Movimento indígena denuncia vulnerabilidade de defensores do território e responsabiliza Bolsonaro e gestão da Funai
Um mês após a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, o Vale do Javari segue sem reforço na segurança dos indígenas e servidores da Funai, em uma região de tríplice fronteira marcada pela associação do crime ambiental com o tráfico de drogas.
A afirmação é da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), organização que monitorava o território com ajuda de Pereira e atuou decisivamente nas buscas pelos corpos. A associação responsabiliza as gestões da Funai e o presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo abandono.
“Preocupa-nos sobremaneira a vulnerabilidade dos indígenas e servidores da Funai, que dedicam seus serviços de proteção e vigilância territorial e estão jurados de morte”, escreveu a entidade em nota divulgada ontem (4).
“Nenhuma ação efetiva”
A Univaja denuncia que, mesmo com a comoção mundial provocada pelo caso, o governo “não tomou nenhuma ação efetiva” para a proteção dos defensores dos direitos dos indígenas na região.
“Indígenas e servidores continuam sem segurança e as bases de proteção etnoambiental da Funai continuam sem reforço, atuando de forma precária e limitada. Nenhum plano de ação de caráter emergencial com atuação articulada entre os órgãos de segurança que atuam na região foi sequer elaborado”, continua a organização no comunicado.
A negligência contraria decisões da Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF) e motivou um pedido da Defensoria Pública da União (DPU) de aplicação de multa contra o presidente da Funai, Marcelo Xavier, caso o órgão indigenista não tome medidas imediatas de segurança.
A Univaja lembra que, enquanto seus integrantes ainda faziam buscas por Bruno e Dom, o reforço na segurança foi determinado pelo ministro Luis Roberto Barroso, do STF. Depois, em 14 de junho, a 1° Vara da Justiça Federal determinou o “envio imediato de forças de segurança” em três bases da Funai no Vale do Javari.
Ainda assim, “nenhuma ação neste sentido foi feita, evidenciando mais um descumprimento judicial pelo governo”, aponta a organização indígena. Com estrutura precária e sem condições de auxiliar na segurança, servidores da Funai seguem vulneráveis a criminosos ambientais.
A DPU aponta “omissão estrutural” no Vale do Javari. “Mesmo após uma decisão judicial determinando que a Funai tomasse medidas para garantir a integridade física dos seus servidores e dos povos indígenas do Vale do Javari, ao que parece, não houve qualquer medida nesse sentido”, afirmou o órgão em pedido de mais segurança na região.
A caça e pesca ilegais, que se intensificaram na região a partir dos anos 2000, são impulsionadas pela presença de narcotraficantes. Segundo a Polícia Federal (PF), há indícios de que, sem fiscalização, os crimes ambientais se tornaram um método de lavagem de dinheiro para o tráfico.
O Brasil de Fato perguntou à presidência da República e à Funai por que o efetivo não foi enviado, mas não obteve resposta até a publicação.
Suspeitos identificados
Até agora a Força Tarefa que investiga o caso, chefiada pela Polícia Federal (PF), identificou oito suspeitos de participação nas mortes. Três deles estão presos: Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, Oseney da Costa Oliveira, o Dos Santos, e Jeferson da Silva Lima, o Peladinho.
Na reconstituição do crime, o pescador Pelado disse que Jeferson foi o autor dos disparos. O relato de Pelado contradiz seu primeiro depoimento à PF, quando admitiu ter atirado. Evidências e relatos de indígenas ouvidos pelo Brasil de Fato indicam que Pelado já havia ameaçado Dom e Bruno um dia antes dos desaparecimentos.
O motivo das ameaças seria a atuação do indigenista junto à Univaja, que ameaça o esquema de extração ilegal de recursos naturais da TI Vale do Javari, a segunda maior do Brasil e lar da maior concentração de povos isolados e de recente contato do planeta.
Clima de medo persiste em Atalaia do Norte
Em Atalaia do Norte (AM), servidores da Funai foram surpreendidos, na última sexta-feira (1), com a visita de dois colombianos. Eles não se identificaram e questionaram os funcionários sobre a “morte do jornalista inglês” após entrarem na sede do órgão indigenista sem autorização.
Um Boletim de Ocorrência (BO) denunciando a invasão foi registrado. Uma testemunha afirmou que os homens se identificaram como professores da Colômbia e um deles estava com cheiro de álcool no hálito.
Indígenas propõem medidas de segurança
A Univaja divulgou uma lista com medidas de segurança consideradas urgentes para diminuir o risco à vida dos defensores do território. Entre elas, a presença contínua do Ibama, PF, Força Nacional, Exército e Ministério Público.
As reivindicações foram feitas a parlamentares das comissões da Câmara e do Senado que acompanham desdobramentos dos assassinatos de Dom e Bruno no Vale do Javari. As medidas propostas são:
– Presença ostensiva e permanente da Polícia Militar Ambiental nas 4 Bases de Proteção Etnoambiental da TI Vale do Javari, para atuar junto a Univaja (EVU) e a Funai;
– Criação de Base de Proteção Etnoambiental da Funai no Rio Jutaí, de forma a impedir a entrada de balsas de garimpo e outros invasores;
– Fortalecimento das instituições federais e criação de Posto Avançada de Segurança no município de Atalaia do Norte (envolvendo PF, Força Nacional, Exército e Ministério Público e reabertura de escritório o Ibama), e início imediato de rondas ostensivas nos rios Itacoaí, Javari e Curuçá;
– Atuação e Operação conjunta entre Forças de Segurança do Brasil, Peru e Colômbia na região do rio Javari, visando erradicar o narcotráfico e o contrabando;
– Regulamentação do poder de polícia administrativo da Funai , direito ao porte de arma funcional e inserção no Sistema Nacional do Meio Ambiente;
– Garantia de recursos humanos, investimento em insumos necessários para o pleno desempenho das ações da Funai e orientação clara e contundente do presidente da Funai para que seja realizada a proteção efetiva da Terra Indígena do Vale do Javari e seus povos;
– Garantia de segurança e proteção para servidores da Funai e indígenas ameaçados.
Edição: Thalita Pires via Brasil de Fato
Comentários