Quando questionei em evento público em 2004 o então reitor da recém fundada UEA (Universidade do Estado do Amazonas), Lourenço Braga, sobre o fato de apesar de inovarem com N tipos de cotas o motivo de não haver cotas para negros, recebi a resposta que “não havia necessidade, pois no Amazonas a população negra era ínfima, o que não era o caso dos indígenas”.
Por Juarez Silva Jr
Lembrei então ao magnífico reitor, que o Censo do IBGE da época indicava um empate técnico entre indígenas e autodeclarados pretos, isso sem contar que os pardos (na época 68% da população) são oficialmente parte da população negra; “técnica e oficialmente” nesse quesito, o Amazonas só perde para a Bahia.
Tá, eu sei, dirão “mas no Amazonas, a maioria tem origem indígena, é ‘pardo indígena’…”, e eu, “chato”, direi “isso non ecxiste”; pelo menos não oficialmente, ou seja, tanto “pardos afros” quanto “pardos indígenas” ou “pardos afro-indígenas” são simplesmente “pardos” para o IBGE e políticas públicas. Não há distinção na lei e fazem parte da população negra. Outro dia falo sobre os “negros da terra”.
Vinte anos depois a UEA não corrigiu isso, segue preservando na raiz a velha negação da presença negra no estado do Amazonas, muito embora até permita e publique quem vai por outra linha, vide o texto “Afroamazonenses: a desconstrução de uma presença negada”.
Ironicamente, agora a sua maior cota, a para “amazonenses”, não necessariamente nascidos, mas moradores que aqui cursaram o ensino médio foi declarada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Por sinal o organizador e primeiro reitor da UEA já se manifestou na imprensa sobre o fato. O discurso segue o mesmo, só se falou em “caboclos e indígenas”, ignorando a população negra amazonense, com isso colaborando com a persistente negação dessa presença, mesmo depois de um potente movimento de desconstrução dessa invisibilização nas duas últimas décadas, inclusive por meio de vários trabalhos acadêmicos.
Todos agora estão “correndo da sala para a cozinha” imaginando a melhor forma de não serem “invadidos” e perderem a maioria das vagas para os “forasteiros”, especialmente nos seus “cursos filé”. como Medicina, Direito e outros que dão alta mobilidade social.
Eu tenho três sugestões de solução:
1ª Incluam cotas para negros (pretos e pardos) na proporção do IBGE para o estado. Só aí vão garantir 70% das vagas.
2ª Transfiram ou expandam os “cursos filé” para o interior, mas bem interior mesmo; não na região metropolitana de Manaus, mas sim para municípios mais distantes, de acesso complicado e carentes de iniciativas de desenvolvimento.
3ª Façam as inscrições e provas presencialmente nas localidades das ofertas, sem opção online. Isso não “protegerá” muito os estudantes da capital mas servirá bem para os do interior. A regionalização de concursos já se provou eficiente nesse sentido afirmativo da gente do interior.
Desconfio seriamente que considerando as possibilidades, optariam pela última, já que na verdade, a intenção da “cota para amazonenses”, incluindo os oriundos das escolas privadas, uma situação no mínimo estranha em se tratando de ações afirmativas, aparentemente nunca foi para afirmar ampla e seriamente a população não-branca do estado. Tampouco o interior, assim fosse teria se levando para lá de forma mais efetiva toda a “primeira linha” de cursos.
Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.
Originalmente publicado por: AMAZÔNIA REAL
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