À medida que a crise climática se intensifica globalmente, um crescente número de jovens, influenciados por eventos climáticos extremos e ansiedade ambiental, estão optando por não ter filhos. Estudos indicam um aumento significativo na preocupação com o impacto futuro das mudanças climáticas na vida das crianças, levando a uma reconsideração das decisões familiares em diversos países.
“Não consigo me ver como responsável pela vida de outro ser humano, por gerar uma nova vida que se tornaria mais um fardo para um planeta que já está tão sobrecarregado”, afirma Julia Borges, estudante de 23 anos de Agricultura e Engenharia de Recife. Julia, assim como muitos outros ao redor do mundo, incluindo aqueles de nações em desenvolvimento, está optando por não ter filhos devido a preocupações ambientais.
Aumento da ansiedade climática
Este fenômeno, conhecido como “ansiedade climática” — um medo relacionado aos efeitos do aquecimento global — está crescendo globalmente. Um estudo realizado pelo Google a pedido da BBC revelou um aumento significativo de 73 vezes nas buscas por este termo em português nos primeiros dez meses do ano em comparação com o mesmo período de 2017.
Julia Borges descreve como a preocupação com as mudanças climáticas afetou profundamente sua saúde mental, incluindo crises de ansiedade severas. Mesmo após participar de um curso sobre liderança climática, ela se sentiu mais sobrecarregada, reforçando sua decisão contra a maternidade.
Em 2022, pesquisadores da Universidade de Nottingham conduziram um estudo em 11 países para entender se a ansiedade climática influenciava as decisões das pessoas sobre ter ou não ter filhos.
O estudo que será publicado no próximo ano mostra uma variação significativa entre países na porcentagem de pessoas que frequentemente consideram não ter filhos devido às mudanças climáticas: de 27% no Japão a 74% na Índia.
Impacto das mudanças climáticas na decisão de ter filhos
Uma pesquisa anterior, divulgada na revista Lancet, indicou que mais de 40% dos jovens entre 16 e 25 anos na Austrália, Brasil, Índia e Filipinas sentiram-se hesitantes em ter filhos por causa das mudanças climáticas. Em países como França, Portugal, Reino Unido e EUA, essa taxa variou entre 30% e 40%, enquanto na Nigéria foi de 23%.
Uma revisão de 13 estudos, realizada pela University College London, concluiu que as preocupações com as mudanças climáticas frequentemente levam à preferência por famílias menores. Isso se deve tanto à preocupação com o impacto das mudanças climáticas na vida das crianças quanto à percepção de que famílias maiores exercem maior pressão sobre os recursos do planeta. Contudo, estudos na Zâmbia e Etiópia sugerem que famílias menores são vistas como mais capazes de se sustentar em condições ambientais adversas.
Celebridades e o debate sobre a maternidade e a crise climática
Miley Cyrus e Alexandria Ocasio-Cortez expressaram publicamente suas dúvidas sobre ter filhos em um mundo afetado pelas mudanças climáticas. Este debate também é evidente em países diretamente afetados pela crise climática.
Julia Borges relata um aumento em sua preocupação com as mudanças climáticas após uma tempestade devastadora em Recife em maio de 2022, que causou inundações e deslizamentos, resultando em mais de 120 mortes. Essa experiência a fez questionar a viabilidade de pensar no futuro das crianças quando as do presente já estão em perigo.
Duas mulheres de diferentes partes do mundo tiveram suas vidas impactadas por eventos climáticos extremos, influenciando suas decisões sobre maternidade.
Experiência no Nepal
Shristi Singh Shrestha, uma ativista nepalesa de 40 anos, testemunhou as consequências devastadoras da seca no vilarejo de sua família, onde as pessoas enfrentavam fome devido à perda de colheitas e à falta de água, mesmo após a escavação de um poço profundo. Em um distrito vizinho, ela viu uma aldeia ser devastada por enchentes. Estas experiências reforçaram sua decisão de não ter mais filhos, uma escolha feita oito anos antes, quando se preocupava com o futuro da filha em um mundo afetado pelas mudanças climáticas.
Shristi expressou sentimentos de tristeza e preocupação diária com as mudanças climáticas e seus efeitos, especialmente após a recente tragédia em seu vilarejo. Esse sofrimento é um exemplo do que a psicoterapeuta Caroline Hickman, da Universidade de Bath, descreve como ansiedade climática ou eco-ansiedade — uma angústia causada pela rápida mudança climática e seus impactos pessoais e planetários.
Experiência na Nigéria
Ayomide Olude, uma profissional de 24 anos trabalhando em uma ONG de sustentabilidade na Nigéria, teve sua perspectiva sobre ter filhos afetada ao filmar um documentário em uma comunidade pesqueira costeira. Ela observou os efeitos das marés de tempestade em Folu, perto de Lagos, onde a água da inundação atinge profundamente o vilarejo, levando ao abandono de casas e à submersão de partes do vilarejo. Essa experiência fortaleceu sua determinação de não ter filhos.
Ayomide Olude, da Nigéria, observou diretamente as dificuldades enfrentadas pelos pescadores locais devido ao aumento da intensidade das tempestades. Ela também organiza um “café climático” em Ogun, ao norte de Lagos, onde jovens nigerianos discutem suas ansiedades relacionadas às mudanças climáticas. A situação em Folu reforçou suas preocupações e sua decisão de não ter filhos.
Tanto Julia, no Brasil, quanto Ayomide, na Nigéria, enfrentam pressões sociais e familiares para terem filhos. Ayomide expressa que, em uma sociedade onde as mulheres têm limitado poder de decisão e onde prevalecem crenças religiosas pró-natalidade, é desafiador se posicionar contra ter filhos. Ela menciona que seus pais estão chateados com sua decisão, um sentimento que ela tenta evitar, mas que a entristece.
Shristi, no Nepal, também enfrenta pressões de parentes que questionam sobre ela ter um segundo filho. Entretanto, ela, assim como Julia e Ayomide, recebe apoio de seu cônjuge em relação à decisão de não expandir a família.
Aconselhamento sobre ansiedade climática
Caroline Hickman, autora principal do estudo de 2021 na revista científica Lancet, vê a ansiedade climática como uma resposta natural à crise climática. Ela sugere que as pessoas afetadas por essa ansiedade se conectem com outras que compartilham dos mesmos sentimentos e busquem ações práticas para enfrentar a crise, reforçando a necessidade de aprender a conviver com esses desafios.
Matéria feita com base na matéria original da BBC
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