Por Sharon Guynup – MONGABAY
- O comércio legal e ilegal de animais selvagens continua crescendo em paralelo ao aumento dos investimentos chineses na região amazônica, refletindo uma tendência similar ao tráfico chinês que devastou elefantes, rinocerontes e pangolins na África.
- Centenas de espécies da Amazônia estão sendo enviadas para a Ásia, principalmente para a China, em números insustentáveis, de onças e pássaros canoros a sapos venenosos e peixes tropicais. Os danos ao bioma amazônico podem ser profundos, dizem os pesquisadores.
- Estas espécies são procuradas como ingredientes na medicina tradicional chinesa, utilizadas na indústria da moda e vendidas como animais de estimação. O comércio online também está em expansão.
- A crescente crise está estimulando os esforços para construir uma coordenação regional, com acordos para fortalecer as leis, sua aplicação e o compartilhamento de inteligência. Os bancos e empresas de transporte se comprometeram a ajudar a prevenir o tráfico. Com uma forte intervenção agora, dizem os especialistas, ainda é cedo o suficiente para inverter os danos.
Em 2017, com relatos cada vez mais frequentes de comércio ilegal de vida selvagem saindo da Amazônia, decidi voar acompanhado de um fotógrafo e cineasta para Iquitos, no Peru, a fim de investigar a situação.
Logo nossa equipe ficou sabendo que as onças-pintadas eram uma mercadoria facilmente disponível nessa pequena cidade, um portal de floresta tropical às margens do Rio Amazonas. Os vendedores exibiam peles de onça-pintada e de jaguatirica em pelo menos uma dúzia de locais, entre eles o mercado de Belén, estandes de artesanato ao ar livre, pequenas lojas e até mesmo em atrações turísticas. Vendiam-se também abertamente cabeças de onça-pintada e joias feitas com dentes e garras, às vezes adornadas com pedras semi-preciosas.
Alguns vendedores eram um tanto escancarados em relação à sua atividade de comércio. Já outros eram mais cautelosos. As onças-pintadas são uma espécie protegida: a caça furtiva, o tráfico ou a venda de suas partes é ilegal sob a lei peruana e sob um tratado internacional. Apesar dessa proibição, as autoridades da agência ambiental da província de Loreto nos mostraram pilhas de peles de felinos confiscadas. Nos disseram que o tráfico de muitas espécies havia aumentado nos últimos anos, e as operações policiais tinham levado alguns comércios clandestinos a operarem de maneira mais discreta – mas claramente não todos.
Para saber mais sobre oferta e demanda, embarcamos em um peque tradicional (espécie de barquinho), para um curto passeio por aquela Amazônia marrom e embarrada até o Rio Momón, um pequeno afluente. Lá, conversamos com membros da comunidade Boras, um grupo indígena.
Eles viviam nas profundezas da floresta tropical, mas vinham regularmente a Iquitos para vender artesanato aos turistas e realizar danças tradicionais, vestidos com peles de felinos. Caçavam regularmente onças-pintadas. Um ancião revelou que compradores chineses vieram até eles dois anos antes, em 2015, procurando comprar dentes e peles do chamado “tigre americano”, e tinham feito encomendas regularmente desde então.
Este encontro único oferece um exemplo local de como um mercado asiático em expansão, ligado à escalada do investimento financeiro chinês, criou um incentivo econômico para os caçadores e traficantes de região, representando uma grave ameaça à vida selvagem na Bacia Amazônica. Não é uma nova tendência: um padrão semelhante desdobrou-se no início dos anos 2000, quando empresas chinesas de mineração, extração de madeira e infraestrutura se mudaram para a África, desencadeando a caça ilegal de elefantes, rinocerontes e pangolins.
Infelizmente, o tráfico na Amazônia só aumentou a partir de minha visita de 2017. Colegas que investigaram o comércio peruano no início deste ano encontraram espécies ameaçadas prontamente disponíveis para venda. Este mês, um novo relatórioda WWF e da Sociedade Zoológica de Londres fez soar um alarme urgente de biodiversidade para a região.
Foi descoberto que a América Latina e o Caribe, incluindo a Amazônia, sofreram um declínio de 94% no tamanho médio da população de vida selvagem nos últimos 48 anos – a queda mais acentuada vista em qualquer região do mundo. Embora o desmatamento seja uma das principais causas, o tráfico também contribuiu para a crise.
De onças a sapos
A China domina agora o comércio com a América do Sul: suas transações no continente ultrapassaram 450 bilhões de dólares em 2021. Esse fluxo de dinheiro, empresas e mão-de-obra chinesas catalisou a circulação de espécies de animais da Lista Vermelha da IUCN (juntamente com espécies comercializadas legalmente) ameaçadas da Amazônia para a China e o Sudeste Asiático. A demanda é ampla, incluindo desde onças-pintadas e pássaros canoros até sapos-ponta-de-flecha venenosos e peixes tropicais. Estas espécies são procuradas como ingredientes na medicina tradicional chinesa, usadas na indústria da moda e vendidas vivas como animais de estimação. O comércio online também está em expansão.
Os comerciantes se enquadram em duas categorias, diz Juliana Machado Ferreira, diretora-executiva da Freeland Brasil, uma organização sem fins lucrativos de conservação e coautora de um relatório de 2020 sobre o contrabando de animais silvestres brasileiros. “Há os trabalhadores que vêm aqui e querem levar um presente para casa”, diz ela, mas observa que os grandes comerciantes são organizações criminosas de alto nível.
Elizabeth Bennett, vice-presidente para conservação de espécies na Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS), foi uma das primeiras a soar o alarme na Conferência de Comércio de Vida Selvagem Ilegal de 2018, em Londres. A presença chinesa havia provocado o que ela caracterizou como “uma explosão do crime organizado transpacífico [na América Latina], incluindo o tráfico de pessoas, drogas e armas, bem como de vida selvagem”.
“A sombra da criminalidade é profunda aqui”, disse um oficial ambientalista de Loreto. Isso transformou grande parte da Amazônia em “uma fronteira sem lei”.
O submundo de uma indústria transnacional
A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, abrange 5,4 milhões de quilômetros quadrados, uma área com dois terços do tamanho dos Estados Unidos. Mais da metade se encontra dentro das fronteiras do Brasil; o restante se espalha pela Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
É uma das regiões mais biodiversas do planeta, lar de cerca de um quarto de todas as espécies animais e vegetais terrestres, e mais espécies de peixes do que qualquer outro sistema fluvial. Algumas existem apenas aqui. Mais de 12 mil espécies da Amazônia são protegidas por um tratado internacional, a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (Cites), que limita ou proíbe o comércio transfronteiriço comercial. Mas a Cites não parou os traficantes.
O comércio ilícito de animais selvagens é o quarto empreendimento criminoso mais lucrativo do mundo, valendo até 23 bilhões por ano, de acordo com o Programa Ambiental das Nações Unidas. Com pouca fiscalização e penalidades leves, é um negócio de baixo risco e de alto lucro. Hoje, as rotas para fora da Amazônia estão bem estabelecidas, com caminhos marcados servindo de condutores para todos os tipos de criminalidade. Oito países amazônicos são os principais comerciantes de cocaína, os mesmos que lucram ilicitamente com corte ilegal de madeira, mineração e tráfico de armas – ajudando a construir uma infraestrutura do submundo para o comércio da vida selvagem.
A exportação de animais da Bacia Amazônica não é nova. Um canal de comércio bem estabelecido enviava um número incontável de aves exóticas da Amazônia para os Estados Unidos e Europa até algumas décadas atrás, quando as leis de importação mudaram. Então, há cerca de 15 anos, veio o primeiro influxo de investimentos chineses. Mais de 140 bilhões de dólares em empréstimos de bancos estatais chineses apoiaram empresas rodoviárias e de construção, empresas de mineração e madeireiras, e seus trabalhadores se espalharam pela região amazônica. A WCS estima que o comércio de vida selvagem entre a América do Sul e a Ásia tenha dobrado ao longo da última década.
Essas atividades abriram florestas para caçadores furtivos e ecossistemas ameaçados. Um estudo de 2020 estima que um quarto desses projetos liderados pela China está devastando as áreas protegidas da Amazônia, enquanto um terço invade Terras Indígenas.
O fluxo de remessas de animais vai para países asiáticos, particularmente a China (o maior consumidor mundial de animais silvestres) e o Vietnã, diz Ferreira. Eles são vendidos vivos ou em pedaços, adquiridos como animais de estimação, usados para decorar roupas de alta moda, cobiçados por colecionadores e consumidos como supostos remédios ou ingredientes de cozinha exótica. Itens raros, de alta qualidade, são exibidos como símbolos de status.
Números de fora do Peru oferecem uma dimensão da magnitude desse empreendimento. Oficiais confiscaram 79 mil animais ameaçados entre 2000 e 2017, assim como dezenas de milhares de partes de animais. Para cada animal apreendido, cerca de dez animais foram contrabandeados, disseram especialistas na época. A pandemia da covid-19 interferiu tanto na fiscalização quanto na pesquisa, de modo que as estatísticas atuais de tráfico não estão disponíveis.
Uma ameaça em ascensão
Os primeiros relatos de tráfico com a China vieram à tona em 2003. Redes de crime organizado no Suriname estavam orquestrando a venda de dentes e garras de onça-pintada a compradores chineses. Como existem atualmente poucos tigres selvagens na Ásia, partes de onça-pintada são vendidas como substitutos do tigre na medicina chinesa, diz Dora Arévalo Valencia, da WCS, que se concentra no tráfico de animais selvagens na América do Sul. Logo, carne (uma iguaria) e pasta (produzida fervendo uma carcaça por cinco dias e depois usada como um suposto tratamento para reumatismo e retardamento do vigor sexual) também se tornaram mercadorias valiosas.
Em seguida, a caça furtiva surgiu na Bolívia. A população local, madeireiros e garimpeiros começaram a matar onças e a manter suas partes para “quando os chineses passassem”, diz Esteban Payán, um biólogo e membro do Grupo de Especialistas em Gatos da Comissão de Sobrevivência de Espécies da IUCN. Alguns compradores começaram a fazer pedidos com caçadores – uma prática que mais tarde encontramos na comunidade de Boras, no Peru.
Uma estação de rádio, a Red Patria Nueva, transmitiu um anúncio em 2017 para alguém que procurava presas de “tigre” (onça-pintada), “de preferência grandes e limpas”. As presas, garras, peles e genitais de um jaguar podem ser vendidas por até 3 mil dólares na Bolívia. São encomendas com valores muito superiores ao salário de um mês normal, e uma fração do preço praticado na Ásia.
A Bolívia já apresentou 57 casos de contrabando de onças desde 2014, com duas apreensões adicionais na China. Entretanto, as centenas de presas confiscadas nos últimos anos representam apenas uma pequena parte do comércio, e as onças-pintadas são apenas uma das muitas espécies da Amazônia visadas pelos caçadores.
Em uma apreensão em 2018, a polícia boliviana confiscou partes de cerca de 54 espécies de animais, incluindo cobras e tatus, prendendo dois cidadãos chineses e um boliviano, de acordo com um relatório da IUCN. Há cinco anos, a WCS identificou 383 espécies de animais traficados do Peru. Um estudo de 2021 focado estritamente no mercado de Belén, em Iquitos, contou 205 espécies.
Os animais são transportados de todas as maneiras possíveis e imagináveis, em condições miseráveis. Amontoados, sem comida ou água, em temperaturas extremas, mal são capazes de respirar. Os contrabandistas os enfiam dentro de cavidades de rodas, garrafas de água e sacos plásticos. Eles cobrem ovos e pequenos animais com roupas utilizando fita adesiva ou os escondem na bagagem. Os animais são transportados por motocicleta, caminhão, carro, avião, trem, contêiner de embarque, correio internacional ou via correio. Yovana Murillo, da WCS, estima que a maioria, cerca de 90%, morre durante a captura ou em trânsito.
Fauna arrancada de florestas e rios
Embora a verdadeira escala de qualquer atividade ilegal seja desconhecida, uma análise de 2017 para a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) ofereceu um panorama sobre a transformação do comércio da Amazônia. Os números apurados foram espantosos. Naquela época, 12 mil papagaios vivos de cerca de 50 espécies eram exportados a cada ano.
As araras estão em alta demanda, diz Pauline Verheij, especialista em vida selvagem e crimes florestais da organização sem fins lucrativos EcoJust. Em um caso, uma mulher chinesa foi detida em Taiwan carregando 49 ovos de arara-azul em uma bolsa aquecida, levando-os para seu tio, um traficante que contrabandeava aves do Paraguai para a China.
Verheij observa que o Suriname e a Guiana “se destacam quando se trata de exportações de aves vivas, de origem selvagem, répteis e anfíbios”. Os ursos-de-óculos, ou ursos-andinos, também estão na mira, mortos por suas vesículas biliares, que são usadas na medicina tradicional chinesa como uma suposta cura para numerosas doenças. Uma única vesícula biliar pode ser vendida por 150 dólares – cinco vezes o salário médio mensal no Equador. As patas de ursos, consideradas uma iguaria, valem 20 dólares cada.
Há também um próspero mercado asiático para peixes ornamentais, diz Ferreira, da Freeland. A partir de 2017, somente a região de Loreto, no Peru, exportou 2,7 milhões de dólares em peixes, principalmente para a China (especialmente através de Hong Kong) e para o Japão. A nebulosa área de fronteira tríplice Colômbia-Peru-Brasil é um hotspot de tráfico. Ali, os pescadores e os intermediários da rede aquícola falsificam a papelada, designando-os como espécimes criados em cativeiro. Alguns levam espécies protegidas para o Peru, onde as restrições são mais brandas.
Ano passado, na operação Horus de fiscalização do tráfico, as autoridades brasileiras apreenderam 7.300 peixes ornamentais de água doce encontrados a bordo de um barco em Manaus, no coração da Amazônia. Cerca de 50 banheiras de plástico continham tetras-cardeais vermelhos e azuis, ituís-cavalo e peixes-lápis iridescentes, entre outros. O transporte foi avaliado em 36 mil dólares. Em 2019, como parte da Operação Killifish, a polícia federal brasileira interceptou 32 pacotes de ovos de killifish, incluindo variedades ameaçadas, com destino à Ásia, Europa e Estados Unidos.
O relatório da Convenção sobre a Diversidade Biológica apontava até 30 mil pirarucus traficados para Hong Kong a cada ano. Eles estão entre os maiores peixes de água doce do mundo, expostos em tanques e lagoas. Outro favorito entre os colecionadores é o enorme e reluzente aruanã-prateado, que evoca os dragões retratados no folclore asiático na maneira como ondula na água. Acredita-se que tem poderes mágicos por manter os maus espíritos afastados e atrair boa sorte, felicidade e riqueza. É quase impossível medir o quanto os números diminuíram, ou o atual estado de conservação destes e de outros peixes que vivem em rios amazônicos.
A América Latina também se tornou o mais recente fornecedor de tartarugas, cágados e jabutis para a China. Antes consumidas apenas em raros banquetes de festividades, elas se tornaram uma refeição acessível e casual. Estes répteis são também um ingrediente da medicina tradicional e animais de estimação populares. “As tartarugas, cágados e jabutis são atualmente capturadas ilegalmente às centenas e contrabandeadas através do Rio Amazonas via Peru e outros países”, diz Payán.
Em uma apreensão de 2019, a polícia ambiental boliviana recebeu uma informação de uma empresa de encomendas sobre três embalagens suspeitas. Dentro, eles encontraram sacos plásticos cheios com 1.359 tartarugas matamatá, criaturas de aparência estranha que se assemelham a uma pilha de detritos e vendidas como animais de estimação por grandes quantias.
No Peru, um projeto de conservação permite que as comunidades locais vendam uma porcentagem de tracajás, tartarugas de água doce nascidas em cativeiros, e liberem o resto. Contudo, um número maior do que as incubadoras são capazes de produzir está sendo vendido. De 2010 a 2018, Hong Kong importou 1.802.369 tracajás, diz Valencia, da WCS. Isso desencadeou investigações sobre o tráfico e a lavagem de dinheiro. A conta de um exportador latino-americano tinha uma soma inexplicável de 6 milhões de dólares provenientes da China.
Muitas outras espécies da Amazônia são contrabandeadas para a Ásia: rãs, lagartos, jacarés, macacos, iguanas, pássaros canoros e muito mais. Os chineses também estão promovedo a caça em larga escala em busca de carne de animais selvagens. Um exemplo, revelado em posts no Facebook, expôs crocodilos sendo mortos “pelas mãos da China Railway Construction Corporation“.
A empresa está construindo na Bolívia a rodovia Rurrenabaque, de 595 km de extensão. Em um relatório da IUCN de 2019, o biólogo boliviano Nuno Soares divulgou que os trabalhadores chineses contrataram pessoas locais para caçar de tudo tudo, desde veados, queixadas, tatus, antas e macacos até tartarugas e cobras.
Comércio lucrativo alimentado pela corrupção
Terrenos difíceis e fronteiras porosas facilitam os embarques ilegais para a China. “Tudo na floresta – seu tamanho, como é difícil atravessar, como é quente e úmido – torna a aplicação da lei muito mais difícil”, diz Ferreira.
É um problema que vem atormentando o cumprimento da lei há décadas. Um oficial da Polícia Florestal boliviana descreveu a dificuldade aos repórteres da BBC: “Podemos chegar a pé e [os comerciantes] irão sair em helicópteros ou aviões pequenos, ou de barco pelos rios”. “Sabemos que eles estão fazendo isso, mas o que podemos fazer para impedi-los?”
Em 2020, uma investigação publicada pela IUCN e pela Earth League International (ELI), organização de inteligência e combate ao tráfico e crimes ambientais sem fins lucrativos, informou que “criminosos operam rotas estabelecidas e às vezes subornam policiais de alto escalão”. Outras investigações encontraram corrupção em quase todos os níveis, com funcionários do governo, da fiscalização, da polícia e da alfândega e até mesmo procuradores sob investigação, de acordo com a Mongabay.
O relatório da ELI/IUCN identificou pelo menos três organizações criminosas transnacionais organizadas que operam na Bolívia, incluindo a Putian Gang, uma quadrilha sul-americana da máfia chinesa Fujian. Porém, é a Colômbia que tem as estruturas criminosas mais fortes da América do Sul, forjadas durante décadas de guerra civil.
Funciona assim: os intermediários entram em contato com os caçadores e transportadores, fazendo pedidos. Eles montam centros regionais de coleta de animais, administram subornos e movimentam suas mercadorias selvagens, vivas ou mortas, das florestas tropicais para fronteiras pouco vigiadas, e então para os aeroportos e portos marítimos.
Os exportadores praticam um amplo repertório de táticas para contrabandear as espécies proibidas, com grandes remessas que requerem organização e assistência de alto nível. Os contrabandistas misturam animais ameaçados entre aqueles que são legalmente comercializados ou criados em cativeiro.
Enviam animais através dos correios, conluiam com equipes da companhia aérea ou da companhia de navegação para trocar de caixa após a inspeção, ou escondem os animais ou suas partes em compartimentos secretos dentro de contêineres de transporte. Geralmente os traficantes usam documentos alterados ou forjados para facilitar o transporte.
Redes criminosas e empresários ilícitos muitas vezes usam empresas de fachada para enviar remessas lucrativas para o exterior. Por exemplo, uma investigação de 2021revelou que pelo menos dois dos mais de 20 exportadores licenciados de Loreto são empresas de fachada utilizadas pelos traficantes. A maioria dos outros foram presos por comércio ilegal, mas ainda permanecem em atividade.
A InSight Crime cita um ex-oficial brasileiro sobre o comércio ilegal altamente lucrativo de aquários: “Os exportadores poderiam ganhar até 10 milhões de dólares sem que nenhum dos peixes que enviam ao exterior fosse rastreado”.
Enquanto os criminosos são bem financiados, o combate não: “Muitos aeroportos não têm sequer um raio-X para monitorar a bagagem”, diz Ferreira, da Freeland. Em 2019, havia apenas 50 oficiais de fiscalização na Bolívia para proteger uma área com o dobro do tamanho da Espanha.
Reuter, da WCS, observa que poucos inspetores aduaneiros têm o treinamento extensivo ou o conhecimento necessário para reconhecer o grande número de espécies traficadas da Bacia Amazônica. Animais retirados da natureza que são abatidos, transformados em joias ou vendidos como animais muito jovens (como minúsculos filhotes de peixe translúcidos, uma fração de um centímetro de comprimento) podem ser quase impossíveis de serem identificados, exceto por especialistas.
É comum que os poucos traficantes presos levem apenas um “tapinha” – uma multa – diz Adrian Reuter, coordenador regional de tráfico de animais selvagens da América Latina para a WCS. Ele acrescenta que “mesmo que esteja na legislação, você não irá para a cadeia, poderá dar um jeitinho”.
Os reis do tráfico normalmente evitam a prisão, com “a guerra sendo travada no nível errado”, segundo a Interpol. “A perseguição incessante do ‘exército de formigas’ – os caçadores furtivos individuais, transportadores, funcionários aduaneiros corruptos – tem pouco impacto sobre o comércio global de produtos ambientais ilícitos“.
O comércio continua a crescer, diz Payán, o biólogo dos felinos.
Enfrentando a ameaça
O tráfico de animais selvagens foi elevado ao nível de uma séria questão de segurança nacional em algumas nações amazônicas, incluindo a Colômbia. Mas o progresso continua incerto, e combater o crime é perigoso para a fiscalização e para a população local. Em Iquitos, os oficiais nos disseram que eles foram cercados por vendedores hostis quando entraram nos mercados ao ar livre. O Brasil e a Colômbia foram os lugares mais letais no mundo para os defensores do meio ambiente de 2012 a 2020, com 317 e 290 assassinatos, respectivamente. Em 2021, 138 ativistas foram mortos na Colômbia.
“É muito importante que os países reconheçam que o tráfico de animais selvagens é crime organizado, para que as mesmas ferramentas possam ser usadas para combatê-lo“, diz Reuter.
Conferências regionais de alto nível deram início a este processo. Em 2019, 20 países latino-americanos assinaram a Declaração de Lima, determinando o combate ao crime contra a vida selvagem com leis mais fortes, melhor aplicação da legislação, fiscalização e inteligência compartilhada. Em uma segunda conferência, em abril de 2022, bancos e empresas de transporte assinaram compromissos para ajudar a prevenir o tráfico.
Esta cooperação internacional incipiente é crítica, diz Ferreira. “A natureza não conhece fronteiras políticas, e certamente os caçadores furtivos também não.”
Há outros esforços para construir uma coordenação regional, incluindo o Consórcio Internacional de Combate ao Crime de Vida Selvagem, formado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e o sistema de comunicação global de aplicação da lei I-24/7 da Interpol. No início deste ano, a Colômbia e o Peru concordaram em fortalecer a luta contra o crime organizado transnacional. A Coalizão para Acabar com o Tráfico de Vida Selvagem Online, um grupo de empresas e organizações de conservação, está colaborando para fechar os mercados online. Ferreira faz parte de um novo grupo especial de investigação para combater o tráfico de onças-pintadas.
Os danos potenciais ao bioma amazônico podem ser profundamente abrangentes. Ferreira chama o comércio ilegal de animais selvagens de “uma das maiores ameaças à biodiversidade”. Em seu trabalho no Brasil, ela viu em primeira mão como a “extração” da vida selvagem perturba os sistemas biológicos entrelaçados, com danos colaterais devastadores. “Pode colapsar os ecossistemas dos quais dependemos”, diz ela.
Por enquanto, ainda há esperança. Especialistas destacam que um segmento crescente da sociedade chinesa é a favor do aumento da proteção da vida selvagem. Ainda é cedo o suficiente para inverter a maré. “Não atingimos um ponto de crise semelhante ao que está ocorrendo na Ásia e na África”, diz Elizabeth Bennett na WCS, acrescentando que “podemos chegar a esse ponto, se não agirmos”.
Citações:
Maisels, F., Strindberg, S., Blake, S., Wittemyer, G., Hart, J., Williamson, E. A., … Warren, Y. (2013). Devastador declínio dos elefantes florestais na África Central. PLOS UM, 8(3), e59469. doi:10.1371/journal.pone.0059469
Cheung, H., Mazerolle, L., Possingham, H. P., & Biggs, D. (2021). A legalização chinesa do comércio doméstico de chifres de rinocerontes: perspectivas dos médicos chineses tradicionais e a probabilidade de prescrição. Frontiers in Ecology and Evolution, 9. doi:10.3389/fevo.2021.607660
D’Cruze, N., Galarza, F. E., Broche, O., El Bizri, H. R., Megson, S., Elwin, A., … Megson, D. (2021). Caracterizando o comércio no maior mercado de vida selvagem do Peru amazônico. Global Ecology and Conservation, 28, e01631. doi:10.1016/j.gecco.2021.e01631
Texto publicado originalmente em MONGABAY
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