O projeto de lei encaminhado pela presidência extingue a Floresta Nacional de Cristópolis, criada em 2001, em meio a questionamentos e nunca verdadeiramente implementada
O presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional o texto do projeto de lei que extingue a Floresta Nacional de Cristópolis, que abrange um perímetro de cerca de 12,8 mil hectares no interior da Bahia. O despacho foi publicado nesta terça-feira (14), no Diário Oficial da União. Apesar de estar inserida nos domínios do Cerrado, a unidade de conservação é uma colcha de retalhos de plantações e pastagens e é considerada uma unidade fantasma, desconhecida e nunca efetivamente implementada. A área protegida, de uso sustentável, foi criada em 2001 – já envolta em críticas e questionamentos – e apesar dos mais de 20 anos, não possui plano de manejo, tampouco um conselho instituído.
A Floresta Nacional (Flona) de Cristópolis está localizada no interior da Bahia. Apesar do decreto de criação mencionar o município de Cristópolis, os limites da Flona de acordo com o site do ICMBio estão, na verdade, na cidade vizinha de Baianópolis. Pelas imagens de satélite, é possível ainda ver que mais da metade da suposta unidade de conservação está tomada por áreas de uso agropecuário – a maioria deles presentes desde o ano de criação da Flona. Uma apresentação sobre regularização fundiária, de 2011, do próprio ICMBio aponta que toda a Flona estaria dentro de áreas particulares.
Ainda de acordo com o decreto de criação, o objetivo da unidade de conservação é “promover o manejo de uso múltiplo dos recursos naturais, a proteção dos recursos hídricos, da biodiversidade e de fragmentos do ecossistema Caatinga, a recuperação de áreas degradadas, a educação ambiental, bem como o apoio ao desenvolvimento sustentável dos recursos naturais das áreas limítrofes”. Os limites da Flona, entretanto, estão situados no domínio do Cerrado, e não da Caatinga.
A extinção da Flona é apoiada pelo deputado federal Tito Cordeiro (Avante-BA). Em setembro do ano passado, a assessoria de comunicação do parlamentar divulgou que havia recebido uma manifestação positiva do ICMBio, órgão gestor da área protegida, pela revogação do decreto de criação da Floresta Nacional. De acordo com o deputado, a criação foi feita de forma indevida, “com poligonais sobrepondo o território do município vizinho de Baianópolis, o que por longas duas décadas tem trazido prejuízos irreparáveis para os pequenos, médios e grandes produtores da comunidade atingida [de Cascudeiro]” e o fim da Flona representa “uma grande vitória para a população de Baianópolis”.
((o))eco entrou em contato com a assessoria de imprensa do ICMBio, em busca de um posicionamento oficial do órgão sobre o projeto de extinção da unidade de conservação. Além disso, foi questionado o teor do parecer elaborado pelo instituto no ano passado sobre a situação da Flona. A reportagem não recebeu resposta até o fechamento desta edição.
Segundo a nota do parlamentar, publicada há oito meses, o trâmite e negociação junto ao ICMBio já vinha sendo conduzido há dois anos. Após a manifestação do ICMBio, a decisão teria seguido para aval do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e em seguida para a presidência.
“Essa é uma grande conquista para muitos produtores que tiveram injustamente as suas propriedades alcançadas pelas poligonais dessa unidade, criada ilegalmente, e que por mais de 20 anos estão sendo penalizados diretamente nas suas atividades”, disse o parlamentar à época. O pleito pelo fim da Flona tem o apoio da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) e da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa).
Poucas são as informações disponíveis sobre a Flona. Em listas do ICMBio, de diferentes datas, não há nenhuma indicação de gestor, tampouco de um contato direto para a unidade.
“Essa Flona tinha um problema de localização, o decreto de criação colocava em um lugar, mas era em outro, então quando eu estive na presidência [do ICMBio] e na direção, a gente tinha mesmo o plano de desafetá-la”, explica Cláudio Maretti, ex-presidente do ICMBio.
Fim da Flona tramitou por 9 anos entre deputados
Em maio de 2002, ano seguinte à criação da Floresta Nacional, os deputados Ben-Hur Ferreira (PT-MS), Walter Pinheiro (PT-BA) e Waldir Pires (PT-BA) apresentaram um projeto de decreto legislativo para sustar a criação da Flona. Em sua justificativa, os parlamentares apontam que a unidade foi criada em cima de uma “uma fazenda cuja situação fundiária encontra-se completamente irregular e não possui a diversidade biológica necessária para a fundamentação do Decreto de criação da referida Flona”.
A justificativa também questiona o tamanho real da Flona, que teria apenas 4 mil hectares. Entretanto, através de ferramentas de imagem de satélite, ((o))eco mediu o polígono com os limites disponíveis no site do ICMBio e encontrou o valor de aproximadamente 12,8 mil hectares, de acordo com a informação oficial veiculada pelo órgão ambiental.
Os deputados citam ainda que, em 26 de fevereiro de 2002, o então deputado federal Fernando Gabeira (PT-RJ) declarou na plenária que havia feito uma denúncia contra o Ministério do Meio Ambiente e a Presidência da República – na época comandados por José Sarney Filho e Fernando Henrique Cardoso, respectivamente – que haviam criado “uma Floresta Nacional fantasma no oeste da Bahia” e informa que o governo iria tomar medidas para anular o processo de criação da unidade.
“Ocorre que o Decreto em tela ainda está em vigor e nada foi feito pelo Executivo Federal para sanar este vexame nacional. Devido ao exposto, o Decreto de 18 de maio de 2001 que cria a Floresta Nacional de Cristópolis, no Município de Cristópolis, no Estado da Bahia, está eivado de irregularidades de ordem fundiária e extrapola o poder do Executivo Federal face ao que determina a Lei 9985, de 2001, quanto aos critérios de seleção para criação de Florestas Nacionais e, por conseguinte, deve ter seus efeitos sustados pelo Poder Legislativo”, conclui a justificativa do projeto de decreto legislativo, que pedia o fim da Flona. O projeto foi arquivado em 2011.
Fonte: O Eco
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