Desaparecido na Amazônia, Bruno Pereira concedeu entrevista ao Brasil de Fato em outubro de 2019, após ser exonerado
Servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (Funai), o indigenista Bruno Pereira concedeu entrevista ao Brasil de Fato, em outubro de 2019, depois de ser exonerado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados, função que desempenhava no órgão desde junho de 2018. Na ocasião, Pereira afirmou ao repórter Igor Carvalho que, horas antes de sua demissão, estava combatendo mineradoras que pretendiam atuar na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
“Nos últimos dois meses, atuamos pesado junto com outras instituições contra o garimpo, fazendo inutilização de garimpo, destruindo garimpo. Fizemos, agora em setembro [de 2019], a maior destruição de garimpo do ano, em região de índios isolados. A última operação de combate à mineração foi na reserva Yanomami, onde destruímos garimpos. Cheguei [de lá] à tarde e recebi minha exoneração”, declarou o indigenista, desaparecido junto com o jornalista inglês Dom Phillips, desde o último domingo (5).
A demissão de Pereira da Funai, em 2019, foi criticada por seus antecessores no comando da Coordenação-Geral de Índios Isolados, em carta aberta. No documento, os indigenistas afirmam que a demissão do servidor foi política e “sem motivos técnicos aparente.”
“Chamamos atenção ainda para o Crime de Genocídio em curso, pelos frequentes cortes e contingenciamentos impostos à Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, e neste momento pela exoneração do Coordenador-Geral Bruno Pereira. Ressalte-se que possíveis interferências ideológicas como as que estamos presenciando nos quadros técnicos da Funai, em especial, desta Coordenação Geral, é da maior gravidade”, afirmaram os ex-dirigentes.
Na entrevista ao Brasil de Fato, Pereira analisou a gestão da Funai no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). À época, o ex-juiz Sergio Moro estava à frente do Ministério da Justiça, pasta que rege a instituição. “As pessoas que estão dentro da Funai nunca trabalharam com indígenas na vida, as pessoas não entendem o que é uma discussão indigenista. Eu sinto que há um ranço, rancor, são medidas vingativas. Isso está minando o trabalho indigenista”, explicou.
Na visão de Pereira, a continuidade da política em curso na Funai provocaria o “aniquilamento dos povos indígenas, da nossa diversidade. São mais de 200, mais de 300 povos indígenas e 400 terras indígenas que terão seus territórios disputados. Eu não vejo um cenário positivo”.
Leia a íntegra da entrevista, publicada em 14 de outubro de 2019:
Brasil de Fato: A Funai já o procurou para falar o motivo de sua exoneração?
Bruno Pereira: Não sei, não fui informado de nada ainda. Apenas fui informado pela Diretora de Proteção Territorial, nas vésperas da publicação de minha exoneração, que era uma decisão do alto escalão, a ordem veio de cima, sem qualquer justificativa. Até porque, quem está na Funai hoje pouco compreende, ou nada compreende, de política para índios isolados.
Por quê você acha que a Funai teria interesse em intervir politicamente na Coordenadoria-Geral de Índios Isolados?
É um cargo muito técnico, é muito qualificada a discussão de índios isolados, dentro da floresta e no meio da mata. Mas há um grande interesse sim, não há como discordar. Existem várias regiões de índios isolados que são de interesse econômico. A disputa por terra na Amazônia, mineração e garimpo em terra indígena, claro que a pauta índio isolado chama a atenção. A sociedade apoia a política para índio isolado do Brasil e existe uma disputa territorial na Amazônia.
O que está acontecendo nesse momento na Funai?
É complexo falar porque os sinais existem, mas o discurso não é claro. Não há diálogo com os servidores. A sensação que tenho é que há um ranço muito grande, em relação a tudo que a Funai já foi e o trabalho que realizava. A Funai nasceu o ano no ministério da Mulher, depois uma parte da Funai foi levada para o ministério da Agricultura. Depois, o Congresso e o STF reverteram várias manobras do governo e isso não agradou o alto escalão do governo. As pessoas que estão dentro da Funai nunca trabalharam com indígenas na vida, as pessoas não entendem o que é uma discussão indigenista. Eu sinto que há um ranço, rancor, são medidas vingativas. Isso está minando o trabalho indigenista.
Qual o tamanho da influência da bancada ruralista na Funai?
Basta ver os currículos de quem entrou na Funai. Não é difícil visualizar quem está indicando quem lá dentro. Os servidores estão silenciados, servidores de carreira são retirados de cargos estratégicos. A Funai está sendo tomada por interesses que não são dos índios.
Qual a tua perspectiva para os indígenas nos próximos anos?
A perspectiva que sempre foi a deles, de muita luta. Os índios nos ensinaram a resistir, a ser resiliente e tentar sobreviver. Ninguém desse governo procurou os índios para tentar conversar, eles elegem uns dois ou três para colocar em live de rede social e acham que é isso. Será o aniquilamento dos povos indígenas, da nossa diversidade. São mais de 200 línguas, mais de 300 povos indígenas e 400 terras indígenas, que terão seus territórios disputados. Eu não vejo um cenário positivo. É caminhar para a aniquilação, com discurso de economia.
Qual a importância da Coordenadoria-Geral de Índios Isolados dentro da estrutura da Funai?
Ela é extremamente complexa. Depois de 32 anos da criação dessa coordenação, temos uma primeira intervenção do governo. Não houve qualquer diálogo. É um cargo muito sensível, todas as gestões e governos que passaram, respeitaram esse cargo porque é muito técnico. Em março desse ano, fizemos um contato com um grupo isolado (Korubo) no Vale do Javari, fazia 23 anos que a Funai não protagonizava um contato. São populações que uma simples gripe pode dizimar todos eles. Essas populações dependem do Estado para ter proteção dos seus territórios, precisamos de pessoas que sabem o que estão fazendo para um serviço diplomático, esses povos não sabem quem é a Funai, o que é avião, carro nem quem é o presidente da República. Então, os indigenistas sabem como fazer esse contato, são pessoas preparadas para isso.
Você acha que alguma ação tua conflitou interesses do governo?
Nos últimos dois meses atuamos pesado junto com outras instituições contra o garimpo, fazendo inutilização de garimpo, destruindo garimpo. Fizemos, agora em setembro, a maior destruição de garimpo do ano. A última operação de combate à mineração foi na reserva Yanomami, onde destruímos garimpos, foi na sexta-feira, cheguei à tarde e recebi minha exoneração.
Outro lado
Em nota divulgada à época, a Funai refutou a possibilidade de que a demissão de Bruno Pereira tenha sido política. Leia a íntegra:
Conforme artigo nº35 da Lei nº8.112/97, inciso I, a exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança é um ato discricionário da autoridade competente. Ou seja, é algo natural quando há renovação da presidência dentro de órgãos públicos, e, muitas das vezes necessário para que novas diretrizes de gestão sejam implementadas. A posse do senhor Marcelo Xavier, como presidente da Funai, deu-se há mais de dois meses, em 24 de julho último; assim sendo, as mudanças nos cargos de confiança estão sendo realizadas de forma gradativa. Todas as alterações observam a legislação e a regulamentação inerentes ao ato administrativo, prezando pela lisura e transparência ao cidadão. Reitera-se que o serviço público atua sob o princípio da impessoalidade, de modo que as atividades de proteção territorial continuarão ocorrendo.
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