamento e a grilagem de terras, além de impactar as comunidades indígenas e unidades de conservação ao longo da rodovia. O Observatório da BR-319 e outros institutos, têm destacado o aumento significativo do desmatamento e a degradação ambiental associada à repavimentação, o que traria consequências drásticas para a biodiversidade da Amazônia e para a regulação climática do país.
Desenvolvimento ou conservação?
A questão que se coloca é: é possível conciliar desenvolvimento e conservação ambiental? A resposta é intrincada, como demonstram os estudos e debates sobre a BR-319. A rodovia é vital para a integração e o desenvolvimento econômico, mas a um custo ambiental que pode ser irreversível.
Desinteresse ou descaso?
A história recente da BR-319 evidencia os dilemas que enfrentamos na Amazônia. O desinteresse do governo federal em investir na rodovia tem origem em sua baixa taxa de retorno econômico e nos custos elevados de manutenção. No entanto, esse abandono agrava o isolamento da região, prejudicando sua economia e restringindo o acesso da população a bens e serviços essenciais.
Floresta em pé
Por outro lado, a pressão por manter a floresta em pé e evitar o avanço da destruição ambiental é legítima. Estradas mal planejadas podem levar à fragmentação de habitats e ao avanço de atividades ilegais, como a exploração madeireira, desmatamento e outras ações predatórias. No entanto, sem infraestrutura adequada, é difícil monitorar e proteger a floresta.
Futuro da BR-319
A BR-319 simboliza os desafios enfrentados pela Amazônia: desenvolvimento econômico ou preservação ambiental? A resposta, como sempre, deve estar no meio-termo. É necessário um planejamento que concilie essas duas forças aparentemente opostas. O modelo de desenvolvimento sustentável que buscamos para a Amazônia precisa estar baseado em infraestrutura moderna e eficiente, mas com fortes salvaguardas ambientais. Não podemos mais ignorar a realidade de que a manutenção do isolamento não contribui para o desenvolvimento da região, nem para a preservação de sua riqueza natural.
Dilemas e alternativas
Afinal, proteger a floresta e promover o desenvolvimento não devem ser vistos como objetivos mutuamente exclusivos, mas sim como pilares de uma estratégia integrada. É fundamental avançarmos no debate construtivo e interdisciplinar sobre a recuperação da BR-319 e suas implicações, buscando soluções que respeitem as necessidades de quem vive na região, sem comprometer o futuro da Amazônia e de seu papel crucial na regulação climática global. Ou será que em lugar do desenvolvimento sustentável a opção preferencial é pelo retrocesso?
Nelson é economista, empresário e presidente do sindicato da indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.
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