De 30 ações inicialmente previstas em plano elaborado desde o fim do governo Temer e lançado em 2019, regime Bolsonaro abandonou 25
O programa de Combate ao Lixo no Mar, propagandeado pelo governo de Jair Bolsonaro como principal ação para preservar a costa brasileira, recolheu desde 2019 apenas 0,03% dos resíduos que chegam ao litoral do país todos os anos. O MMA (Ministério do Meio Ambiente) apresentou o programa nesta terça-feira (28) em Lisboa, na 2ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos.
Em painel divulgado durante o evento, a pasta afirma ter realizado 460 mutirões de limpeza de praia, mas o dado foi inflado com ações realizadas por ONGs, outros órgãos públicos e instituições privadas. O programa federal realizou apenas 41 mutirões de limpeza em três anos.
Ainda que o número fosse real, em termos de volume recolhido o resultado é irrisório: 279 toneladas desde 2019, média de 93 por ano. É uma gota num oceano de 325 mil toneladas só de resíduos plásticos que chegam ao mar todos os anos no país, segundo estudo da Oceana publicado em dezembro de 2020.
Planilhas obtidas pelo Fakebook.eco mostram que os 41 mutirões realizados pelo MMA recolheram apenas 7,4 toneladas e se limitaram a 5 dos 17 estados costeiros, com ações em apenas 28 dos 279 municípios litorâneos. Esses mutirões ocorreram a partir de um projeto de cooperação técnica com a Alemanha. Se for considerado o total de 460 mutirões exaltado na conferência da ONU, a maior parte (52%) foi organizada por ONGs, apesar de a competência para limpeza desses locais ser do poder público.
Durante a apresentação em Lisboa, o secretário de Qualidade Ambiental do MMA, André França, confirmou em um dos slides (abaixo) que a pasta realizou apenas 41 mutirões, com 7,4 toneladas recolhidas, informação que não está disponível no site do ministério. França também repetiu a mentira de que o governo teria fechado “mais de 700 lixões no país desde 2019”. Já mostramos aqui que isso é falso.
Lançado pela atual gestão em março de 2019, o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar (PNCLM) previa 30 ações, mas pelo menos 25 foram abandonadas: as versões do plano lançadas nos anos seguintes (2020, 2021 e 2022) têm apenas 5 iniciativas previstas. Na prática, foram realizados apenas os mutirões, sem ação coordenada para formulação e execução de políticas públicas.
A elaboração do PNCLM foi um dos compromissos assumidos pelo governo brasileiro durante a 1ª Conferência dos Oceanos, organizada pela ONU em 2017. Na época, ainda na gestão Temer, foi definido que o plano teria participação da comunidade científica, sob coordenação do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP).
A Portaria do MMA nº 188, de 4 de junho de 2018, definiu que a comissão para elaboração do PNCLM seria composta por representantes do MMA, do ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, do Ministério Público Federal, da ONU Meio Ambiente, da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma), da World Animal Protection, do ICMBio e do Ibama.
Apesar dos avanços obtidos pela comissão organizadora, como a realização de consulta pública sobre o tema, ela foi extinta no início do governo Bolsonaro pelo então ministro Ricardo Salles (Portaria do MMA nº 76, de 08 de fevereiro de 2019).
“Havia um movimento no fim do governo Temer que era abrangente e inclusivo. Mas o grupo foi dissolvido e o processo foi todo concentrado no MMA, e ocorre até hoje de forma pouco participativa”, disse o professor do IO-USP Alexander Turra, que coordena a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade dos Oceanos.
Ele ressalta que, embora o MMA tenha “quadros de excelência”, a agenda de oceanos “não vem sendo priorizada” pelo atual governo. Com o hiato de gestão do MMA, diz Turra, a agenda é tocada por Estados, com ações também da Marinha e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Lançado de forma unilateral pelo MMA em março de 2019 (Portaria MMA nº 209/2019), o PNCLM chegou a incorporar sugestões da comissão organizadora, mas nada disso saiu do papel. A versão original do plano tinha seis eixos: resposta imediata, gestão de resíduos sólidos, pesquisa e inovação tecnológica, instrumentos de incentivo e pactos setoriais, normatização e diretrizes e educação e comunicação. Nenhum balanço sobre as 30 ações inicialmente previstas foi divulgado, e elas foram ignoradas na apresentação em Lisboa.
Já o plano de ação para 2022 (que é igual aos de 2020 e 2021) tem apenas cinco ações previstas: 1) implementar medidas para destinação final ambientalmente adequada de resíduos sólidos; 2) implantar dispositivos de retenção de resíduos sólidos em galerias pluviais e cursos d’água; 3) realizar ações de limpeza e coleta de lixo em manguezais e em orlas marítimas e fluviais; 4) realizar ações de combate ao lixo nos rios; e 5) disponibilizar dados e informações para a melhoria contínua das ações de prevenção da poluição e de recuperação ambiental.
Na prática, o MMA realiza apenas mutirões de limpeza (ações 3 e 4), com disponibilização dos resultados em um painel (5). Em relação à primeira ação, há alguns convênios com recursos de emendas parlamentares, mas sem destaque para municípios litorâneos nos projetos. “Manter uma estratégia só com mutirões é não trabalhar de forma sistêmica, estruturante e duradoura para combater o problema”, avalia Turra.
Entre as ações anunciadas há três anos e não executadas até hoje estão: elaborar diagnóstico sobre o lixo no mar brasileiro; programa de monitoramento da poluição na costa brasileira; criar um programa de monitoramento com os laboratórios de ensino flutuantes; disponibilizar melhores técnicas e estimular o desenvolvimento de tecnologias adicionais para plantas de tratamento de esgotos que evitem que micropartículas cheguem ao ambiente marinho; incentivar arranjos institucionais para solução de problemas de saneamento em áreas insulares; engajar os setores industriais para explorar a possibilidade de acordos voluntários para o desuso de microplásticos como componentes de produtos cosméticos e de higiene pessoal; engajar os setores produtivos para explorar a possibilidade de pactos setoriais para a diminuição do uso de materiais não biodegradáveis, não recicláveis e diminuição do uso de plásticos; e articulação para revisão dos instrumentos normativos de acessórios de pesca.
Fonte: O Eco
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