Amazônia deixa de ter valor como objeto ou como local, pois não está nos paradigmas dos valores econômicos ou mentais de nossos interlocutores, mas em um potencial sempre colocado no futuro, nunca no presente.
Por Augusto Cesar Barreto Rocha
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Será que ainda estamos, ao menos em pequena medida, presos no tempo em que acontece a transição do Feudalismo para o Capitalismo? As rotas comerciais da Amazônia são poucas, muitas delas baseadas em um extrativismo primitivo e pré-industrial, com pequena adoção de tecnologias. O uso da energia elétrica e da internet é limitado, salvo nos grandes centros, que são como bolhas em meio a uma imensidão desabitada.
Assim, conviveria na região o feudalismo, uma espécie de capitalismo primitivo, algum capitalismo industrial e um grande potencial de modernização, com elementos isolados do contemporâneo ativo e produtivo. Ao invés de ficarmos tristes com este cenário será melhor se considerarmos a grande oportunidade de crescimento e desenvolvimento que temos, fazendo as transições históricas com celeridade e sem os erros já conhecidos. Ou será que não é o caso, já existindo muitas atividades fora da visibilidade do Estado?
Em ambas as condições, a transição social e econômica, que é possível, poderá ser realizada com muita competência, se tivermos a inteligência para isso, sabendo que seremos sabotados nesta caminhada. Teremos inimigos internos, em especial do pensamento retrógrado e resistente ao progresso. Entender e aceitar que o conhecimento tradicional possui um grande potencial para o mundo e para nós mesmos é o maior desafio, pois ainda prevalece o entendimento de que o estrangeiro é superior.
A transição segura e alavancada seria adotar as nossas competências sociais e econômicas fazendo uma caminhada histórica entre cada uma destas fases ou mesmo grandes saltos. Com a sociedade baseada na informação, reduz a cada dia o apetite por “coisas”, como na era industrial, mas aumenta o interesse por um novo contexto mais informacional, que é tudo o que ainda não temos sobre os mistérios da região.
Assim, a Amazônia deixa de ter valor como objeto ou como local, pois não está nos paradigmas dos valores econômicos ou mentais de nossos interlocutores, mas em um potencial sempre colocado no futuro, nunca no presente. Assim, somos alijados do jogo do poder sobre as “coisas” da Amazônia e a informação, que não está na nuvem, também não é valorizada, pois sequer produz objetos ou é percebida.
A desvalorização dos seres e das culturas desconhecidas é imediata, pois ela não está na nuvem, nem no Google ou no ChatGPT do Bing. A ausência de conteúdo sobre a região torna-a sem valor para uma enorme parcela do mundo contemporâneo, onde o que está fora do uso ou da nuvem de informações é inútil. O conhecimento tradicional, os povos e os potenciais de interação não são sequer considerados em si, sendo descartados antes de qualquer possibilidade.
Discutir uma Reforma Tributária com pessoas que não consideram nossa região por suas pessoas, por seus objetos ou por suas culturas será um grande desafio. A discussão sem a consideração do “outro” é tão produtiva quanto a conversa com portas. Este é o maior desafio sobre o futuro tributário da Zona Franca de Manaus e das regiões mais isoladas do país: o reconhecimento do outro – nós, outros, que não interessam pela informação ou pela existência. A superação deste desprezo será a primeira barreira nesta construção.
Augusto Cesar é professor da UFAM
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