A tese do marco temporal – que concede aos indígenas o direito ao seu território tradicional somente se eles estavam no lugar até a promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988 –beneficia um grupo de grandes fazendeiros autuados por infrações ambientais e que tomaram áreas da Terra Indígena Batelão, no norte de Mato Grosso, revela reportagem da Folha de S. Paulo.
Entre os ocupantes do território, tido como o berço dos indígenas kayabis, estão o prefeito de Lucas do Rio Verde (MT), Miguel Vaz Ribeiro, e um antecessor dele no cargo, Marino José Franz. Na lista de bens declarados por Ribeiro, quando eleito em 2020, está a Fazenda São Jorge, que fica na terra Batelão.
Franz é um dos donos da Fiagril, empresa produtora de grãos. Os dois, além de outros quatro grandes produtores rurais, foram atuados pelo Ibama por infrações ambientais.
Ao todo, diz a reportagem, o processo na Justiça contra os kayabis envolve 25 grupos de pessoas físicas e jurídicas, que ocupam terrenos no território (o qual soma 117 mil hectares) e dizem tê-los comprado após a expulsão dos indígenas. Nesse grupo, também está o vice-prefeito de Sinop, Dalton Benoni Martini (PTB), que tem fazendas em Batelão há mais de 30 anos, onde cria gado, planta soja e milho e explora madeira.
Caso a tese do marco temporal seja considerada válida, todos eles serão beneficiados. Na década de 1940, o governo de Mato Grosso vendeu ilegalmente porções de terra a quem quisesse explorar a área.
Na década de 1960, devido a sucessivas invasões e confrontos, uma parte dos kayabis foi levada pelos irmãos sertanistas Villas-Bôas, sem consenso ou aceitação das famílias, ao Território Indígena do Xingu (muitos voltaram depois).
Os que lá haviam permanecido, usavam terras próximas ao Batelão para caçar, pescar e coletar material para confecção de arco, flecha e peneira. Nas décadas seguintes, produtores rurais passaram a ocupar e desmatar a região, expulsando de vez os kayabis da Terra Indígena Batelão.
No dia 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que valida o marco temporal, mas o texto ainda precisa ser analisado e votado no Senado. O Supremo Tribunal Federal, que analisa a constitucionalidade da tese, suspendeu o julgamento do marco temporal no começo do mês.
Em setembro de 2016, o juiz federal Cesar Augusto Bearsi, da 3ª Vara Federal em Cuiabá, proferiu decisão considerando a terra de Batelão como de ocupação tradicional dos kayabis, o que anula os títulos de propriedade dos fazendeiros. A União também teria que pagar indenizações pelas benfeitorias feitas nas fazendas, um montante que chegaria a R$ 123,3 milhões em valores de 2016. Os fazendeiros contestam a decisão em instâncias superiores.
Entre as causas das multas aplicadas pelo Ibama, estão construção de dique e adutora de concreto sem autorização de órgão ambiental, inclusive em Unidade de Conservação, execução de manejo florestal sem autorização, uso de fogo indevido, desmatamento ilegal e irregularidades no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Texto publicado em UM SÓ PLANETA
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