Por Fernanda Real – Jornal da USP
Temos sentido o impacto das mudanças climáticas com maior intensidade. Determinadas regiões vêm recebendo grande volume de chuvas, enquanto outras sofrem com períodos de estiagem e oscilações de temperaturas anormais.
Esses fenômenos desencadeiam tragédias que possuem um impacto maior sobre crianças e adolescentes, que ainda se encontram em formação fisiológica e psicológica. Os impactos indiretos também são mais sentidos por esse grupo, já que a degradação ambiental também compromete serviços, políticas e instituições voltadas para suprir as necessidades e direitos ambientais das crianças.
Foi isso que apontou o relatório Crianças e Adolescentes, e Mudanças Climáticas no Brasil do Fundo das Nações Unidas Para a Infância (Unicef), divulgado no final de 2022.
Nele, foi possível observar os níveis de riscos climáticos em crianças e adolescentes no Brasil. Por aqui, o quadro socioeconômico desigual é um dos principais ampliadores do problema, que envolve a exposição à falta de água, enchentes fluviais e costeiras, ondas de calor e poluição do ar ambiente.
A chamada fase de crescimento das crianças é a mais importante para a formação de tecidos e sistemas do corpo. Esse é o período em que a fisiologia e os sistemas imunológicos ainda não estão completamente desenvolvidos, sendo mais vulneráveis às exposições de fenômenos climáticos e ambientais.
Por exemplo, com o processo de desmatamento e o desmantelamento de políticas ambientais, que geram o aumento da poluição do ar pelo aumento da emissão de gases de efeito estufa, crianças e adolescentes ficam mais suscetíveis ao desenvolvimento de doenças respiratórias.
Atualmente, são quase 24,8 milhões de crianças e adolescentes expostas ao risco de poluição de ar ambiente, quase 13,6 milhões delas expostas a ondas de calor, e 2,1 milhões delas estão em zonas alertas no Brasil, como indica dados dispostos por tabela elaborada pelo The climate Crisis is a Child Rights: Introducing the Children’s Climate Risk Index.
Impactos indiretos
A professora Helena Ribeiro, do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, salienta que a combinação desses fatores às questões de vulnerabilidade socioeconômicas são agravantes, principalmente no que diz respeito aos impactos indiretos dos desastres ambientais:
“As crianças sofrem mais por conta dos riscos relacionados à pobreza, porque a moradia é considerada um mediador entre os fatores de risco climáticos”, explica ela. Continentes como África e a América Latina são os que sentem com maior intensidade os efeitos das ações antrópicas sobre o clima e são justamente esses locais que apresentam maiores índices de pobreza infantil.
Principalmente no que diz respeito aos impactos indiretos dos desastres ambientais, psicólogica e educacionalmente, esses fatores de risco apresentam efeitos bastante negativos, à medida que a criança fica exposta ao choque, estresse e incertezas, ocasionando sequelas que podem ou não permanecer na vida adulta.
Isso ocorre porque, geralmente, escolas e ginásios são destinados a receber refúgio em casos de deslizamentos de terra e enchentes. “Não é só aprendizado que se perde, mas também ocorre o estresse de perder a moradia, incerteza se vão ter uma casa no futuro. E isso causa danos sérios para as crianças e para o futuro delas”, completa Helena Ribeiro.
Direitos ambientais das crianças
Pensar na proteção de crianças e adolescentes contra os impactos dos riscos climáticos não é somente pensar na garantia dos direitos ambientais, como também garantir o direito ao futuro delas. A seguridade dos direitos e a retirada da condição de invisibilidade dentro das políticas ambientais são dois dos primeiros mecanismos para impedir que o grupo sofra com os impactos climáticos.
A pesquisadora em cidades e mudanças climáticas do Instituto de Estudos Avançados da USP Débora Sotto defende ser importante estudar alternativas dentro do Direito Ambiental que prezem pela garantia dos direitos para a proteção de crianças e adolescentes. Além da garantia de estimular o ativismo climático, com a abertura de instâncias de participação em escolas e em universidades, assim como em serviços e assistência social.
Texto publicado em Jornal da USP
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