E ai aparecem as medidas do afogadilho, que planeja o policiamento dentro das escolas. Um guarda em cada sala de aula, com viaturas na porta dos colégios e com fiscalização e revista de todos os alunos como se todos fossem, até prova em contrário, um arauto da chacina que espalha a desesperança fatal. O que fizemos no lugar onde deveria brotar a utopia da comunhão social?
Por Belmiro Vianez Filho
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Desde a Antiga Grécia, a escola é o lugar consagrado à educação, uma palavra que significa fazer crescer, florescer, dar frutos num conceito de transformação do tecido social. É onde são adubados valores e conhecimentos vitais para a construção e evolução da vida social, ou seja, da civilização, o exercício imperativo da cidadania.
O Brasil e o mundo estão estarrecidos com a transformação da escola em alvo preferencial de assassinato de professores e crianças, sinal da patologia social que, para muitos, foi exacerbada pela tecnologia e pela sociedade do consumo. Mazelas agravadas pela perversa exclusão social, associada à violência em processo de espiral, segundo as estatísticas oficiais.
Nestas horas, em todo canto pipocam especialistas em sentenciar a origem desta tragédia, e apontar essa ou aquela instituição pública ou privada como os responsáveis pelo problema. É provável, por outro lado, que todos estejamos doentes. Estamos olhando uma tragédia em torno de nós e não estamos enxergando o que cada um de nós tem a ver com ela. E a tragédia se chama banalização da violência, disseminação do ódio, eliminação do outro, por razões difusas, que incluem ideias e interesses diferentes. Esse conflito, na ótica de alguns políticos, virou ferramenta eficaz na disputa pelo poder. Ou ainda, um artifício para explicar a omissão dos gestores mediante as prioridades nacionais.
“ O inferno são os outros”. Ou seja, todos aqueles que não comungam com as verdades que tomei são emissários do mal. Como alguém pode condenar atitudes que banalizam o ódio, quando profissionais da religião usam as Sagradas Escrituras para justificar o armamento da população? Ou quando os intérpretes da Lei usam pesos e medidas distintas em diferentes circunstâncias? Parece que à luz de determinados interesses vale tudo ou nada vale, dependendo da valsa e de seus bailarinos. As pessoas estão perdendo seus referenciais.
E por que a onda da violência se direcionou para as escolas? País, professores, gestores públicos, instituições em geral estão impactadas intimidação e medo e sua ebulição no ambiente escolar. Pensando mais objetivamente, essa má notícia não deveria espantar ninguém. Ela é apenas mais uma manifestação da patologia social, construída à nossa frente desde antigamente. Ironicamente, essa avalanche da criminalidade e da irracionalidade atinge um dos únicos lugares em que poderíamos promover a transformação. O mal estar da violência contra as crianças, adolescentes e seus educadores foi-se avolumando porque nós nos limitamos a falar por toda a vida sobre educação e nada fizemos de prático e decisivo para conjugação social e compartilhada do verbo Educar.
Nessa correria frenética pela sobrevivência, transferimos para as professoras, pedagogas, ou servidores quaisquer do ambiente escolar, as rotinas diárias da educação como primeira atribuição familiar. Educação não é mera imposição de informações. Isso mais parece adestramento. Educar é um verbo vital que deve ser conjugado primeiramente no seio familiar. Nossos filhos e netos precisam assistir, observar, conferir e confirmar as boas práticas que escolhemos como padrões de conduta. Palavras e atitudes não podem ser conflitantes e educação não pode ser relegada a uma categoria estigmatizada pelo descaso transformada em naturalidade administrativa de seguidos governos, com raras exceções.
Antes de querer saber quem são os responsáveis pelas barbaridades crescentes devemos nos perguntar: o que nossos filhos estão vendo em nós, como referência fundamental? E por que não nos envolvemos com as outras agências ou instituições de formação de valores, direitos e deveres, para construir em conjunto paradigmas sociais de conduta? O que nossos filhos e netos estão lendo, ou consumindo, nesse bombardeio incessante de informação, sedução ou manipulação de suas consciências, emoções e inquietações?
Vale indagar qual é a prioridade de nossas horas de folga? Que grupos frequentamos, ou de que nos alimentamos para inibir padrões vazios e inconsequentes em lugar de consumir aquilo que me faz uma pessoa melhor, mais atenta, comprometida e efetivamente responsável por cuidar de si e das pessoas de seu cotidiano? Além de minha família, o que faço para estender a mão para os esquecidos pelo banquete social?
É apenas este glamour das luzes ofuscantes que tanto nos fascina? Além disso, é preciso saber o que está acontecendo, para além ou simultaneamente à desinformação. O episódio de Santa Catarina, do assassinato de quatro crianças e ataques violentos a outras tantas, chamou a atenção, também, pela avalanche de boatos disseminados para repercutir a violência sob a liberação deste ou daquele grupo social. O pânico virou fermento do pânico e da desinformação que fabrica mais pânico de acordo com o plano perverso da disseminação do caos.
E ai aparecem as medidas do afogadilho, que planeja o policiamento dentro das escolas. Um guarda em cada sala de aula, com viaturas na porta dos colégios e com fiscalização e revista de todos os alunos como se todos fossem, até prova em contrário, um arauto da chacina que espalha a desesperança fatal. O que fizemos no lugar onde deveria brotar a utopia da comunhão social? Neste domingo, no programa de variedades fantásticas que antecedem o início da semana, aparecem escolas de tiro para crianças e adolescentes. Esta é a saída que conseguimos encontrar?
Já não podemos, pois, ficar de braços cruzados, pois o caos se ensaia e se instala, irremediavelmente, no tecido social. Alguns buscam simplificar a tragédia suspeitando que tudo isso é falta de Deus, ou ausência da Educação no seio da família. Há controvérsias pois em nome de Deus alguns missionários conseguem agravar o problema. Por que não experimentar a teologia da comunhão de aflições e propósitos? Neste momento, precisamos percorrer novas jornadas para achar atalhos comuns. Que tal começar pela meditação pessoal, e com a mao no peito reconhecer sua parte nesse caos.
E na sequência indagar onde foi que erramos, tanto como família como nas instituições que frequentamos? Ouvir as pessoas e acolher boas iniciativas de comunhão em torno de valores comuns nos parece algo fundamental. Todos precisamos recomeçar as trilhas da vida, identificar a diferença entre o essencial e o acessório, descartável e ilusório, e fortalecer o que nos une, começar uma nova caminhada cuja bússola conseguimos perder não sabemos bem aonde. Mas agora não importa. É hora de reconstrução da verdade e da solidariedade fraterna que parte e reparte a luz e o fio da meada.
Belmiro Vianez Filho é empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio
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