A espécie invasora é carnívora, não tem predador e já se instalou em oito estados do litoral brasileiro, além disso o peixe-leão detém potencial risco para humanos
Dono de uma beleza peculiar, que faz dele um animal cobiçado por aquaristas em todo o mundo, o peixe-leão tem sido um problema ambiental em ecossistemas por onde se alastra, como espécie invasora. Originário de recifes de corais da região do Indo-Pacífico, ele se tornou uma praga no Caribe e, nos últimos anos, está avançando pela costa brasileira.
Pesquisador no Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), o biólogo e geocientista Marcelo Soares conta que, entre 2020 e março de 2023, foram capturados e registrados “mais de 300 exemplares” do animal na costa de oito estados diferentes do Nordeste.
“O que tem nos assombrado é que até março de 2022 a gente encontrava animais pequenos, de 14 ou 15 centímetros. Agora já são exemplares na faixa dos 28 centímetros. E mais ao norte, no Amapá, no Pará e em Fernando de Noronha, já encontramos com 32 centímetros”, comenta. “E eles têm se reproduzido, encontramos várias fêmeas ovadas.”
“Sem sombra de dúvidas, nossos dados mostram um crescimento exponencial desses animais, sem nenhum achatamento da curva. É um crescimento muito rápido da população”, acrescenta Soares. “Todo dia eu recebo algum vídeo.”
Segundo o pesquisador, a presença já é grande em uma faixa de 2.780 quilômetros, entre o litoral do Amapá e de Pernambuco, englobando Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, e passando por 12 unidades de conservação ambiental.
E os registros demonstram uma grande capacidade de adaptação. O peixe-leão já foi encontrado em profundidades extremamente rasas, como 1 metro, até pontos com mais de 100 metros. Sua presença também não tem se limitado aos recifes de corais — já foram avistados em estuários e manguezais.
“Agora que chegaram a Pernambuco, eles têm uma corrente favorável que leva ao sul. Dados que temos hoje indicam que o animal deve chegar até a costa do Uruguai”, prevê Soares, ressaltando que a preocupação é grande caso o peixe-leão se espalhe pela região de Abrolhos, na Bahia, por conta do potencial desequilíbrio ambiental no santuário ecológico.
Falta de predadores
O maior problema do peixe-leão no Atlântico sul é a falta de predadores naturais. “Eles já foram descritos como uma das espécies mais agressivamente invasivas da natureza”, aponta o biólogo e divulgador científico Guilherme Domenichelli, criador do canal Animal TV, no Youtube.
A fêmea coloca milhares de ovos por vez, liberando-os a cada quatro dias. “Estima-se que uma fêmea pode produzir 2 milhões de ovos por ano”, comenta Soares.
Carnívoro, o bicho encontra um verdadeiro banquete nas espécies da fauna costeira brasileira. “Acreditamos que ele coloca em risco 29 espécies de peixes nativos brasileiros. Ele se alimenta muito rapidamente de uma grande quantidade de animais”, diz o pesquisador do Labomar. É um glutão capaz de devorar 20 peixes em meia hora, conseguindo ingerir animais praticamente do seu tamanho.
O biólogo Domenichelli ressalta que o peixe-leão tem uma grande capacidade de adaptação aos diversos ambientes, tolerando inclusive diferentes tipos de salinidade, e isso favorece sua disseminação.
Além de tudo, peçonhento
Ele é um animal peçonhento, mas não ataca — o recurso é somente para defesa. “Usa seus raios e nadadeiras, que são sulcados e preenchidos com glândulas peçonhentas”, explica o médico Vidal Haddad Junior, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Haddad estudou os efeitos do veneno do peixe-leão em seres humanos, acompanhando 15 casos de acidentes envolvendo aquaristas. “A peçonha do peixe-leão entra no corpo quando a pessoa se espeta nos raios das nadadeiras, que são longos e finos”, detalha. “As principais consequências são dor excruciante imediata e pode ocorrer necrose e infecção secundária por bactérias.”
De acordo com o médico, “embora não cause mortes”, um incidente assim “pode incapacitar a vítima por até uma semana”.
Em maio do ano passado, ele foi um dos autores de um artigo científico registrando a primeira ocorrência de acidente com peixe-leão em ambiente natural no Brasil. Um pescador de 24 anos teve sete perfurações quando pisou sobre um exemplar na praia de Bitupitá, em Barroquinha, no Ceará. Ele apresentou edema e eritema locais, além de sentir dor e febre.
Soares conta que, de lá para cá, há notícias de pelo menos outros seis acidentes com pescadores.
Como se disseminou?
Não se sabe exatamente como o peixe-leão chegou ao Atlântico. As teorias mais aceitas são de que eles foram introduzidos ao ambiente a partir de aquários. “Provavelmente no início da década de 1990”, afirma Domenichelli. “Talvez isso tenha ocorrido em 1992, quando o furacão Andrew destruiu um aquário no sul da Flórida, liberando seis exemplares na baía de Biscayne.”
Mas ele também acredita na possibilidade de aquaristas amadores terem soltado os bichos no oceano, seja “para se livrar do animal”, seja por “enjoar do hobby”, seja por “achar que iriam dar liberdade ao peixe”. Da Flórida, ele logo se espalhou pelos mares do Caribe.
No Brasil, a primeira aparição foi registrada no Rio de Janeiro. Há dois registros, em 2014 e 2015, no Arraial do Cabo. “Mas depois disso nunca mais se soube de nada nessa região, então acreditamos que tenha sido uma introdução isolada ocorrida a partir de algum aquário e que, na ocasião, ele não se proliferou”, afirma Soares.
A situação foi diferente a partir de 2020, quando o peixe-leão passou a ser encontrado com frequência no litoral do Nordeste e no entorno de Fernando de Noronha. “Passamos a ter evidências de introdução de modo natural. Eles já estavam na Venezuela e na Guiana Francesa, possivelmente atravessaram nadando utilizando um sistema de recifes profundos ali onde o Rio Amazonas deságua no mar”, explica o geocientista.
Não é fácil conter o avanço do bicho. Segundo os pesquisadores, a única solução é o incentivo à caça, como já vem ocorrendo no Caribe. “Erradicar é praticamente impossível, então é preciso controlar sua população”, diz Soares. “O termo que usamos é ‘erradicação funcional’. A ideia é mantermos a população dele baixa para que não cause muito impacto.”
Fonte: DW
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