Politica econômica deveria buscar o emprego e o crescimento. Para isso, o gasto público é decisivo. Optar pelo resultado fiscal pode custar caro. Regra pode ser mais um freio na economia (além dos juros) e alimentar a extrema direita
por Pedro Rossi
1. O teto de crescimento do gasto primário 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto no governos Lula 1 e 2 (5,2% ao ano) e Dilma (3,5%) e mesmo FHC. Esse crescimento do gasto primário permitiu a expansão dos serviços públicos, programas sociais, seguridade e o investimento publico.
2. Considerada a previsão de crescimento e tudo mais constante, o crescimento do gasto não deve atingir o teto de 2,5% no governo Lula, ou seja, vai crescer menos. Para o gasto chegar próximo a esta marca, o governo vai ter que aumentar a carga tributária.
3. A relação gasto/PIB pode cair, se não houver aumento de carga tributaria, ou um crescimento do PIB negativo ou próximo de zero. Ou seja, a regra não garante a sustentação do patamar de gasto/PIB e o tamanho do Estado na economia pode diminuir.
4. O novo teto de gastos vai ter o mesmo problema do teto anterior: um “efeito achatamento” onde algum gastos (como seguridade, saúde, educação, bolsa família turbinado) crescem mais e pressionam os gastos discricionários.
Isso dará pouca margem para expansão do investimento publico dentro do teto (apesar do novo piso que o protege de cortes), para aumentos do salario mínimo, que repercutem na seguridade, e para o funcionalismo publico.
No caso do investimento vale destacar que o excesso de superávit primário (para além do limite superior da banda) vira investimento. Logo uma expansão relevante do investimento vai depender da geração desses superávits.
5. Com o fim da Emenda Constitucional 95, temos a volta dos antigos pisos constitucionais da Saúde e Educação. Isso é muito bom mas, de certa forma, pouco compatível com o teto: se a receita cresce 10%, Saúde e Educação vão crescer 10% mas o conjunto dos gastos vai crescer 2,5%, o que cria um problema no orçamento. O governo vai ter q cortar gastos em outras áreas em meio à fartura para garantir os pisos constitucionais. Voltaremos ao debate sobre reformas para reduzir gastos discricionários, pisos constitucionais da Saúde e Educação, gastos obrigatórios, “peso” do funcionalismo, etc.
6. O piso mínimo para o crescimento do gasto – 0,6% — é insuficiente em caso de uma recessão ou mesmo para a recuperação econômica que precisamos. Ou seja, se a economia desacelerar muito, o governo pouco vai poder fazer para gerar emprego e renda. A ver se o texto da regra vai trazer cláusulas de escape.
O instrumento de política expansionista fica atrofiado. O estimulo econômico vai depender muito mais da composição do gasto, de políticas de crédito, das estatais e do cenário externo e também da boa vontade do Banco Central.
7. Se o superávit primário ficar abaixo do piso da banda da meta, o gatlilho para reduzir o crescimento das despesas em 50% da receita é duro e pró-ciclico, considerando que o resultado normalmente não é atingido em caso de PIB e receita abaixo do previsto. Ou seja, pode haver momentos de economia em desaceleração, precisando de estimulo publico e o regime vai prever desaceleração do gasto.
8. Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não havia teto, no governo Lula também não. O gasto público no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado primário era alto e a dívida caiu.
9. A banda é um avanço em relação ao regime de metas tradicional, mas poderia ter metas menos ambiciosas e bandas mais largas para acomodar choques. A utilização do excedente do superávit primário para investimento também é boa, mas a alternativa seria tirar o investimento do teto.
10. O objetivo central da politica econômica deveria ser emprego e o crescimento. Aliás, o Brasil vai estabilizar a divida quando voltar a crescer e, para isso, o gasto público é fundamental. A prioridade dada ao resultado fiscal e estabilidade da divida pode custar caro. O risco é a regra representar mais um freio na economia (além do monetário) e aumentar a chance da extrema direita voltar em quatro anos.
Por fim, um registro elogioso: é evidente o avanço em relação ao teto do Guedes, a proposta é mais flexível, tecnicamente bem construída, criativa na tentativa de amenizar o caráter pró-cíclico e até inovadora em alguns aspectos.
PEDRO ROSSI
Professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon).
Originalmente publicado por: OUTRAS PALAVRAS
Comentários