Por Heloísa Buarque – USP
Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, reaparecem novas pesquisas sobre violência contra as mulheres no País.
O lema dos coletivos feministas e de mulheres na USP neste ano é “USP sem assédio”. Trago aqui a reflexão para o problema das agressões e discriminações que estão entranhadas nos sistemas e cotidianos institucionais, que permeiam nosso ambiente de estudos e trabalho, atravessam os sistemas de saúde e justiça, e passam despercebidos aos olhos de quem não viveu na pele.
Com a crescente visibilidade da ideia de equidade, ainda se destaca o declínio na proporção de mulheres que entram na graduação, na pós-graduação e quem consegue efetivamente se tornar docente e ascender na carreira.
A dificuldade estrutural de ascensão feminina nas carreiras foi nomeada como “teto de vidro” – uma barreira difícil de ser vista de longe, mas que constrange de modo determinante em algumas áreas. Tal situação tem sido visibilizada em pesquisas sobre os níveis de bolsas de produtividade do CNPq, ou mapeamentos sobre as carreiras em algumas universidades ou áreas de pesquisa do País.
Meu ponto é pensar como se dá essa desigualdade em termos do cotidiano institucional. Quais mecanismos operam na exclusão mais ou menos sistemática de mulheres pesquisadoras de modo recorrente? Trago alguns exemplos de como acontece a desistência de mulheres na carreira.
A área ou o departamento por vezes mantêm práticas discriminatórias contra mulheres, seja nos trotes e na situação de ingresso de estudantes, seja na seleção para pós-graduação, ou no cotidiano do trabalho de pesquisa e docência, até mesmo nas avaliações entre pares. Há cursos que contam com docentes que se sentem autorizados a proferirem falas machistas em sala de aula ou nas reuniões de colegiados, constrangendo estudantes e colegas.
Mais ainda, casos falados em tom discreto revelam acusações contra docentes que se acostumaram a assediar sexualmente alunas em anos iniciais da graduação ou na pós-graduação. O problema do assédio sexual tem sido cada vez mais visível, depois de muito silenciamento.
Há também diversas formas de assédio moral sistemático entre colegas docentes, por vezes do mesmo departamento, como aquele diante da licença-maternidade. Professoras que tiveram licença relatam situações em que foram punidas posteriormente pelo suposto privilégio por tal afastamento, com avaliações do colegiado que penalizam sua menor produtividade no período, e sobrecarga de trabalho posterior como modo de compensar os colegas pelo tempo que ela se afastou.
Licença-maternidade é um direito, ou não?
Tais práticas, muitas vezes rotinizadas como simples avaliação de mérito, demonstram como a Universidade ainda não incorporou a ideia de que as mulheres devem ter os mesmos direitos.
Precisamos de políticas de enfrentamento da questão, dos assédios sexuais e morais, dos trotes e do acobertamento entre pares que reprime as denúncias destas irregularidades que se tornaram corriqueiras e naturalizadas. Decerto que este é apenas um dos motivos da desigualdade na carreira, mas ainda precisamos falar sobre assédio e sobre direitos.
Esforços na direção de maior equidade têm sido visíveis, por exemplo, quando as bolsas da Fapesp e do CNPq passam a incluir a licença-maternidade, ou quando a Universidade busca construir novas normativas sobre o tema – e tais iniciativas resultam do empenho das lutas feministas. O assédio sexual começa a ser efetivamente combatido quando aparece publicamente a punição de algum docente – e algumas demissões recentes em universidades se tornaram públicas.
Ainda assim, avaliações frias da produtividade, desqualificação sistemática das professoras e pesquisadoras, situações de assédio naturalizadas são alguns elementos a serem revisados em nossa convivência. Cabe lembrar que as mulheres negras, lésbicas e trans sofrem ainda mais agressões e discriminações.
Enquanto eu preparava este texto, recebo a campanha para o 8 de março na USP, promovida por várias entidades – Rede Não Cala, Adusp, Sintusp, DCE e APG. Não é casual que o lema dos coletivos feministas e de mulheres deste ano seja “USP sem assédio” para todas as mulheres. O oito de março precisa chegar mais plenamente na universidade.
Texto publicado em Jornal da USP
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