O Instituto Socioambiental (ISA) e o Observatório do Clima (OC) alertam para as consequências que o projeto de lei 2.159/2021 pode trazer para o licenciamento ambiental no país. O texto aguarda votação nas comissões de Meio Ambiente e Agricultura do Senado e pode resultar em uma “Lei da Não Licença Ambiental”, segundo as ONGs. Os pontos mais problemáticos incluem autolicenciamento, restrição de medidas preventivas e compensatórias, e dispensa de licenciamento em diversos casos.
Uma nota técnica lançada nesta terça-feira (29) por ISA (Instituto Socioambiental) e OC (Observatório do Clima) alerta para a desestruturação do licenciamento ambiental caso seja aprovado como está o PL (projeto de lei) 2.159, de 2021.
As ONGs consideram que a redação atual é “uma proposta de ‘Lei da Não Licença Ambiental’, que coloca em risco a proteção do meio ambiente, os direitos socioambientais consagrados pela Carta de 1988 e a saúde pública”.
O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2021 e aguarda votação nas comissões de Meio Ambiente e Agricultura do Senado.
Contexto político
A motivação para a publicação da nota foi o lançamento do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O programa do governo Lula (PT) engloba um conjunto de políticas focadas em infraestrutura e medidas institucionais para a expansão de investimentos públicos e privados —entre elas, o “aperfeiçoamento do ambiente regulatório e do licenciamento ambiental”.
“No PAC, o item [número] um dos pontos que são colocados é a questão da revisão da legislação do licenciamento”, diz Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA.
“A ideia do Executivo é viabilizar a aprovação de uma lei e estão ocorrendo reuniões internas do Executivo e reuniões com os dois relatores [do PL]”, afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. São relatores os senadores Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Jair Bolsonaro, e Confúcio Moura (MDB-TO).
Procurada, a Casa Civil respondeu, após a publicação da reportagem, que “as estratégias do governo federal [no Novo PAC] relacionam-se ao aperfeiçoamento de normas e capacidades operacionais do Ibama e demais órgãos licenciadores de forma ampla (formação técnica, sistemas de informação, equipamentos etc)”.
“Elas não se relacionam diretamente à aprovação do PL 2.159/2021 que, cabe repisar, não teve origem no Executivo”, diz.
A Casa Civil afirma ainda que busca “maior segurança jurídica e maior previsibilidade” na legislação ambiental e que tem realizado “amplo debate com representantes de diversos setores da sociedade e com os senadores”. “Há um entendimento geral sobre a necessidade de uma lei que oriente a aplicação do licenciamento no país, mas consideramos que o atual PL ainda apresenta questões que precisam ser melhor discutidas.”
Autolicenciamento e riscos
Para Suely Araújo, “a ideia da nota técnica é mostrar que temos caminhos que podem, no mínimo, minorar os problemas da lei e enfrentar os pontos mais polêmicos”.
A nota afirma que, se o texto for aprovado pelo Senado e transformado em lei como está, “gerará sua imediata judicialização, tanto por ação direta de inconstitucionalidade, como por ações locais contra empreendimentos”.
O texto lista pontos considerados problemáticos, como a dispensa da licença ambiental para a maior parte dos casos.
Nesta quarta-feira (30), em audiência na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados sobre a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que eventuais medidas legislativas para alterar o licenciamento ambiental devem vir para aperfeiçoar o mecanismo, não para flexibilizá-lo.
Aspectos técnicos e sociais
Um dos tópicos destacados é a adoção do “autolicenciamento”, que tem o nome técnico de LAC (licença por adesão e compromisso), para certos empreendimentos e atividades. A LAC já é usada em alguns estados.
Nessa modalidade, a licença é emitida automaticamente mediante autodeclaração da empresa, sem requerer estudos de impacto ambiental e sem qualquer análise pelo órgão licenciador. O monitoramento é feito por amostragem.
O texto do PL é pouco específico, dizendo apenas que a regra se aplica caso a obra não cause “significativa degradação do meio ambiente”, as características da região sejam conhecidas e que não haja supressão de vegetação nativa.
“Pode-se afirmar que, se o PL nº 2.159/2021 for aprovado, 85,6% dos processos de licenciamento ambiental de atividades minerárias e suas barragens de rejeitos em Minas Gerais, que hoje são licenciadas mediante análise prévia do órgão ambiental, passarão a ser objeto de licenciamento por adesão e compromisso”, diz a nota.
A proposta das ONGs torna o texto mais restritivo, dizendo, por exemplo, que a LAC só se aplicaria a empreendimentos qualificados como de pequeno potencial de impacto ambiental e de baixo risco, além de não poder ser aplicada em unidades de conservação.
Desafios e limitações
Outro ponto abordado é a limitação nas condicionantes para a concessão da licença —ou seja, o tipo de requisito ou compensação que deve ser cumprido pelo empreendedor para que a atividade seja realizada.
“As condicionantes ambientais são o coração do licenciamento. São aquelas medidas que são adotadas para prevenir, mitigar ou compensar impactos. O que está previsto em relação às condicionantes no projeto é que elas não podem ser ‘desproporcionais’ em relação ao impacto ambiental gerado. Mas o que é ‘desproporcional’? Isso é muito subjetivo”, aponta Suely.
Diante dos riscos, das lacunas e da iminência da votação no Senado, as ONGs argumentam que é preciso mais debate e transparência no processo. Especialistas, políticos e sociedade civil devem se unir para garantir que a lei, se aprovada, proteja efetivamente o meio ambiente e a saúde pública. O alerta é claro: a flexibilização do licenciamento ambiental pode resultar em impactos irreversíveis para a natureza e para a sociedade.
Com informações da Folha de São Paulo
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