A Câmara e o Senado aceleram a tramitação de propostas de interesse do agronegócio e contra a sociedade. Entre elas, projeto de lei que pode extinguir unidades de conservação por todo país
Imagine se todas as unidades de conservação que tiverem pendências na desapropriação de propriedades privadas há mais de cinco anos simplesmente deixem de existir. É exatamente o que propõe o Projeto de Lei nº 2001/2019, de autoria do Deputado Federal Pinheirinho (PP/MG), e que está para ser votado na Câmara dos Deputados:
“O PL estabelece que deve haver dotação orçamentária necessária e completa que garanta a indenização de áreas privadas afetadas. Além disso, prevê que o processo de indenização seja concluído em um prazo de cinco anos e em caso de não cumprimento do prazo, o ato de criação da unidade caducará”. (trecho PL 2001/2019 que propõe mudar a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC).
Praticamente todas as unidades de conservação de proteção integral do país têm alguma pendência com desapropriação de imóveis rurais particulares. Não apenas por falta de orçamento público. Isso ocorre pelo trâmite do processo legal, por ações que estão em curso na justiça e muitas vezes porque não há documentação que comprove a posse ou o direito de uso do imóvel para pagar as indenizações. Ou seja, as áreas de muitas UCs ainda não foram incorporadas definitivamente ao patrimônio público.
Desde o início da tramitação, em 2019, as organizações da sociedade civil e o próprio Ministério Público Federal vem elaborando notas técnicas e realizando amplos debates para discutir o tema. Isso demonstra que há interesse político em desatar este nó por parte do setor ambientalista, que não ocorre por parte do setor agropecuário.
Reunião com Frente Parlamentar Agropecuária
Como ação mais recente, a convite da Frente Parlamentar Ambientalista, a Rede Pró UC e o Presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), Alexandre Gaio, participaram de uma reunião com advogados da Frente Parlamentar Agropecuária e outros representantes do setor.
Assessores do Deputado Federal Sérgio Souza (MDB-PR) também estiveram no encontro. Souza é autor do PL 629/2022 que permite a existência de áreas particulares dentro de Parque Nacionais e foi apensado, ou unido, ao PL 2001/2019.
A Abrampa levou para a reunião a proposta de criação de um Plano Nacional de Regularização Fundiária, em que o setor produtivo e setor ambientalista agissem de modo integrado com outros atores como Ministério Público, Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Caixa Econômica Federal (instituição que administra e executa o Fundo de Compensação Ambiental), Ministério da Justiça (responsável pelo Fundo de Direitos Difusos, onde também existem recursos que podem ser utilizados) e Ministérios Públicos Estaduais para solucionar o problema.
“As unidades de conservação de proteção integral são fundamentais para toda a sociedade, inclusive aos setores econômicos. Ao invés de se prosseguir com a tramitação de uma proposta claramente inconstitucional, o que se propõe é se enfrentar concretamente a problemática da regularização fundiária”, afirma Alexandre Gaio.
O imbróglio não é apenas financeiro, também está relacionado com títulos de propriedade da terra e cadeia dominial que envolve documentos desde o título original até o último dono do imóvel.
A proposta, reiterada pela Rede Pró UC, prevê a formação de um grupo de trabalho para identificar onde estão os gargalos e como resolvê-los. O Setor Agropecuário traria informações sobre quais são as unidades de conservação prioritárias para fazer a regularização. Depois disso, seriam reunidas instituições de várias esferas para acelerar o processo.
No momento, a ideia foi muito bem recebida pelos representantes que se comprometeram a levar a proposta aos parlamentares e dar uma devolutiva, mas nas semanas seguintes, justamente na Semana do Meio Ambiente, o projeto foi colocado para votação na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). Aparentemente não há interesse em discutir de forma séria e resolver as pendências.
O projeto de lei não representa o interesse da sociedade, das futuras gerações e o que está determinado na Constituição Federal no artigo 225. Representa apenas o interesse daquele setor em ampliar a fronteira agrícola, como se precisasse, além de expandir atividades em unidades de conservação.
O problema é que o Agro conseguiu, ao longo das últimas décadas, eleger vereadores, deputados e senadores e se unir em prol de seus interesses. E quem defende o interesse coletivo não tem representatividade política.
Mas falta dinheiro para pagar as indenizações? Na verdade, não. O país possui em caixa R$ 1,2 bilhão represados no Fundo de Compensação Ambiental, de acordo com dados públicos do ICMBio.
Além disso, tanto a Lei 9.985/00 quanto o Decreto 4.340/02 tratam da destinação de recursos públicos oriundos de taxa de visitação e rendas decorrentes de arrecadação, serviços e atividades das próprias unidades, os quais devem ser aplicados para a regularização fundiária de suas áreas. O licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental também é condicionado à destinação de recursos para essas finalidades.
Também é importante apontar que o ICMBio, por meio das Instruções Normativas 4/2020 e 104/2021, fixou novos procedimentos para acelerar a indenização e a desapropriação de imóveis rurais no interior de UCs.
Existem mecanismos legais para avançar nas questões fundiárias nas UCs, e a omissão estatal na regularização fundiária de propriedades situadas em seu interior pode e deve ser corrigida pelas vias judiciais adequadas e a atuação do Poder Legislativo deve ser em prol de um procedimento simplificado para a regularização fundiária.
Fonte: O Eco
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