Em outubro de 2019, a notícia de que manchas de petróleo haviam alcançado a costa cearense abalou o país. Este derramamento de óleo, que se espalhou por quase 2.900 km do litoral brasileiro, foi o maior já registrado em águas tropicais. Agora, quatro anos após o incidente, pesquisadores começam a compreender o impacto catastrófico deste desastre ambiental.
Origens do Derramamento
O início do desastre foi identificado na Paraíba dois meses antes da contaminação no Ceará. Em Icapuí, pescadores artesanais relataram redes de pesca cobertas de óleo e frutos do mar revestidos por uma substância viscosa escura. Indícios recentes da Polícia Federal apontam para um navio petroleiro de bandeira grega como responsável pelo derramamento de impressionantes 5 a 12 milhões de litros de petróleo.
Consequências para a Biodiversidade
A bióloga Emanuelle Rabelo, da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), ajudou a compilar dados sobre os danos à biodiversidade marinha e costeira. Segundo seus achados, corais, esponjas-do-mar, peixes, aves e tartarugas foram diretamente afetados. As manchas de petróleo afetaram habitats de pelo menos 35 espécies ameaçadas. O Ibama registrou 159 animais afetados até março de 2020, com 112 deles não resistindo ao contato com a substância.
A contaminação não se limitou a afetar a fauna. Mudanças comportamentais em peixes, desequilíbrios na proporção de gênero em populações de crustáceos, redução da população marinha e contaminação de frutos do mar são algumas das inúmeras consequências negativas desencadeadas pelo vazamento.
De acordo com as pesquisas, 5.379 toneladas de petróleo atingiram 57 Unidades de Conservação costeiras e marinhas, incluindo parques e áreas de proteção ambiental. Surpreendentemente, quase 98% do petróleo derramado concentrou-se em quatro estados: Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe. Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará, sugere que correntes oceânicas, ventos e marés podem ter influenciado essa concentração desproporcional.
Lacunas no Estudo e Próximos Passos
Embora o vazamento tenha atingido amplamente, a pesquisa atual indica que apenas metade dos ecossistemas impactados foi estudada até agora. Rabelo destaca essa deficiência, ressaltando a necessidade de mais investigações para avaliar a extensão total do dano.
Este desastre ambiental, além de seu impacto imediato, serve como um lembrete sombrio da vulnerabilidade dos ecossistemas marinhos e da importância da prevenção, monitoramento e resposta adequada a tais crises.
O derramamento de óleo que afetou a costa brasileira em 2019 foi devastador, não apenas para o ambiente marinho, mas também para as comunidades locais, especialmente os pescadores artesanais. O artigo discute em profundidade os impactos e consequências do derramamento.
Derramamento de petróleo e seus impactos
Em 2019, recifes de corais e manguezais foram os focos centrais dos estudos relacionados ao derramamento de óleo. Embora representem apenas 0,9% da área afetada, não está claro se foram de fato os mais prejudicados ou apenas os mais pesquisados. Estes ecossistemas são ricos em biodiversidade e altamente sensíveis a perturbações, como explica o pesquisador Soares, acrescentando que é difícil remover o óleo desses ambientes.
Nas análises, mudanças notáveis nas populações foram observadas. Nos recifes, por exemplo, o número de fêmeas do caranguejo Pachygrapsus transversus diminuiu após o vazamento, provavelmente devido ao bloqueio de suas tocas pelo óleo. Em outros recifes, houve uma redução na população de poliquetas, minhocas marinhas.
Salvador presenciou impactos negativos no desenvolvimento de larvas e ovos de peixes. Já a análise de moluscos mostrou altos níveis de contaminação em frutos do mar. Embora abaixo dos padrões estabelecidos por agências reguladoras, a longo prazo, essas contaminações podem ser prejudiciais.
Rabelo destaca que os impactos reais podem ser sentidos por décadas, já que as substâncias liberadas pelo óleo podem se dispersar e afetar a fauna marinha. Adicionalmente, Soares menciona a necessidade de estudos relacionados à saúde pública e ao consumo de frutos do mar nas regiões afetadas.
Uma lacuna nas pesquisas é a falta de dados anteriores ao derramamento. Soares enfatiza a necessidade de mais investimentos em pesquisas de longo prazo, como o Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração.
Para Maria Gasalla, do Instituto Oceanográfico da USP, as consequências do derramamento vão além dos impactos ambientais. Seus efeitos socioeconômicos nas comunidades de pescadores de Pernambuco são evidentes. O temor à contaminação reduziu a demanda por pescado, afetando significativamente os pescadores, dos quais 60% são mulheres, e toda a cadeia produtiva.
Gasalla está analisando os efeitos em um projeto apoiado pela FAPESP. O estudo, que deve ser concluído no próximo semestre, visa expandir a discussão sobre o futuro das comunidades pesqueiras.
Principais pontos destacados:
- Extensão do Derramamento: O vazamento de óleo cobriu uma extensão de 2.900 km da costa brasileira, afetando 11 estados. Estima-se que 5 a 12 milhões de litros de óleo tenham sido derramados, tornando-se o maior derramamento de óleo em águas tropicais. Um navio petroleiro grego foi identificado como o possível causador.
- Impacto na Biodiversidade: Uma variedade de flora e fauna marinha, desde corais e esponjas até peixes e aves, foi afetada. 35 espécies em perigo foram impactadas, e até março de 2020, 159 animais foram encobertos pelo óleo, 112 dos quais morreram.
- Áreas mais afetadas: Quatro estados (Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe) receberam cerca de 98% do petróleo derramado, principalmente devido às correntes oceânicas, direção do vento e movimentação das marés. Estes estados também concentraram 88% dos estudos feitos sobre o derramamento.
- Ecossistemas Impactados: Embora o óleo tenha atingido muitos ecossistemas, os impactos foram estudados em apenas metade deles. Recifes de coral e manguezais foram os mais estudados, em parte devido à sua rica biodiversidade e à dificuldade de remover o óleo destes ambientes.
- Alterações Populacionais: Foram observadas mudanças comportamentais nos animais, além de alterações nas populações, incluindo mudanças na proporção de machos e fêmeas em algumas espécies de crustáceos.
- Contaminação: Moluscos e frutos do mar mostraram contaminação por hidrocarbonetos. Mesmo que estas concentrações estejam abaixo dos limites estabelecidos por órgãos reguladores, a longo prazo, os efeitos destes compostos podem ser prejudiciais.
- Impacto Socioeconômico: Além dos impactos ambientais, a derramada teve graves consequências socioeconômicas, especialmente para pescadores artesanais. O medo da contaminação reduziu a demanda por pescado, afetando diretamente a subsistência destas comunidades.
A complexidade e a gravidade deste derramamento de óleo exigem monitoramento contínuo e esforços concertados para recuperação. É essencial levar em consideração tanto os impactos ecológicos quanto os socioeconômicos ao desenvolver estratégias de remediação e prevenção para o futuro.
Em 2019, ao perceber o surgimento de manchas de petróleo na costa brasileira, Marcelo Soares fundou o grupo “O mistério do óleo” no WhatsApp, reunindo seus colegas da UFC, Rivelino Cavalcante, Carlos Teixeira e Luis Bezerra. Continuamente, o grupo compartilha insights e análises para decifrar a origem do petróleo. Embora a Polícia Federal tenha apontado um navio grego como responsável, Soares e sua equipe têm dúvidas. A Polícia Federal, sem divulgar informações atualizadas sobre o caso, estimou custos de limpeza em R$ 188 milhões.
Soares destaca que, até o presente momento, não houve comparação entre o petróleo de embarcações suspeitas e o encontrado no litoral. Para elucidar a questão, junto a pesquisadores da UFC e de instituições dos EUA, ele coautorou um artigo na revista “Energy & Fuels” em 2022. A pesquisa envolveu a análise de 12 amostras do Ceará, usando cromatografia. Os achados indicam que todas as amostras provêm da mesma fonte e se assemelham ao óleo combustível marítimo refinado, descartando a teoria de que se tratava de óleo cru.
A investigação ainda sugere a possibilidade de o óleo ter origem em um naufrágio da Segunda Guerra Mundial, já que mais de 500 naufrágios foram registrados no Atlântico Sul. Os números apontam para um derramamento entre 5 e 12,5 milhões de litros de petróleo ao longo de 3 mil km da costa brasileira. Soares acredita que talvez nunca descubramos a real origem, devido à ausência de coletas das autoridades em navios suspeitos ou naufrágios.
*Texto com informações da Revista FAPESP
Artigos científicos
SOARES, M. O. e RABELO, E. F. Severe ecological impacts caused by one of the worst orphan oil spills worldwide. Marine Environmental Research. v. 187, 105936. mai. 2023.
REDDY, M. C. et al. Synergy of analytical approaches enables a robust assessment of the Brazil mystery oil spill. Energy & Fuels Energy Fuels. v. 36, n. 22. jul. 2022.
ZACHARIAS, D. C. et. al. Mysterious oil spill on Brazilian coast: Analysis and estimates. Marine Pollution Bulletin. v. 165, 112125. abr. 2021.
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