Estudo apoiado pela FAPESP foi atrás de entender melhor sobre o misterioso e milenar solo amazônico, e os resultados revelam que a Terra Preta possui fertilidade muito fora da curva.
Um estudo recente publicado na revista Frontiers in Soil Science, com apoio da FAPESP, revelou que a Terra Preta da Amazônia (TPA) promove um crescimento superior e mais rápido das árvores, tanto em termos qualitativos quanto de velocidade. A TPA é um solo conhecido por sua alta concentração de nutrientes e pela presença de uma comunidade de microrganismos que auxiliam no crescimento das plantas.
De acordo com Luís Felipe Guandalin Zagatto, mestrando do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP) e um dos autores do artigo, os nativos da Amazônia têm utilizado a TPA há séculos para plantar alimentos, dispensando a necessidade de adubação adicional. Zagatto explica: “A TPA é rica em nutrientes e sustenta comunidades de microrganismos que, entre outras coisas, ajudam as plantas a crescer”.
Os pesquisadores observaram que a microbiota presente na Terra Preta, composta por bactérias, arqueias, fungos e outros microrganismos, é extremamente benéfica para o crescimento das plantas. A adição de TPA resultou em um crescimento significativo das três espécies arbóreas estudadas pelo grupo de pesquisa. Mudas de cedro-rosa (Cedrela fissilis) e angico-amarelo (Peltophorum dubium) cresceram 2,1 e 5,2 vezes mais alto com 20% de TPA, e 3,2 e 6,3 vezes mais alto com 100% de TPA, em comparação com os solos-controle.
A embaúba (Cecropia pachystachya) não apresentou crescimento nos solos sem TPA, mas prosperou com 100% de Terra Preta. Além disso, a massa seca do capim braquiária, comumente utilizado em pastos, aumentou 3,4 vezes com 20% de TPA e 8,1 vezes com 100% de TPA, em comparação com o solo-controle.
Anderson Santos de Freitas, doutorando no Cena e coautor do artigo, explica que as bactérias presentes na Terra Preta desempenham um papel fundamental na transformação de substâncias do solo em nutrientes absorvíveis pelas plantas. Ele compara: “Fazendo uma analogia bem rudimentar, daria para dizer que as bactérias atuam como ‘minicozinheiros’, transformando substâncias que a planta não consegue ‘ingerir’ em coisas que ela de fato aproveita”.
Além do maior teor de nutrientes, a TPA também apresentou um pH mais elevado em comparação com o solo-controle. Foram encontradas maiores quantidades de fósforo, além de três a cinco vezes mais dos demais nutrientes medidos, com exceção do manganês.
A pesquisa foi realizada com amostras de Terra Preta coletadas no Campo Experimental do Caldeirão, no Estado do Amazonas, e comparadas com amostras de solo agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), em Piracicaba, que serviram como controle. Em vasos de quatro litros, preenchidos com três quilos de terra, as plantas foram cultivadas em estufa com temperatura média de 34 °C, simulando o aquecimento global.
O solo foi dividido em três grupos: solo-controle, uma mistura de 80% de solo-controle com 20% de TPA, e 100% de TPA. Foram plantadas sementes de capim braquiária em cada vaso e, após 60 dias, apenas as raízes foram deixadas, simulando a restauração de pastagens degradadas. Em seguida, as três espécies de árvores analisadas foram plantadas nos três tipos de solo.
Aplicações futuras e restauração ecológica
Zagatto ressalta que o objetivo da pesquisa não é utilizar a TPA diretamente, uma vez que esse recurso é finito e precisa ser preservado. O intuito é compreender quais características químicas, bioquímicas e biológicas da TPA são responsáveis por seus efeitos benéficos nas plantas. O pesquisador explica: “Precisamos entender exatamente quais são os microrganismos responsáveis por esses efeitos e de quais formas poderíamos utilizá-los sem necessitar da TPA propriamente dita. A partir daí, então, tentaremos, por exemplo, replicar essas características por meio de desenvolvimentos biotecnológicos. Esse trabalho é um primeiro passo nessa direção”.
O Brasil está perdendo extensas áreas florestais, não apenas na Amazônia, devido a vários fatores, como a substituição de florestas por pastagens ou cultivos agrícolas. Portanto, é crucial encontrar maneiras de restaurar essas áreas e fazer com que as florestas voltem a crescer rapidamente, oferecendo todos os benefícios ecossistêmicos, como a regulação do clima, a melhoria da qualidade do ar e o armazenamento de carbono no solo.
Zagatto enfatiza: “No estudo, buscamos avaliar um possível fator de melhora para projetos de restauração ecológica de florestas tropicais, mais especificamente da floresta amazônica, para que, no futuro, essas áreas possam retornar a um estado mais próximo possível de suas condições originais”. Ele acredita que os resultados obtidos são promissores e indicam que o uso das características da Terra Preta na produção de mudas ou diretamente em campo pode ser uma forma de acelerar os projetos de restauração ecológica de florestas tropicais.
Com a continuação das pesquisas e o avanço da biotecnologia, espera-se que seja possível desenvolver soluções inovadoras que permitam replicar os benefícios da Terra Preta sem depender desse solo específico. Dessa forma, será possível impulsionar a restauração de áreas degradadas e contribuir para a preservação das florestas tropicais, garantindo a sobrevivência de diversos ecossistemas e o bem-estar das populações humanas.
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