O ambiente terá mudado quando for minimamente sensato ou aceitável que a Amazônia tenha uma economia forte e suas pessoas possam se integrar ao país. Até lá, faremos de conta que protegemos a Amazônia e seguiremos destruindo e explorando as suas entranhas em um ambiente que deveria estar em um passado remoto, mas segue sendo o presente real
Por Augusto Rocha
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Do impensável ao popular, da política pública ao que se faz na sociedade, quando se pensa e se delibera sobre a Amazônia, o debate público está sempre em questões que pouco ou nada se conecta com o que interessa para as pessoas da região. A Amazônia está, no debate público nacional, sempre em um imaginário explorador para o presente ou para o futuro.
No debate internacional, o olhar é tipicamente associado aos interesses próprios, relativos ao que há na região para servir para a sua saúde ou para evitar ou adiar o aquecimento global para a próxima geração. A simples autodeterminação dos povos passa ao largo das discussões, diálogos e textos. O impensável é alterar a ordem atual.
A Janela do Discurso, de Joseph Overton, classifica o debate público em graus, que flutuam desde o impensável, passando pelo radical, aceitável, sensato, popular, até se tornar um debate ou uma política pública. Neste contexto, as políticas locais enfrentam um espectro cognitivo que leva a uma enorme dissonância entre o que se deseja na região versus o que se espera.
A superação das distâncias e o encontro de mínimas convergências será possível a partir do momento em que começar a haver uma maior percepção sobre como pensam aqueles que vivem na Amazônia. Entretanto, estamos muito distantes deste ideal. O problema da infraestrutura talvez seja uma das questões mais sensíveis neste debate público. Até que ponto uma infraestrutura faz sentido, para cada uma das partes interessadas?
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Alguns pensam infraestrutura pela perspectiva da destruição da floresta. Nesta ótica, o impensável predominará no imaginário de todos aqueles que consideram a biodiversidade como algo interessante ou valioso para o futuro, pois isso colocaria em risco este recurso. Para os que querem explorar sem regulagem ou presença do Estado, aproveitando a ausência de leis, também terá a mesma visão. Assim, ficamos inertes frente as oportunidades, pois os extremos destruidores e da inércia terão um encontro de interesses. A inação será uma convergência.
Todavia, para o desenvolvimento ou um mero “desenvolvimento” surgir será necessário outro contexto: uma convergência entre os que pretendem transformar a região com a presença do Estado moderno, somado com governança do espaço da floresta com a proteção. Conjugar este interesse, dando voz aos que moram na Amazônia é um grupo muito pequeno ao espectro da opinião pública. Assim, nada se faz. Por isso que seguimos com uma discussão arcaica sobre a recuperação da BR-319. Até quando?
Enquanto perdurar a falta de interesse na exploração sustentável da Amazônia, seguiremos desta forma. Enquanto se defender o orçamento público nacional para outras regiões do país. Enquanto as pessoas da região não forem percebidas como capazes de autodeterminação. Enquanto os interesses conservacionistas para um futuro que nunca chega predominarem.
Enquanto desenvolver não entrar na pauta de possibilidades da Amazônia seguiremos com a rodovia na percepção impensável. O ambiente terá mudado quando for minimamente sensato ou aceitável que a Amazônia tenha uma economia forte e suas pessoas possam se integrar ao país. Até lá, faremos de conta que protegemos a Amazônia e seguiremos destruindo e explorando as suas entranhas em um ambiente que deveria estar em um passado remoto, mas segue sendo o presente real.
Augusto Rocha é Professor Associado da UFAM, com docência na graduação, Mestrado e Doutorado e é Coordenador da Comissão CIEAM de Logística e Sustentabilidade
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