Uma recente pesquisa revelou que os lucros provenientes de produtos que se beneficiam da biodiversidade da Amazônia raramente são revertidos para os povos indígenas da região. O levantamento, realizado a partir de dados na plataforma eletrônica Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) entre 2017 e 2022, trouxe dados preocupantes.
O estudo identificou um total de 150.538 cadastros de acesso a patrimônio genético e Conhecimento Tradicional Associado (CTA). De forma surpreendente, 87% desses registros indicam somente acesso ao patrimônio genético, não estando ligados a conhecimentos tradicionais. O índice que aponta o acesso ao CTA é de apenas 13%. Contudo, o que é ainda mais alarmante é que a maioria desses registros não identifica o povo ou a comunidade que detém esses conhecimentos.
Paralelamente, o levantamento também detectou 19.354 registros de notificações de produtos acabados, os quais foram desenvolvidos a partir do acesso ao patrimônio genético e/ou CTA. No entanto, uma porção avassaladora de 91% destas notificações é referente a produtos concebidos unicamente a partir do patrimônio genético, sem qualquer associação ao CTA.
Estes dados lançam luz sobre um problema significativo: a não identificação dos CTAs. Esta lacuna acaba por facilitar a apropriação indevida desses conhecimentos, desprotegendo os verdadeiros detentores e beneficiando outros atores.
O Instituto Escolhas, responsável pelo monitoramento e pela pesquisa, apresentou essas descobertas ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) nesta quarta-feira (18), no Ministério de Meio Ambiente (MMA) em Brasília.
Os resultados ressaltam a urgência de se desenvolver mecanismos mais eficientes e transparentes que garantam a justa distribuição dos benefícios gerados pela exploração da biodiversidade da Amazônia, especialmente quando estes envolvem o conhecimento e as práticas tradicionais das populações indígenas.
O caso da rã Kambô e a busca por justiça dos povos indígenas
Na imensidão da floresta amazônica, uma pequena rã se destaca não apenas por sua presença, mas por seu papel crucial na medicina tradicional indígena. A rã kambô (Phyllomedusa bicolor), é conhecida pela secreção que é há muito tempo utilizada como medicamento por diversos povos indígenas da Amazônia. No entanto, o que poucos sabem é que essa substância, um patrimônio dos povos amazônicos, agora tem registros de patentes em países como Estados Unidos, Canadá, Japão, França e Rússia.
Este é apenas um exemplo ilustrativo da apropriação de conhecimentos tradicionais, um tema que tem se tornado cada vez mais relevante e preocupante. O uso do conhecimento sem o devido reconhecimento e compensação representa uma injustiça contínua contra as comunidades indígenas.
Jaqueline Ferreira, do Instituto Escolhas, enfatiza a necessidade urgente de abordar essa questão. “Discutir e aprimorar o monitoramento do acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético por pesquisadores e empresas é fundamental para fortalecer a bioeconomia e garantir direitos dos povos e comunidades tradicionais detentores desses conhecimentos”, afirma.
A preocupação com esse problema levou o Instituto Escolhas a realizar uma análise profunda da legislação atual e das ferramentas de monitoramento disponíveis. A pesquisa culminou na elaboração de uma proposta de banco de dados, com o objetivo principal de apoiar o Ministério de Meio Ambiente na criação de uma ferramenta brasileira de rastreabilidade para monitorar o acesso e uso de Conhecimento Tradicional Associado (CTA).
Essa proposta foi formalmente apresentada em agosto à Câmara Setorial das Guardiães e Guardiões da Biodiversidade, um órgão do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen). A esperança é que essa ferramenta se torne uma arma valiosa na proteção dos direitos dos povos indígenas, assegurando que os benefícios derivados do uso de seu conhecimento sejam justamente repartidos.
*Com informações CNN
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