Áudios de WhatsApp mostram que grupos da “Máfia da Tora“, ligados ao desmatamento ilegal planejam ataques contra agentes federais em operação de retomada da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, onde o MPF move ações milionárias contra pecuaristas por danos ambientais.
Gravações adquiridas pela Repórter Brasil e ligadas a um grupo de WhatsApp conhecido como “Máfia da Tora” trouxeram à tona uma conversa entre dois indivíduos discutindo sobre a aquisição de armamentos destinados a serem utilizados em ações hostis contra membros da Força Nacional e de outros órgãos atuantes na remoção de ocupantes não autorizados da Terra Indígena Apyterewa, situada na região Sul do Pará.
A partir do dia 2 de outubro, iniciou-se uma vasta operação, sancionada pelo poder judiciário e ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de reaver a área pertencente ao povo Parakanã, localizada no município de São Félix do Xingu. A área, que foi invadida por madeireiros e criadores de gado, detém o registro de ser o território indígena que mais sofreu desmatamento no Brasil durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A remoção dos invasores e de aproximadamente 60 mil bovinos tem provocado manifestações contrárias por parte de figuras políticas e empresariais da localidade.
Planejamento de ataques e discussões no WhatsApp
Dentro de um grupo no WhatsApp, que reúne 225 membros ativos no ramo madeireiro oriundos de diferentes estados do Norte do país, dois participantes discutiram sobre a aquisição de armas para serem utilizadas contra os agentes. Um deles expressa seu desejo violento: “A vontade que dá é estar bem localizado com uma [arma] 357, entendeu, catar um por um e dar na cabeça, um satanás desse aí”. O diálogo prossegue com outro mencionando o desprezo que sentem pelas autoridades e como a morte de alguns poderia servir de lição para o respeito aos demais.
Um segundo interlocutor, mencionando estar nos Estados Unidos, introduz um rifle apelidado de “Predator 308” na conversa, alegando que este seria eficaz na “resolução do problema”. Ele se compromete a enviar um vídeo ilustrativo do poder da arma, exibindo um caçador atirando e atingindo a cabeça de um veado.
A troca de mensagens segue com uma comparação de custos entre adquirir a arma nos Estados Unidos e no Brasil, ressaltando a discrepância de preços. Em sequência, há um pedido para que um dos rifles seja enviado ao Brasil escondido, com o primeiro homem sugerindo um método de disfarce usando uma caixa de guitarra, similar a um esquema anteriormente bem-sucedido, e enfatizando a importância de manter a arma não registrada para esquivar-se de inspeções.
Em continuação ao diálogo preocupante, um terceiro membro do grupo de WhatsApp entrou na conversa, indicando que o Paraguai poderia ser uma rota alternativa para a obtenção das armas. Essa pessoa também detalhou um método de como criar um artefato explosivo improvisado, usando materiais como explosivos e um tubo de PVC, com a intenção de utilizá-lo contra o efetivo policial.
Reação das autoridades à ameaça
A equipe da Repórter Brasil entrou em contato com o comando da missão de desintrusão da Terra Indígena Apyterewa para obter um pronunciamento acerca das ameaças registradas. Não houve retorno até o momento da conclusão desta reportagem, mas o artigo será atualizado com qualquer nova informação ou declaração oficial que venha a ser fornecida.
Confronto e morte na operação
No terreno, as forças policiais estabeleceram-se em duas bases da Funai dentro da Terra Indígena Apyterewa. A comunidade Vila Renascer, composta por 210 famílias, é o ponto mais crítico de tensão na área.
Duas semanas atrás, ocorreu um trágico incidente: a Força Nacional admitiu ter sido responsável pela morte de Oseias dos Santos Ribeiro, que foi atingido por um disparo de fuzil. De acordo com os líderes da operação, a vítima estava tentando desarmar um dos policiais. Este evento elevou drasticamente a tensão na região e resultou em um aumento das atividades de lobby político, pressionando pela interrupção da operação de retomada do território dos Parakanã.
Contrariando as tentativas de interrupção pelos políticos locais, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou o afastamento do prefeito de São Félix do Xingu, João Cléber (MDB). O MPF o acusa de propagar fake news a respeito da operação e de não cumprir as ordens judiciais referentes à desintrusão.
O Ministério Público Federal intensificou suas medidas legais, propondo um total de 31 ações penais e 17 ações civis públicas contra os pecuaristas que ocupam a Terra Indígena Apyterewa. Estas ações visam a reparação financeira no valor de R$ 76,7 milhões, correspondente aos lucros ilícitos auferidos com a comercialização do gado ilegal e por danos morais coletivos causados.
No último dia 31 de outubro, esgotou-se o prazo legal para que os pecuaristas removessem suas reses do território destinado aos Parakanã. Antecedendo a operação, estima-se que cerca de 60 mil cabeças de gado estavam irregularmente em pastagem na região delimitada.
Cadeia de suprimento de gado ilegal
Investigações jornalísticas realizadas pela Repórter Brasil em 2020 identificaram que fazendas situadas dentro dos limites da Apyterewa forneciam gado a frigoríficos de renome, como Marfrig, e a abatedouros regionais como Frigol e Mercúrio, apesar da ilegalidade da prática. Uma pesquisa subsequente em 2022 descobriu que a JBS também recebia, indiretamente, gado oriundo das invasões na terra indígena.
A equipe da Repórter Brasil esteve presente nos dias iniciais da operação, documentando os momentos de alta tensão e o processo de retirada do gado. Apenas na segunda-feira anterior à conclusão do prazo, 14 caminhões carregados com bovinos deixaram a área indígena, conforme informações do comunicado operacional.
Impacto ambiental na Terra Indígena Apyterewa
A Terra Indígena Apyterewa, situada na região sudoeste do Pará, tem sido explorada por madeireiros, posseiros, pecuaristas e mineradores ilegais, levando à perda de 106.000 hectares de vegetação desde sua demarcação em 2007, baseando-se em dados do Inpe.
Do total de 773 mil hectares da reserva, aproximadamente 14% sofreram desmatamento. Mais da metade dessa devastação ocorreu nos últimos quatro anos, sob a administração do ex-presidente Jair Bolsonaro. De acordo com uma análise feita pelo MapBiomas a pedido da Repórter Brasil, quase 98% da área desflorestada foi convertida em pasto.
Forças envolvidas na operação de desintrusão
A missão de desintrusão da Terra Indígena Apyterewa conta com a presença não apenas da Força Nacional, mas também de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Polícia Federal, todos colaborando na complexa operação.
Com informações da Repórter Brasil
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