“… cabe aqui sistematizar algumas considerações em torno da questão amazônica, o grande enigma da modernidade e, acima de tudo, a mais eficaz e oportuna resposta para as demandas nacionais de geração de emprego, produção de alimentos, matérias-primas, fontes alternativas de energia, cosméticos e fármacos para a saúde e bem-estar de toda a humanidade.”
Discurso do Senador Gilberto Mestrinho (MDB-AM) Brasília, 21.05.2003
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa vem sendo palco e agente de discussões consistentes sobre a realidade brasileira e de manifestações da maior relevância na ótica dos interesses nacionais, o que muito enriquece este Parlamento, especialmente pela presença dos novos e eminentes companheiros que constituem, hoje, a maioria do Senado.
Em todos esses pronunciamentos, salta aos olhos o assentimento geral de que o Brasil vive uma fase decisiva de sua história, em que deverá superar enormes desafios, vencer o fantasma da fome e das desigualdades sociais e regionais, reorganizar o aparelho de gestão pública e equilibrar o déficit de suas contas internas e externas, reduzindo o endividamento público, que sangra o País e trava a nossa capacidade de investimento.
Este cenário adverso e suas contradições, Sr. Presidente, torna-se inexplicável e inaceitável, mediante a constatação dos ativos de nossas riquezas naturais; da diversidade geológica de nosso subsolo, com petróleo, gás natural, ouro, ferro, bauxita; de nossas alternativas energéticas; da maior cobertura florestal do planeta, depois da Rússia, e da maior biodiversidade do mundo, sem falar nos dois quintos de água doce, o bem natural mais precioso do novo milênio, e outras prodigalidade naturais.
Nossa indústria, por sua vez, tornou-se competitiva, e nossos automóveis circulam nas estradas de países desenvolvidos. A pauta de exportações caminha a passos largos, sobretudo a da produção agrícola, e sinaliza nossa capacidade de enfrentar, com seriedade e competência, alguns desafios e ocupar espaços destacados no mercado global.
Sem ufanismo e, sobretudo, sem sucumbência aos ditames externos, podemos chegar aos patamares de bem-estar e progressão social, se soubermos mobilizar esforços e aproveitar as oportunidades do nosso acervo natural e da determinação de nossa gente, o patrimônio maior de que dispomos.
E, em se tratando de não sucumbir aos ditames externos, cabe aqui sistematizar algumas considerações em torno da questão amazônica, o grande enigma da modernidade e, acima de tudo, a mais eficaz e oportuna resposta para as demandas nacionais de geração de emprego, produção de alimentos, matérias-primas, fontes alternativas de energia, cosméticos e fármacos para a saúde e bem-estar de toda a humanidade.
Infelizmente, tratada como um problema por setores influentes e organizados de nossa sociedade, a Amazônia segue na expectativa de um olhar comprometido e determinado, que se materialize pela vontade política de sua integração ao resto do País e pelo aproveitamento definitivo de suas potencialidades em favor de nossa gente.
Inúmeras manifestações dos eminentes Senadores desta Casa têm confirmado a postura negligente e desatenta da União em relação à Amazônia, denunciando a falta de um projeto nacional capaz de promover o aproveitamento racional e sustentável de nossos recursos naturais. Como se sabe, nossa Região tem pagado um preço muito alto por hospedar a maior diversidade florestal do planeta. Em vez de significar solução, esse fato tem servido para camuflar o descaso ambiental desta civilização com as mazelas sociais decorrentes de seu modelo predatório de progresso.
Grupos ambientalistas internacionais, devidamente financiados pelas grandes corporações econômicas, encarregaram-se de impor o modelo preservacionista da intocabilidade a qualquer custo, como forma de impedir o aproveitamento racional da floresta e dos cerrados. É claro que esse aproveitamento ameaça os interesses econômicos e corporativos dessas organizações. Tais interesses são encarregados de financiar, inclusive, consultores que ocupam lugares estratégicos na vida social do País e buscam aliciar a consciência coletiva na direção de seus objetivos. São os formadores de opinião vesga e mal-intencionada, a quem aterroriza a possibilidade de o País ocupar o topo no ranking mundial da produção agrícola e florestal.
Basta fazer as contas e concluir que somente a utilização dos cerrados amazônicos, 16% de seu território, seria suficiente para triplicar a produção nacional de grãos. O que está em questão, contudo, é o imperativo do atraso ditado pelos interesses da concorrência estrangeira. Foi assim com a farsa da proibição dos transgênicos, uma urdidura bem estruturada, para manter o País na cozinha da História.
Faz lembrar a profecia de Padre Vieira, ao referir-se ao olhar estrangeiro, há quase 500 anos: “Eles não querem o nosso Bem e sim os nossos bens…”. E o que é pior: eles não querem que nos apropriemos de nossas riquezas naturais e as transformemos em prosperidade social para a nossa gente. É tão eficaz e estapafúrdia essa postura preservacionista, que o Brasil, por tratar suas árvores como os indianos tratam suas vacas, terá de importar madeira do Uruguai e da Argentina em 2004, para atender as demandas do mercado interno.
O Brasil, por incrível que pareça, hospedando 544 milhões de hectares de áreas florestais, vai importar madeira do Uruguai e da Argentina no próximo ano. Imaginem o que se passa na consciência do caboclo ribeirinho da Amazônia, ouvindo pelo rádio a insanidade dessa notícia e contemplando de sua janela a exuberância de uma floresta em que não pode tocar, sob pena de ir para a cadeia. É mais importante uma árvore em pé do que uma família alimentada.
A escandalosa importação de madeira é um subproduto de uma política florestal errada, entregue a técnicos que nada entendem de manejo, negócios, oportunidades, geração de emprego e de divisas para o equilíbrio de nossas finanças. O Programa Nacional de Florestas está alocado no quarto escalão do Ministério do Meio Ambiente. Nos países que têm o setor florestal organizado, esse programa é escalão superior e se aloca no Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento, quando não existe, como na China, o Ministério da Floresta.
Não há uma política de financiamento para o setor florestal, nem interesse pelo setor que gera dois milhões de empregos e poderia gerar dez milhões em quatro anos. Com a importação, já estamos gerando milhares de postos de trabalho, só que nos países vizinhos.
E não se trata aqui de defender a derrubada da floresta de forma indiscriminada. As ciências florestais hoje recomendam o manejo de espécies como forma de renovar e fortalecer os estoques naturais. E todos sabem que toda planta em fase de desenvolvimento absorve gás carbônico em maiores quantidades, isto é, contribui mais efetivamente para limpar a atmosfera. As plantas e os vegetais são baterias de gás carbônico, absorvem o gás carbônico para crescer e, quando chegam à idade adulta, o balanço é equilibrado, não há vantagem para ninguém. Então, é preciso fazer renovação.
O manejo, portanto, além de gerar riqueza e prosperidade social, é benéfico e necessário à saúde do Planeta. A árvore é um recurso natural renovável; o petróleo não. No entanto, aqueles que se opõem ao aproveitamento da floresta não se opõem à utilização do automóvel. Ninguém – ambientalista ou não – dispensa o automóvel, que é uma grande fonte de poluição ambiental. Esse é o atestado maior da hipocrisia ambiental das organizações que dizem estar salvando o Planeta.
O que está em jogo, porém, é uma disputa de mercado. É uma tentativa ousada de impedir que o País avance na produção agrícola e florestal. Não foi outro o motivo das pressões que levaram o Governo brasileiro a editar, sem o menor embasamento técnico e científico, a Medida Provisória nº 2166-67, de agosto de 2001, que altera o dispositivo do Código Florestal e estabelece que, nas propriedades situadas na Amazônia Legal, possam apenas ser manejados 20% da gleba, ficando 80% destinados à reserva intocável.
Imaginem que, na Amazônia Legal, 42% das terras são devolutas, da União; 22% são reservas indígenas; um pouco mais de 20% são reservas biológicas, ecológicas, ambientais, etc., e só 22% são propriedades privadas. E 20% de 22% são 4%. Então, aquela imensidão amazônica só poderia ser explorada em 4%. Isso é um crime contra o País, contra o homem da Região Amazônica, contra a economia e contra todos os princípios do bom senso.
O Sr. Alberto Silva (PMDB – PI) – V. Exª me permite um aparte?
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS – RR) – Senador Gilberto Mestrinho, V. Exª me concede um aparte?
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Concederei os apartes em seguida.
Essa medida em tudo se assemelha ao confisco da poupança, de triste memória, que foi engendrado em seus detalhes por burocratas inconseqüentes, indiferentes aos interesses da brasilidade, numa brincadeira inaceitável ocorrida nas confortáveis dependências da Academia de Tênis de Brasília. Por que 80% e não 70% ou 60%, ou qualquer outro percentual? Nenhum argumento científico foi até agora apresentado.
Concedo o aparte ao nobre Senador Alberto Silva.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. Fazendo soar a campainha.) – Nobre Senador e nobres aparteantes, a Mesa faz apenas um esclarecimento, de acordo com o que foi feito no início da sessão, tendo em vista a reclamação de vários Srs. Senadores.
Como V. Exª já caminha para os cinco minutos finais de seu pronunciamento, Senador Gilberto Mestrinho, peço a colaboração dos aparteantes – três Srs. Senadores manifestaram intenção e desejo de aparteá-lo -, para que se mantenham dentro dos dois minutos regimentais, tempo que será descontado para que V. Exª possa balizar o fim do seu pronunciamento.
Agradeço a compreensão.
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Lamento e peço a Mesa apenas o seguinte: regimentalmente, o Senador tem direito a falar pelo menos duas vezes por mês, e eu falo de dois em dois meses, quando falo.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) – Duas vezes por semana, Senador.
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Pois é. E falo de dois em dois meses, quando não de três em três. Então, eu peço a paciência da Mesa.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) – V. Exª será atendido, porque tenho certeza de que os aparteantes se manterão dentro do tempo regimental.
O Sr. Alberto Silva (PMDB – PI) – Senador Gilberto Mestrinho, não sei por onde começar a apreciar o discurso de V. Exª. Mas, seguramente, V. Exª tocou num ponto dos mais importantes a que tenho assistido neste plenário, a exploração da Amazônia. E V. Exª diz uma verdade logo de saída: que a renovação é necessária, porque toda árvore nova, para crescer, precisa tirar o gás carbônico da atmosfera.
Imagine V. Exª, que conhece a Amazônia mais do que ninguém, como grande governador que foi do Estado do Amazonas – e sou testemunha disso -,se pudéssemos renovar 40%, 20%! V. Exª diz que, com aquela malfadada medida provisória, ficamos amarrados como naquele confisco de triste memória. Todo dia, reformas são feitas aqui. Senador Geraldo Mestrinho, quero começar a assinar um documento, com todos nós, para derrubar essa medida provisória, dando à Amazônia e ao País a oportunidade de não ter de importar madeira da Argentina e do Uruguai.
Eu nem sabia que esses países tinham árvores a ponto de ceder ao Brasil essa quantidade enorme que V. Exª acaba de citar. Parabenizo V. Exª pelo assunto, pedindo que não pare aí, Senador Gilberto Mestrinho. Vamos adiante, vamos fazer com que a riqueza da Amazônia faça o futuro do Brasil e gere dez milhões de empregos, como acabou de dizer V. Exª.
O caminho é fácil: basta arrumar a Casa de tal maneira que as leis não impeçam o desenvolvimento de uma área tão promissora quanto a Amazônia. Perdoe-me por ter tirado algum tempo do seu brilhante discurso. Peço ao nosso Presidente que seja condescendente com V. Exª e não desconte esse minuto e meio que estou tomando de seu tempo. Parabéns, Senador Gilberto Mestrinho!
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Muito obrigado, Senador Alberto Silva.
Ouço o aparte do nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS – RR) – Senador Gilberto Mestrinho, todo pronunciamento de V. Exª, notadamente sobre a Amazônia, é uma verdadeira aula. V. Exª, que foi três vezes Governador do Amazonas, Deputado Federal pelo então Território Federal de Roraima e, atualmente, Senador pelo Amazonas, conhece mais do que ninguém aquela região e suas verdades. Num momento em que nacionalismo e preocupação com a soberania e com o desenvolvimento real da Amazônia são coisas escassas neste País, cumprimento V. Exª pelo pronunciamento, endossando-o plenamente, porque realmente aprendi com V. Exª essas verdades.
Lamento que o Brasil seja vítima desse verdadeiro esquema talibânico, que leva o País até a imprimir em suas cédulas apenas animais. Não temos, nas nossas cédulas de real um vulto sequer da nossa história. Muito obrigado.
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Muito obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.
Esse conceito doloso de preservação tem contribuído apenas para perpetuar a miséria e impedir que populações inteiras tenham acesso às conquistas e benefícios da humanidade. Apesar de o Brasil deter em seu território 544 milhões de hectares de florestas, nossa participação no mercado mundial de produtos florestais, em um mercado de US$450 bilhões, não passa de 2%. No Amazonas, Estado que representa 18% do território brasileiro, com 150 milhões de hectares de florestas, as exportações de produtos florestais ano passado não ultrapassaram US$20 milhões, o equivalente a 0,05% das exportações de móveis da Alemanha, que tem uma Floresta Negra que equivale a um quintal amazônico.
A Itália, que não tem florestas, exportou em 2001, somente em produtos de movelaria, US$3 bilhões. O Canadá exporta anualmente mais de US$75 bilhões de produtos florestais e seu povo, que não sofre de prejuízo ambiental, desfruta da melhor qualidade de vida do mundo. Essa é a realidade. Sem falar em outros países, como os Estados Unidos, em que só o Estado do Oregon exporta mais de US$20 bilhões. A Finlândia – país que é do tamanho de um município da Amazônia e tem a metade da sua superfície coberta por lagos, ficando congelados durante seis meses por ano – exporta 17 bilhões de produtos florestais por ano. E nós, na Amazônia, uma miséria…
No Brasil, a legislação e a polícia dispensam o mesmo tratamento ao traficante de drogas e ao caboclo que se atreve a explorar uma árvore ou a caçar um animal silvestre. Recentemente, a imprensa noticiou com destaque a apreensão de um carregamento de heroína, cocaína e alguns quilos de caça e de peixe. Os envolvidos foram presos indiscriminadamente. Dá a impressão de que algumas autoridades confundem o que no passado se chamava de drogas do sertão – e que foram responsáveis pela migração e colonização da Amazônia – com a droga da Colômbia, a materialização organizada do crime na floresta.
A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT – RO) – Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Pois não. Ouço, com prazer, o aparte de V. Exª, nobre Senadora Fátima Cleide, que também é da Região.
A Srª Fátima Cleide (PMDB – RO) – Nobre Senador Gilberto Mestrinho, tenho o maior prazer em apartear V. Exª neste momento. Tive o prazer de acompanhá-lo na viagem do Presidente Lula ao Estado do Acre e gostaria de, neste momento, registrar que tenho uma leve divergência sobre o que V. Exª coloca em relação ao modelo, à exploração e a essa dicotomia entre preservação e desenvolvimento.
Lá no Acre, por exemplo, tivemos a oportunidade de ver como se promove desenvolvimento com preservação, observamos o cuidado em preservar o nosso meio, as nossas florestas, mas, principalmente, testemunhamos a preocupação em se promover um desenvolvimento voltado para as pessoas que estão nesse meio ambiente, nesse meio físico. Tivemos a oportunidade de visitar, no município de Xapuri, o pólo madeireiro – V. Exª coloca a questão da madeira, dos países lá fora que estão tendo rendimento com móveis.
Foi uma experiência muito rica – gostaria, inclusive, que nossos pares pudessem conhecer a produção de móveis no município de Xapuri com a madeira de Xapuri. Eu, infelizmente, tenho quase que certeza que os móveis produzidos nesses países lá fora e que estão gerando renda para aquelas populações não são feitos com madeira daqueles países. Certamente, estão sendo utilizadas madeiras que são retiradas de forma ilegal da nossa Amazônia.
Só tenho a lamentar. Acho que é possível mudar essa situação, acredito nessa possibilidade, acredito no Governo Lula e na Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que tem se empenhado muitíssimo para que possamos desenvolver ações de políticas públicas para a Amazônia brasileira, para que possamos, de fato, ter desenvolvimento sustentável significando também desenvolvimento social. Faço esse registro para afastar a idéia de dicotomia, algo que acredito não existir.
Penso que é plenamente possível – e os exemplos que citei relativos ao Estado do Acre fortalecem essa posição – que tenhamos desenvolvimento com preservação ambiental. É preciso, porém, que se mude o modelo de exploração: não podemos mais deixar que as nossas florestas continuem a ser criminosamente exploradas. Essa exploração não está trazendo, de fato, renda para a nossa população. Nesse ponto concordo com V. Exª e acredito também nessa possibilidade de preservar as nossas florestas e trazer desenvolvimento para a nossa população.
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Agradeço o aparte da nobre Senadora Fátima Cleide de Rondônia.
Tenho a dizer apenas que existe uma incompreensão por força das colocações que estão fazendo. Acho que, para a Amazônia, o melhor, o mais consentâneo, seria o desenvolvimento baseado na conservação e não na preservação – preservação, no conceito ambientalista, significa intocabilidade, intocabilidade e atraso. Querer que aquilo permaneça como santuário eterno é uma burrice.
A experiência que o Acre está fazendo é de conservação. A utilização desses materiais, procurando lhes agregar valor, é altamente válida para a região.
Discordo de que essa madeira seja usada lá fora. O que existe é muita lenda sobre contrabando de madeira da Amazônia. Madeira não se contrabandeia a não ser na fronteira.
Por exemplo, o Brasil errou gravemente: o Brasil destinou oito milhões de hectares, neles incluído o Javari, a uma reserva indígena. O Javari é um rio que, de uma margem à outra, é da largura deste Senado, e o outro lado é peruano. Os peruanos instalam as usinas flutuantes do lado deles e o Brasil não pode fiscalizar a retirada de madeiras; os peruanos vão lá porque a fronteira é totalmente inabitada. Reservaram oito milhões de hectares para oitocentos índios. São essas coisas do Brasil que não aceito e critico. Falarei mais sobre esse assunto em breve.
Vamos adiante.
Não importa, para essas autoridades, que o jacaré, que consome vinte quilos de peixe por dia, alimente-se das proteínas que as famílias precisam e nem que ele ataque as crianças e adultos: a caça continua proibida e leva o caboclo à prisão. O jacaré é ovíparo, tem um poder de reprodução fantástico, e a sua caça está proibida desde 1967. Imaginem a quantidade de jacarés no Amazonas, que tem vinte e cinco mil quilômetros de rios, todos com jacarés!
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós da Amazônia não mais poderemos tolerar essas distorções e desumanidades. Temos responsabilidades e compromissos com a dignidade humana. É preciso dar um basta nesse constrangimento legal e recolocar o homem no centro das preocupações e prioridades do poder público. O homem é o ser natural mais importante que existe sobre a Terra. Não existe nada mais importante do que ele. Então, todas as políticas têm que ser voltadas para o seu bem-estar, sua valorização e realização. Ele continua a ser o ser mais nobre da hierarquia ambiental e de todo Universo.
Não podemos permitir que as organizações estrangeiras venham determinar nosso modo de tratar a floresta e dela extrair com racionalidade os benefícios de que precisamos. Assim como denunciei a ingerência dessas organizações na proibição dos produtos transgênicos, produtos geneticamente modificados, quero denunciar aqui também as pressões que tentam impedir que o Brasil utilize o potencial econômico da floresta Amazônica.
Não advogamos a ocupação desordenada do território, como ocorreu no sul do Pará em decorrência das pressões do mercado externo de carne. Houve um momento em que a Europa pensou que iria passar por uma crise no abastecimento de carne e orientou o governo brasileiro da época a incentivar a formação de grandes fazendas no sul do Pará – a Mercedes e a Volkswagen formaram fazendas. Todos tinham fazenda lá. Houve uma devastação generalizada.
Lições restaram na direção de um conhecimento maior do ecossistema amazônico e de suas vocações econômicas. E, a cada dia, a esfinge amazônica nos desafia e nos ensina. Instituições como a Embrapa já acumularam experiências e conhecimentos que autorizam formas variadas de aproveitamento de nossos recursos naturais, de forma promissora e tecnicamente embasada. A experiência do Pará ainda hoje se presta para “vender” a imagem de uma Amazônia devastada, o que não confere com a realidade da região. Ninguém divulga que Amazonas, Roraima e Amapá conservam 98% de sua cobertura vegetal original, portanto, intocada.
Ninguém diz isso. Dizem apenas que estão devastando a Amazônia, que estão contrabandeando madeira da região. Outro dia, em uma publicação, foi divulgada notícia de contrabando de madeira em tal quantidade que seriam necessários dois navios, a cada 24 horas, circulando nos rios da Amazônia para retirar todo o material.
Mesmo os ataques ambientalistas de ocasião sobre o modelo de ocupação de Rondônia não consideram que, nesse Estado progressista, que fazia parte de uma região praticamente sem futuro, foi oferecido um conjunto de oportunidades para mais de dois milhões de brasileiros, que lá encontraram oportunidade de vida e escaparam das favelas das cidades do sul.
Tive o privilégio de participar da recente Reunião dos Governadores no Acre, onde pude constatar o interesse pessoal e o compromisso político do Presidente Lula em relação aos destinos da Amazônia. Ao sugerir o bom senso, o Presidente sinalizou que chegou a hora de sair das promessas e encarar a Amazônia não mais como um problema, mas como uma solução factível à nossa disposição para gerar empregos, alimentos, fármacos, energia e um novo modo de tratar a questão ambiental. E chegou a hora sobretudo porque não aceitamos a pecha de paranóicos da internacionalização.
Recentemente, por muito menos, uma guerra foi declarada e um país perdeu suas prerrogativas de autodeterminação, a despeito das pressões contrárias da ONU e da opinião pública internacional. Nossa potencialidade de água, o banco genético da Amazônia, suas enzimas, polímeros, fungos e bactérias têm valor de mercado muito maior que as reservas de petróleo do Iraque. E as manifestações públicas dos países centrais têm sido de considerar nossa floresta como patrimônio da humanidade.
O Sr. Papaléo Paes (PMDB – AP) – V. Exª me concede um aparte?
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Em seguida, Senador.
Vários líderes nacionais declararam que a Amazônia apenas circunstancialmente é brasileira. Há uma demonstração constante de interesse internacional pela Região Amazônica.
Concedo o aparte ao Senador Papaléo Paes.
O Sr. Papaléo Paes (PMDB – AP) – Senador Gilberto Mestrinho, V. Exª tem conhecimento profundo sobre a Região Amazônica, por isso eu não poderia deixar de aparteá-lo. Quero reconhecer que 98% da floresta do meu Estado, o Amapá, são intocáveis e estão preservados. Todos sabemos que existem os discursos hipócritas sobre preservacionismo que geram votos e servem de cortejo para a comunidade internacional. V. Exª foi extremamente feliz ao falar do tema, chamando a atenção para os potenciais da Amazônia que precisam ser aproveitados.
Quero lembrar que falta, por parte do Governo Federal, uma política de aproveitamento da riqueza da Amazônia. Temos as nossas necessidades, e a Natureza colocou à nossa disposição material suficiente para o desenvolvimento responsável da região. Então, fica o meu registro de que a maioria desses discursos preservacionistas têm a intenção de gerar votos e agradar a comunidade internacional. Mas temos que cuidar da nossa riqueza, da nossa Amazônia, com a adoção de uma política de aproveitamento, que deve ser – é claro – conduzida pelo Governo Federal. Muito obrigado.
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Muito obrigado, Senador Papaléo Paes, pelo aparte. V. Exª colocou muito bem a posição dos ambientalistas que fazem discursos a serviço do interesse internacional.
Tenho pena do Senador Mão Santa, que ontem fez um brilhante discurso sobre o cerrado do Piauí, pois quando o pessoal do Corn Belt descobrir que aquele Estado começou a produzir soja em quantidade, começará a fazer pressão. Eles fazem isso em todo o País. O cerrado mato-grossense era totalmente abandonado, não oferecia perspectiva, ninguém queria saber dele. Quando se transformou num pólo de grande desenvolvimento, vieram os defensores do cerrado para impedir o crescimento da produção de soja, porque lá estão 126 milhões de hectares prontos para serem cuidados, tratados e transformados em recursos e benefícios para o homem.
Algumas medidas se impõem. Para iniciar a exploração racional da floresta, carecemos de infra-estrutura energética, de transportes, de qualificação técnica e, muito especialmente, de uma revisão do arcabouço legal que seja cuidadosa e atenta, coerente com os interesses do País e comprometida com a inclusão social do homem da Amazônia. Isso tem que ser feito sem o “espírito santo de orelha” com sotaque estrangeiro; tem que ser feito por nós. São necessárias a revisão da Medida provisória nº 2.166 e a rediscussão do Decreto nº 4.297, que foi ignorado pelo Ministério do Meio Ambiente e que contém instruções e parâmetros de ordenamento da atividade florestal da Amazônia.
Mais ainda, Sr. Presidente, é preciso que a questão florestal, assim como ocorre em todos os países, seja gerenciada pelo Ministério da Agricultura, pois, antes de ser uma questão ambiental, é uma alternativa promissora de progresso e desenvolvimento social. Mesmo porque ao Ministério do Meio Ambiente deve competir a função fiscalizadora dos recursos naturais e deixar aos órgãos afins a função de promover o desenvolvimento e a prospecção de negócios voltados aos interesses do País, especialmente para a geração de emprego, nosso grande pesadelo.
O Sr. Almeida Lima (PDT – SE) – Senador Gilberto Mestrinho, V. Exª me concede um aparte?
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Pois não, nobre Senador.
O Sr. Almeida Lima (PDT – SE) – Serei breve, Senador. Quero apenas congratular-me com V. Exª pelo seu pronunciamento lúcido, no qual não há pregação contra a ecologia, contra a natureza, mas a favor da exploração organizada e auto-sustentável dos recursos naturais que a Amazônia, que é dos brasileiros, oferece a todos nós. É evidente, Senador, que, nas condições territoriais em que nos encontramos hoje, sobretudo naquela região, num futuro próximo, haverá uma devastação grandiosa, por falta da presença do Estado no exercício do poder de polícia, na fiscalização.
Há poucos instantes, eu falava da reforma do Estado brasileiro, e nela está contemplada a possibilidade de, inclusive com a criação de uma comissão de estudos formada pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo da União, no prazo de um ano, estudar a possível nova fisionomia da divisão territorial do Brasil. O que precisamos é da possibilidade de redivisão do território brasileiro com a criação de novos Estados, para, a partir daí, pela ocupação do território brasileiro e a presença do Estado, a Amazônia Legal e outras regiões poderem ser devidamente preservadas e melhor exploradas, como é o nosso desejo.
(O Sr. Presidente Paulo Paim faz soar a campainha.)
O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Agradeço ao Senador Almeida Lima o seu aparte.
Prossigo, Sr. Presidente, já estou quase no final do discurso.
E a alternativa de geração de emprego, a partir da economia florestal, seja exploração de floresta, seja silvicultura, é aquela que exige menor custo de investimento. Com menos de R$20 mil é possível criar um posto de trabalho na exploração florestal ou na silvicultura, enquanto outros setores exigem um aporte cinco a dez vezes maior de recursos para a geração de um emprego.
Além disso, para evitar as armadilhas institucionais de alguns organismos de certificação – agora há uma indústria de certificação -, recomendamos as certificações de qualidade em detrimento das certificações de origem, pois para certificar a qualidade é preciso saber a origem, o que vai tirar o poder de algumas organizações que pressionam o trabalho de exploração florestal. Mas essa deve ser uma decisão empresarial e não uma imposição governamental.
É inadiável, também, minimizar o apoio governamental – que foi fantástico, especialmente no Governo passado — àquelas ONGs estrangeiras que funcionam como braço avançado dos interesses de nossos concorrentes internacionais. Importa ainda criar os instrumentos institucionais voltados para produção e fomento, por intermédio do Ministério da Agricultura em primeiro plano, e preservação e controle, em um segundo momento, por meio do Ministério do Meio Ambiente.
No Brasil, a coisa funciona ao contrário, o Ministério do Meio Ambiente cuida de tudo. Precisamos solidificar o setor florestal, com a adoção de políticas e programas de ação vencedores, que são praticados nos países nossos concorrentes, de modo a equilibrar o nosso poder de concorrência e otimizar as nossas vantagens comparativas materiais, que se encontram subutilizadas e adormecidas. Isso significa concentrar esforços coletivos em políticas governamentais, utilizando mecanismos de crédito, financiamentos, incentivos fiscais, ciência e tecnologia, com vista à agregação de valores na cadeia produtiva e na reposição dos estoques naturais.
Só assim poderemos concentrar esforços no sentido de adensar a produtividade para o segmento florestal com vista ao desenvolvimento sustentado e a um novo patamar de progresso nacional e prosperidade social a partir da Amazônia.
Façamos isso para que a Amazônia continue brasileira!
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Fonte: Senado
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