Enquanto o governo de Emmanuel Macron demanda do Brasil redução do desmatamento, ONGs da França e do Brasil demandam que o banco francês seja responsabilizado por investir por investimento feito no frigorífico.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Brasil, e a organização francesa Notre Affaire à Tous (NAAT) apresentaram ao Tribunal de Justiça de Paris, na última sexta-feira (24), uma ação contra o maior banco francês, o BNP Paribas, por prestar serviços financeiros a empresas envolvidas com crimes ambientais e violações aos direitos humanos, dentre elas a brasileira Marfrig. A empresa nega irregularidades. A ação veio a público nesta segunda-feira (27).
As organizações pedem que o banco francês deixe de conceder empréstimos ao frigorífico brasileiro, sob multa de 10 mil euros por dia, a menos que os serviços financeiros prestados estejam vinculados à aplicação de condicionantes rigorosas. Tais condicionantes incluem a exigência de rastreabilidade imediata e total da cadeia de fornecedores – diretos e indiretos – e a aplicação de ações de prevenção e mitigação de danos graves, de forma assegurar que a empresa não esteja envolvida com desmatamento ilegal, invasão de Territórios Indígenas e práticas análogas à escravidão.
CPT e NAAT alegam que o BNP Paribas viola a Lei Francesa do Dever de Vigilância, que exige que empresas multinacionais presentes na França estabeleçam “planos de vigilância” para identificar riscos e prevenir violações aos direitos humanos e ao meio ambiente resultantes das atividades da própria empresa e daquelas que ela controla, seja em solo francês ou no exterior.
Os peticionários argumentam que o plano de vigilância do BNP não prevê salvaguardas suficientes para impedir o desmatamento e as violações de direitos humanos.
“Apesar de seus compromissos e declarações públicas, o BNP Paribas continua a financiar o desmatamento da Amazônia. As provas coletadas relativamente ao apoio prestado pelo BNP à Marfrig revelam o quão inadequadas são as medidas implementadas pelo BNP para que seja considerado um real agente no combate ao desmatamento no Brasil e pela neutralidade de carbono”, diz Jérémie Suissa, Delegado-Geral da Notre Affaire à Tous.
“Embora esta questão diga respeito ao desmatamento em território brasileiro, trata-se, na verdade, de uma discussão global: a Amazônia tem uma importância crucial para a nossa trajetória climática coletiva e o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina”, continua o delegado-geral da organização francesa.
Em nota enviada a ((o))eco, o banco BNP Paribas afirmou que suas políticas setoriais de combate à violação dos direitos humanos e ao meio ambiente estão entre as mais rigorosas do setor.
“Como o principal banco europeu, estamos significativamente expostos a possíveis ações judiciais de ONGs, embora, paradoxalmente, nossas políticas setoriais estejam entre as mais rigorosas e a transição de nossas carteiras de crédito estejam entre as mais avançadas em comparação com o restante do setor”.
A instituição financeira afirmou também que exige que seus clientes tenham uma estratégia de “desmatamento zero” em suas cadeias de produção e fornecimento até 2025, e que garantam a rastreabilidade total de suas cadeias de fornecimento, diretas e indiretas, na Amazônia e Cerrado brasileiro.
“O Grupo deixará de fornecer produtos ou serviços financeiros a empresas que não estejam alinhadas com esta política”, diz o banco (Leia a nota do BNP Paribas completa abaixo).
Frigorífico brasileiro
Para embasar a ação, os peticionários se valeram de uma análise realizada pela organização Center for Climate Crime Analysis (CCCA), de 2021, que revelava a ligação entre fornecedores da Marfrig e o desmatamento de mais de 120 mil hectares na Amazônia e Cerrado, entre 2009 e 2020.
A ação também menciona a compra, pela Marfrig, de gado criado de forma ilegal em terras indígenas. O documento cita, entre outras, fazendas localizadas nos territórios indígenas Apyterewa, no Pará, e Manoki, no Mato Grosso. A Apyterewa é um dos territórios mais afetados pelo desmatamento nos últimos anos. Por lei, estas áreas deveriam estar protegidas.
A abertura do processo judicial é um desdobramento da queixa pública e da notificação enviadas ao banco francês pelas organizações peticionárias em outubro de 2022.
Segundo Frei Xavier Passat, da Comissão Pastoral da Terra, apesar das várias denúncias feitas nos últimos anos, a Marfrig tem negado repetidamente o acesso a informações sobre suas cadeias de abastecimento e se recusado a monitorar seus fornecedores indiretos implicados em violações.
“É por isso que estamos recorrendo aos tribunais franceses, para garantir que a força da lei possa impedir que estas grandes empresas consigam, por mero greenwashing, se livrar de tão graves acusações”, disse ele.
A ((o))eco, a Marfrig negou qualquer irregularidade em suas compras. Segundo a empresa, um levantamento interno mostrou que os casos citados pelas organizações estavam em conformidade com os compromissos socioambientais da empresa.
“A Marfrig nega as afirmações da ONG Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da associação francesa Notre Affaire à Tous. Os levantamentos (documental e geoespacial) feitos pela companhia na época das compras de gado relativas aos casos citados pelas organizações mostram a total conformidade desses fornecedores diretos com relação aos compromissos socioambientais exigidos pela Marfrig. A companhia é reconhecida, por diversas organizações independentes internacionais, pela transparência com que reporta seus dados ambientais. Desde 2010, divulga o resultado de auditorias de terceira parte e está aberta – como sempre esteve – a prestar quaisquer esclarecimentos que ainda se façam necessários”, disse.
Para ter acesso ao levantamento completo citado pela empresa, clique aqui.
Resposta do BNP Paribas em relação à ação da CPT e NAAT
Como o principal banco europeu, estamos significativamente expostos a possíveis ações judiciais de ONGs, embora, paradoxalmente, nossas políticas setoriais estejam entre as mais rigorosas e a transição de nossas carteiras de crédito estejam entre as mais avançadas em comparação com o restante do setor. Sobre biodiversidade, especificamente, o BNP Paribas já demonstrou sua consciência sobre essa questão perante todo o setor e suas ações nesse tema já são muito significativas.
- Após a adoção em 2010 de políticas setoriais rigorosas de financiamento e investimento em setores que colocam as florestas em risco (por exemplo, agricultura, polpa de madeira e óleo de palma), em 2021, o BNP Paribas fortaleceu seus critérios de financiamento e investimento para os setores de carne bovina e soja na Amazônia e no Cerrado brasileiro.
- O BNP Paribas exige que seus clientes tenham uma estratégia de “desmatamento zero” em suas cadeias de produção e fornecimento até 2025, bem como a rastreabilidade total das cadeias de fornecimento (diretas e indiretas) de carne bovina e soja na Amazônia e no Cerrado brasileiro. O Grupo deixará de fornecer produtos ou serviços financeiros a empresas que não estejam alinhadas com esta política.
- O BNP Paribas é o primeiro banco internacional a adotar critérios tão rigorosos e com prazo determinado para combater o desmatamento e garantir a rastreabilidade dessas atividades em áreas sensíveis. No mais recente estudo, “In Debt To the Planet” (Em dívida com o planeta), publicado pela ONG britânica ShareAction em dezembro de 2022, foram analisadas as estratégias e abordagens dos 25 maiores bancos europeus para proteger a biodiversidade e combater as mudanças climáticas, dentre os quais o BNP Paribas ocupa o primeiro lugar.
- Somente o engajamento coletivo de todas as instituições financeiras envolvidas pode ser plenamente eficaz. Neste sentido, simplesmente deixar de financiar esses atores não teria impacto positivo em suas práticas, pois ainda contariam com um número grande o suficiente de credores para suas atividades.
Fonte: O Eco
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