Pesquisa da Embrapa revela como o manejo equilibrado entre árvores e gados pode criar um sistema que promove ganho de produtividade e qualidade nutricional
Um estudo realizado pela Embrapa Pecuária Sudeste (SP) comprovou a importância do manejo das árvores para garantir o equilíbrio em sistemas de integração pecuária-floresta (IPF) ou silvipastoris. Além de manter a produtividade da pastagem, o manejo adequado das árvores resultou em melhor qualidade da madeira remanescente e na obtenção de forragem com teor elevado de proteína bruta em comparação com modelos pecuários tradicionais sem a presença do componente arbóreo.
Esse avanço é significativo, pois a produção de forragem em sistemas integrados com árvores representa um desafio para os produtores rurais, uma vez que o desenvolvimento das pastagens depende da incidência de luz solar. A redução da radiação solar afeta o crescimento das plantas forrageiras, podendo resultar em menor produtividade na pecuária.
Os sistemas silvipastoris são alternativas sustentáveis para intensificar a produção pecuária. Com a integração de árvores e pastagens, os produtores proporcionam bem-estar aos animais e contribuem para a remoção de carbono da atmosfera, além de mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Além disso, o componente arbóreo pode se tornar uma fonte adicional de renda no futuro, por meio da comercialização de créditos de carbono.
A pesquisa, publicada no The Journal of Agricultural Science, concluiu que pastagens sombreadas apresentam características nutritivas superiores e produtividade semelhante às pastagens a pleno sol, quando ambas são manejadas da mesma forma.
De acordo com o pesquisador José Ricardo Pezzopane, da Embrapa, o manejo adequado das árvores no sistema silvipastoril resultou em aumento na produção de forragem em comparação com anos anteriores. Antes do desbaste das árvores, utilizando a média de duas estações (dois verões), que são os períodos mais produtivos das pastagens, a produção de forragem no sistema silvipastoril foi 45% inferior à do sistema a pleno sol: 996 quilos por hectare em comparação com 1,87 mil quilos por hectare, respectivamente. Nos dois verões após o manejo, a produção foi bastante diferente: quase 2 mil quilos por hectare no modelo integrado e 2,38 mil quilos por hectare a pleno sol.
Segundo Pezzopane, não houve diferença estatística nesse caso. “Além de não ocorrer variação na produção, a forragem no sistema silvipastoril apresentou teores de proteína bruta superiores, o que significa uma maior qualidade do alimento para os animais. É importante ressaltar que ambos os sistemas foram manejados da mesma forma, com pastejo rotacionado e adubação nitrogenada da pastagem”, explica o pesquisador.
Práticas como desbaste e poda são opções para reduzir a competição por recursos entre as árvores e as pastagens, garantindo uma produção equilibrada entre todos os elementos do sistema.
Progresso se faz com ciência
O experimento avaliou as características produtivas e nutritivas do capim-piatã (Urochloa brizantha cv. BRS Piatã) após o desbaste das árvores no sistema silvipastoril, composto por eucaliptos (Eucalyptus urograndis clone GG100). Também foram analisadas a produção de forragem e a qualidade nutritiva, juntamente com as variáveis do microclima, em um sistema intensivo a pleno sol com capim-piatã. O estudo foi conduzido na Fazenda Canchim, sede da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), de 2016 a 2018.
O sistema silvipastoril foi estabelecido em 2011, com árvores plantadas em fileiras simples, com espaçamento de 15 metros por 2 metros, totalizando 333 árvores por hectare. Antes do início do estudo, em 2016, foi realizado o desbaste de 50% dos eucaliptos em cada fileira, reduzindo o espaçamento para 15 metros por 4 metros. De acordo com os dados da pesquisa, em outubro de 2017, as árvores tinham, em média, 27,8 metros de altura e 25,9 centímetros de diâmetro à altura do peito.
Durante o período experimental, o valor nutritivo e a produção de forragem foram avaliados em cinco ciclos de pastejo representativos das estações do ano, de dezembro de 2016 a março de 2018: verão, outono, inverno e primavera de 2017, e verão de 2018.
O que o estudo descobriu
Os resultados mostraram que o teor de proteína bruta foi maior no sistema silvipastoril em comparação com o sistema a pleno sol na maioria das estações do ano. A acumulação de forragem nos dois sistemas foi semelhante. A produção de forragem foi favorecida pelo desbaste, principalmente próximo ao evento, enquanto sua qualidade foi consistentemente superior no sistema silvipastoril. Dessa forma, Pezzopane recomenda a adoção do desbaste de árvores em sistemas integrados para garantir uma produção de forragem semelhante ao sistema a pleno sol e, ao mesmo tempo, com maior teor de proteína.
Quando um pecuarista consegue utilizar a pecuária e a produção de madeira de forma eficiente na mesma área, ele obtém diversos benefícios. Além da renda adicional com a madeira, há serviços ecossistêmicos, como a diversificação de espécies e a fixação de carbono, que geralmente não são considerados. No entanto, Pezzopane destaca que esse modelo é bastante complexo, pois envolve interações variadas entre os elementos: pastagem, árvores e animais. “Resultados positivos dependem da capacidade de garantir interações sinérgicasentre esses componentes”, afirma o pesquisador.
Maria Fernanda Guerreiro, produtora que trabalha com sistemas integrados desde 2013, confirma os resultados da pesquisa da Embrapa na prática. Ela relata que nunca teve problemas com o sombreamento das árvores porque sempre realizou o desbaste adequado. Além de produtora, Guerreiro é engenheira agrônoma.
“Tenho um medidor de radiação de luz fotossinteticamente ativa (PAR) na propriedade. Nunca tive problemas com o sombreamento da pastagem, pelo contrário, só obtive benefícios. Realizei desrama e desbaste nos eucaliptos. Quando o medidor indicava sombreamento acima de 35%, adotávamos medidas de manejo, removendo as plantas mais finas ou doentes. Dessa forma, não tivemos problemas”, relata.
Segundo ela, é possível perceber visualmente quando o manejo é necessário; não é obrigatório possuir equipamentos de medição de radiação. É necessário observar e estar atento a todos os elementos do sistema.
O momento adequado para o manejo das árvores é indicado pelo nível de retenção de luz pelas árvores. Pezzopane recomenda o monitoramento constante e, caso o sombreamento ultrapasse os 35%, deve-se realizar o desbaste. Observar o crescimento do diâmetro e da altura das árvores também contribui para a definição do momento ideal de manejo. Outros indicadores são a estabilização do crescimento das árvores, o vigor das pastagens e as oportunidades de aproveitamento da madeira para uso na propriedade ou venda.
A qualidade da pastagem em sistemas silvipastoris está relacionada à maior fertilidade do solo em comparação com sistemas intensivos a pleno sol, devido à diversificação da matéria orgânica do solo (MOS) e de sua microbiota por meio das raízes de diversas espécies e da queda de serrapilheira. De acordo com o estudo, a MOS e seu carbono resultam em taxas variadas de mineralização de nitrogênio, beneficiando, a longo prazo, a suplementação de nitrogênio para as plantas.
“Esse fator, juntamente com as mudanças fisiológicas causadas pelo sombreamento, geralmente resulta em espécies com maior teor de proteína bruta e maior digestibilidade in vitro da matéria seca em comparação com aquelas manejadas a pleno sol. Isso explica o maior teor de proteína bruta da forragem na maioria das estações do ano quando comparado com o sistema a pleno sol”, detalha o pesquisador.
“Além disso, a presença de árvores reduz o escoamento superficial e permite a exploração de camadas mais profundas do solo para a captação de água, o que, em condições adequadas de disponibilidade hídrica, aumenta o uso total de água pelo sistema. Além disso, a sombra reduz a radiação e o estresse térmico nos bovinos, o que pode resultar em um melhor desempenho animal”, indica o pesquisador no estudo.
Em ambientes sombreados com temperaturas mais baixas, as enzimas são menos eficientes na fotossíntese do que em pastagens a pleno sol. A redução da eficiência resulta em uma maior concentração de enzimas por massa foliar e, como uma grande parte do nitrogênio foliar está presente nas enzimas da fotossíntese, há um maior teor desse nutriente no tecido foliar.
A maior digestibilidade em pastagens do sistema silvipastoril pode ser parcialmente atribuída às temperaturas mais elevadas no sistema a pleno sol em comparação com o sistema integrado. O aquecimento frequentemente aumenta o teor de fibra nas forragens, o que reduz a qualidade e a digestibilidade. As temperaturas altas também aceleram o desenvolvimento das forrageiras. Portanto, é possível que as pastagens no sistema silvipastoril tenham sido fisiologicamente menos maduras do que as pastagens a pleno sol, o que contribui para uma maior digestibilidade, pois essa característica das pastagens geralmente diminui com a idade da planta.
O manejo adequado das árvores em sistemas de integração pecuária-floresta traz benefícios tanto em termos de qualidade quanto de produtividade da forragem. A produção equilibrada só é alcançada por meio de práticas de manejo, como desbastes e podas, de acordo com as necessidades específicas de cada sistema de produção. Esses resultados reforçam a importância da adoção de modelos sustentáveis que promovam a integração entre a pecuária e a floresta, contribuindo para a sustentabilidade do agronegócio e para a conservação ambiental.
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