Sugestões da sociedade brasileira para a construção das novas diretrizes da EPANB serão recebidas pelo MMA, via internet, até 20 de agosto
Se você gostaria de sugerir ao governo brasileiro prioridades para a agenda de proteção da biodiversidade, a hora é agora. O Brasil vai atualizar a sua Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB). Esse é um documento de importância fundamental para direcionar o país ao cumprimento, até 2030, das 23 metas estabelecidas no novo Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês), assinado em 2022, na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-15), evento realizado em Montreal. Para isso, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) lançou consulta pública na segunda-feira (22), Dia Mundial da Biodiversidade. As contribuições da sociedade civil serão recebidas, via internet, até 20 de agosto.
A EPANB é considerada uma ferramenta de gestão integrada das ações nacionais que permitirá ao Brasil atuar em alinhamento aos três principais objetivos da CDB: conservação e uso sustentável, além de repartição justa e equitativa dos benefícios do uso da biodiversidade, assim como às metas do GBF. Conforme destacado no contexto da chamada pública, esse também representa “um instrumento de monitoramento do progresso das ações brasileiras para o alcance das metas estabelecidas”. Essas e outras características fundamentais ao controle social sobre essa agenda foram ressaltadas na solenidade de lançamento da iniciativa, disponível em vídeo no canal do Youtube do MMA.
Para Fabio Scarano, professor de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e titular da Cátedra Unesco de Futuros do Museu do Amanhã, o momento é crucial para a participação social nessa agenda de importância fundamental para o Brasil. “Apesar de muito pouco dos compromissos recentes, internacionais e nacionais terem sido cumpridos, e do perfil do nosso Congresso Nacional que já demonstra ser avesso à causa, as pessoas não devem desanimar de participar da consulta pública para manifestar sua preocupação com o estado de franco declínio da nossa biodiversidade”, analisa.
Referência brasileira em estudos, debates e ações de engajamento envolvendo a agenda da biodiversidade, Scarano ressalta que “as projeções de pelo menos um quarto das espécies conhecidas do país se extinguirem até 2070-2080, em se mantendo os padrões globais de emissões de gases de efeito estufa e de desmatamento, são assustadoras”. Considerando a relação de interdependência dessa temática com inúmeras dimensões da vida em sociedade e o papel do Brasil como país de megadiversidade, o especialista alerta que, “mesmo quem não se preocupa com as implicações éticas de causarmos extinções, se tiver qualquer preocupação com alimentação e saúde precisa de fato opinar nesta consulta”.
Os riscos envolvendo a biodiversidade brasileira têm dados atualizados para orientar processos de tomadas de decisão de toda a sociedade e para direcionar, sobretudo, a ação governamental. Nesta quarta-feira (24), por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nova edição da pesquisa “Contas de ecossistemas: espécies ameaçadas de extinção no Brasil”, alertando que a Mata Atlântica lidera as estatísticas com 2.845 espécies em risco de extinção, mais da metade do total nessa condição no país, seguida do Cerrado, com 1.199, e dos demais biomas em situação preocupante.
A notícia veio logo em seguida à votação da comissão mista da Câmara dos Deputados à frente da análise da medida provisória (MP) da reforma administrativa que, para espanto da sociedade civil, aprovou o relatório esvaziando o MMA e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), dentre outras iniciativas de desmonte da agenda ambiental no Legislativo. As medidas colocam em risco a biodiversidade brasileira, sobretudo pela fragilização do arcabouço de proteção da Mata Atlântica, além de enfraquecer as capacidades institucionais para o cumprimento de acordos nacionais e internacionais sobre essa agenda.
Por que a participação social é fundamental
Entre o lançamento da última edição da EPANB, de 2017 (cobrindo o período 2016-2020), e a atual consulta pública para a atualização desse documento oficial nacional, o Brasil passou por um conturbado processo de desmonte de políticas públicas dirigidas à agenda da biodiversidade. Não por acaso, somente agora, a versão em português do Sexto Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica foi disponibilizada à sociedade (lançamento também ocorreu no dia 22).
Anteriormente, podia ser consultado na página da Convenção somente o texto em inglês entregue, em 2020, pelo MMA, com dados coletados até dezembro de 2018. Com isso, foi dificultado tanto o acesso à informação como a apropriação da sociedade sobre o seu conteúdo, focado nas ações realizadas e nos resultados obtidos pelo Brasil em resposta às 20 Metas de Aichi. Esses compromissos, não alcançados integralmente por nenhum país signatário (apenas seis metas foram atingidas parcialmente), se vinculavam ao Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020, substituído pelo acordo firmado em Montreal com dois anos de atraso, devido aos desdobramentos da pandemia da Covid-19.
As 23 metas acordadas em Montreal visam à ampliação e ao aprimoramento dos compromissos globais para conter a perda de biodiversidade que já envolve, pelo menos, um milhão de espécies de animais e vegetais em risco de extinção no planeta, segundo a avaliação global publicada, em 2019, pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).
Como parte das metas acordadas na COP-15, os signatários da CDB se comprometeram em ampliar e gerir de forma efetiva o sistema global de áreas protegidas em, pelo menos, 30% dos ecossistemas terrestres, costeiros e marinhos mais relevantes para a proteção da diversidade biológica e a provisão dos serviços ambientais ou ecossistêmicos (meta batizada de 30×30), reconhecendo, nesse contexto, territórios e modos de vida indígenas e de outras comunidades tradicionais. Também concordaram em reduzir pela metade o desperdício de alimentos.
Em sintonia com os objetivos da Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas (2021-2030), outra meta pactuada na COP-15 envolve ter concluído, ou estar em andamento, a restauração de, pelo menos, 30% dos ecossistemas terrestres e marinhos degradados, até 2030. Garantir recursos financeiros da ordem de US$ 200 bilhões anuais para proteger a biodiversidade global, além de reduzir em US$ 500 bilhões anuais os subsídios para atividades que ameaçam as espécies e seus habitats, são outros grandes desafios assumidos até 2030.
O Brasil como país líder mundial em biodiversidade e, ao mesmo tempo, marcado historicamente por contradições e passivos socioambientais no seu processo de desenvolvimento, não vai poder perder de vista o acompanhamento dessa agenda decisiva até o final da década. Vai precisar também criar mecanismos de diálogo, parcerias e monitoramento das ações que definir como estratégicas no horizonte de 2030.
Para Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), “é importante que as métricas a serem utilizadas para avaliar o desempenho no campo da proteção em nossos biomas estejam fundamentadas nos diferentes estágios de conservação das áreas remanescentes”. Ele também opina que “faltam ainda estratégias mais consistentes para definir ações prioritarias em conservação que sejam respeitadas caso a caso, região por região”.
Ainda segundo análise de Borges, “há uma tendência bastante intensa para priorizar ações básicas de restauração como procedimento preponderante para ações de conservação, mesmo que, ao mesmo tempo, remanescentes naturais ainda em estágio médio e avançado de conservação não apresentem políticas públicas que garantam sua proteção e venham sendo destruídos”. O especialista reitera o elerta de que “sem métricas confiáveis, podemos não conseguir direcionar e avaliar os desdobramentos da agenda de conservação no país.”
Instituto Arayara defende abordagem integrada e participativa
“Como uma organização socioambientalista, propomos uma abordagem integrada e participativa para a implementação da EPANB. Acreditamos que é fundamental envolver a sociedade de forma ampla e inclusiva nesse processo, garantindo a participação ativa de comunidades tradicionais, povos indígenas, organizações não governamentais e demais atores relevantes”, destaca Nicole Oliveira, diretora do Instituto Arayara, ao apresentar a perspectiva institucional em relação a essa agenda.
“Também é essencial que o Brasil fortaleça sua governança ambiental, garantindo a aplicação efetiva das leis e o cumprimento dos acordos internacionais. É necessário investir em pesquisa científica e monitoramento contínuo para embasar decisões e garantir a eficácia das políticas de conservação da biodiversidade”, opina.
Em relação aos desafios fundamentais ao cumprimento das metas acordadas na COP-15, a ambientalista destaca que o Instituto Arayara considera crucial fortalecer e ampliar as áreas protegidas nos biomas brasileiros, garantindo sua efetiva gestão e conservação. “Isso requer investimentos em fiscalização, monitoramento e capacitação de profissionais, além do engajamento das comunidades locais na proteção dos ecossistemas”.
Além de enfrentar com políticas públicas o desmatamento e a degradação dos ecossistemas, bem como assegurar a restauração de áreas degradadas, o Instituto defende o incentivo às práticas agrícolas sustentáveis. “Também é fundamental promover uma transição acelerada para uma matriz energética limpa, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e investindo em fontes renováveis de energia, para frear o avanço das mudanças climáticas e suas consequências para a biodiversidade”.
Ainda na visão do Instituto, “a biodiversidade é um patrimônio comum que devemos proteger, pois sua preservação não apenas contribui para a saúde dos ecossistemas, mas também para a qualidade de vida das pessoas. Além disso, desempenha um papel crucial na adaptação às mudanças climáticas, na segurança alimentar e na manutenção da estabilidade dos ecossistemas”.
Conforme antecipado pelo ((o))eco, com base em entrevista com Bráulio Dias, diretor do Departamento de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do MMA, havia uma expectativa de assinatura, também no dia 22 de maio, de um decreto com a recomposição da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) para assegurar a participação social perdida nesse colegiado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas essa previsão não se confirmou. Foram solicitadas informações sobre esse tema à assessoria de imprensa da pasta, mas até o fechamento desta edição a reportagem não recebeu esclarecimentos.
Para o processo de atualização da EPANB, Dias havia informado, na ocasião, que o MMA conta com recursos do GEF (Fundo Global para o Meio Ambiente, na sigla em inglês), além de apoio de organizações ambientalistas como a TNC Brasil, o WWF-Brasil e a Conservação Internacional (CI Brasil). A Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) também é parte desses esforços nacionais.
Segundo também informado pelo diretor, durante a entrevista mencionada, “com a ajuda desses parceiros e dos recursos disponíveis, pretendemos também fazer reuniões presenciais para refletir sobre as metas definidas na COP-15”. “Esperamos ter tudo pronto ainda este ano. Estou esperançoso. Como signatário da CDB, o Brasil tem participado ativamente de toda a história dessa Convenção e buscado promover a sua internalização”, conclui.
Originalmente publicado pelo: O ECO
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