O espírito público deve nos guiar em todas as decisões, seja na administração dos recursos dos contribuintes, seja nas grandes escolhas políticas e econômicas que moldarão o futuro de Manaus, do Amazonas e do Brasil. Com essa bússola sagrada em mãos, poderemos construir um país mais justo, equânime e comprometido com o desenvolvimento de todas as suas regiões
Por Yara Amazônia Lins
___________________
No Brasil, somos desafiados, todos os dias, a trilhar o caminho do debate público com o objetivo de fortalecer as bases da nossa democracia. O espírito público, tal qual uma bússola sagrada, nos guia rumo à indagação constante: estamos verdadeiramente atendendo ao interesse da sociedade? Estaremos, de fato, priorizando o benefício legítimo de todas as pessoas, especialmente das mais necessitadas?
A reforma tributária que tramita em nosso Congresso – especialmente na CAE Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal – tem suscitado intensos debates sobre o pacto federativo, a ZFM, o papel dos Estados e as escolhas que nos competem enquanto cidadãos, gestores públicos e líderes políticos. O exemplo mais imediatamente preocupante está na disputa sobre a vinculação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que levanta preocupações legítimas de parte dos Estados. A questão é complexa, mas deve ser analisada sob a ótica do espírito público, buscando sempre o equilíbrio entre as demandas estaduais e a arrecadação da União.
O imbróglio entre IBS e CBS
Os Estados, de maneira legítima, têm manifestado inquietação quanto à excessiva vinculação entre o IBS e a CBS. A centralização fiscal em favor da União, através da CBS, pode implicar numa perda de autonomia dos Estados, diminuindo sua capacidade de gerir seus próprios recursos. O IBS, sendo compartilhado entre Estados e municípios, contrasta com a concentração administrativa da CBS, gerando preocupações sobre o futuro da governança fiscal no Brasil. Sob o prisma do espírito público, é imperativo indagar: estamos construindo um sistema que valorize e fortaleça a autonomia regional ou centralizando ainda mais o poder em Brasília?
A autonomia estadual em xeque
Outra questão crucial no debate é o enfraquecimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte de arrecadação estadual. A reforma propõe mudanças que diminuem o papel dos Estados na gestão do ICMS, uma medida que os Executivos estaduais consideram como uma ameaça à sua autonomia. Isso pode resultar num esvaziamento iminente do poder fiscal regional, o que comprometeria a diversidade e a capacidade de autossuficiência dos Estados. Mais uma vez, nos cabe indagar: essa escolha está alinhada ao interesse público, ou será mais uma tentativa de centralizar o poder tributário?
Transparência e saídas conjuntas
É evidente que o caminho para soluções eficazes passa pelo diálogo baseado no espírito público. A transparência é essencial para que todas as partes compreendam as preocupações em jogo. Quando movidos pelo espírito público, podemos superar as divergências e encontrar saídas que beneficiem a sociedade de forma equânime. Isso exige compromisso, disposição para o diálogo e a busca pelo bem comum. A reforma tributária precisa ser moldada pela compreensão mútua entre União, Estados e municípios, promovendo a justiça social e o desenvolvimento regional.
O fortalecimento do Pacto Federativo
Ao respeitarmos o pacto federativo, damos aos Estados a segurança necessária para que possam gerir suas responsabilidades sem depender exclusivamente da União. Um pacto forte é o que une a nação em torno de um projeto comum, garantindo a cooperação entre as diferentes esferas de governo e promovendo a redução das desigualdades regionais. O texto da reforma no Senado, ao endereçar essas preocupações, reforçará certamente a importância de um sistema que mitigue as disparidades e favoreça o crescimento equilibrado do país.
Zona Franca de Manaus: uma contrapartida necessária
Quando falamos da Zona Franca de Manaus (ZFM), temos que considerar suas particularidades e os benefícios que trouxe ao longo das décadas, tanto às pessoas, à economia e à proteção da floresta. A ZFM, consolidada pela Constituição, e reforçada pelo Congresso com a Reforma Tributária, até 2073, representa um modelo que precisa ser resguardado, especialmente nas discussões sobre a legislação ordinária.
As preocupações sobre a manutenção de suas vantagens fiscais devem ser vistas sob a luz do espírito público, entendendo que suas contrapartidas foram amplamente garantidas pelo Estado brasileiro como uma forma de assegurar o desenvolvimento sustentável da Amazônia. E acima de tudo, precisa levar seus benefícios para o interior do Amazonas e de toda a Amazônia Ocidental mais o Estado do Amapá, conforme legislação federal que ordena a admirável atuação da Suframa.
Oportunismo versus Colaboração
O que não podemos permitir é que o oportunismo apague a chama do debate construtivo. Aqueles que só levantam bandeiras apocalípticas e de desconstrução não contribuem para o progresso do país. Na Amazônia, sabemos que o verdadeiro caminho para o desenvolvimento é a colaboração, o mutirão no sentido cotidiano dos povos indígenas. Precisamos, com urgência, de um mutirão baseado no espírito público, onde os verbos que conjugamos são “construir”, “compartilhar” e “resistir”. Devemos seguir em frente, sempre com os olhos voltados para o bem comum e para a justiça social.
O espírito público deve nos guiar em todas as decisões, seja na administração dos recursos dos contribuintes, seja nas grandes escolhas políticas e econômicas que moldarão o futuro de Manaus, do Amazonas e do Brasil. Com essa bússola sagrada em mãos, poderemos construir um país mais justo, equânime e comprometido com o desenvolvimento de todas as suas regiões. Vamos em frente, com o espírito público como nosso norte, sempre.
Yara Amazônia Lins é pós-graduada em Ciências Contábeis pela UFAM e reúne um portfólio em Espírito Publico em seus mais de 40 anos de serviços prestados ao TCE-AM
Comentários