Intensifica-se a orquestração de ações para que o Virola-Jatobá passem pelos mesmos processos que resultaram na degradação e concentração fundiária observada no entorno
Em 21 de setembro último, quando foi comemorado o Dia da Árvore, a Embrapa lançou o livro “Árvores do Manejo Florestal no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Virola-Jatobá”. A publicação resultou de esforço conjunto de pesquisadores, técnicos e de agricultores no município de Anapu que vinham manejando a floresta em assentamento de reforma agrária com características diferenciadas, priorizando a conservação ambiental na região da rodovia Transamazônica, no estado do Pará.
A satisfação de ver materializado um produto voltado ao fortalecimento de iniciativas sustentáveis foi ofuscada, contudo, por sentimentos de frustração e revolta decorrentes da descontinuidade forçada da iniciativa local, devido à incapacidade do poder público em coibir a ação daqueles que se apropriam indevidamente das florestas e terras da Amazônia.
Com efeito, o que se constata em Anapu a partir de 2017 é o iminente colapso do PDS enquanto modalidade de ordenamento fundiário que promove a tão necessária integração de objetivos sociais e ambientais.
Duas décadas atrás, os PDS foram criados como assentamentos de reforma agrária nos quais vastas áreas de floresta seriam manejadas de forma sustentável sob o domínio comum de agricultores, que recebem o usufruto de lotes de 20 hectares para seus cultivos. Essa proposta contou com o decisivo apoio da irmã Dorothy Stang, e resultou na criação dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Virola-Jatobá e Esperança, em Anapu. De acordo com o Incra, 108 PDS foram criados em toda a Amazônia, para o assentamento de mais de 22 mil famílias em cerca de 3,1 milhão de hectares. Na maioria dessas áreas, contudo, projetos sustentáveis não foram incentivados, e o uso da terra pouco se diferenciou do ocorrido nos mais de 2.900 assentamentos convencionais da Amazônia, com pronunciado desmatamento nos anos que se seguiram à criação dos mesmos. Ainda mais grave, constatou-se na maior parte dos PDS a tendência de progressiva apropriação de terras por indivíduos que não são beneficiários da reforma agrária, visando a especulação e retirada ilegal de madeira.
O PDS Virola-Jatobá não apresentava esse roteiro. Mesmo passados quinze anos do início do assentamento, mais de 95% de sua área continuava sob cobertura florestal até 2016. Dez anos antes, uma proposta de manejo florestal havia sido iniciada, com treinamentos e um contrato com empresa privada que vigorou até 2013, quando uma normativa do Incra passou a vedar a atuação direta de empresas florestais em assentamentos.
A partir de 2014, as famílias assentadas buscaram apoio para restabelecer o manejo florestal por meio de suas próprias organizações (Associação AVJ e Cooperativa COOPAF), o que ocorreu entre 2015 e 2017, período em que foram realizadas as atividades de campo que resultaram na publicação lançada pela Embrapa.
Porém, no final daquele ano, intensifica-se a orquestração de ações visando desestabilizar a proposta dos PDS em Anapu, para que essas terras passem pelos mesmos processos que resultaram na degradação e concentração fundiária observada no entorno. Passados mais de quatro anos sem uma ação efetiva do poder público, o assentamento tem sido gradualmente ocupado por pessoas que adquirem ilegalmente os lotes familiares de 20 hectares, ou invadem a reserva legal. Com pretensões de domínio sobre áreas maiores, investem na derrubada de florestas. Estes ocupantes não aceitam as normas do PDS, sendo apoiados e financiados por madeireiros ilegais e especuladores que lucram com a venda de terras públicas. Tais invasões resultaram em desmatamento que já supera 2.500 hectares, inviabilizando novos licenciamentos para a continuidade do manejo florestal comunitário.
Como se não bastasse terem sido tolhidas do capital natural que contribuía significativamente para seu sustento, as famílias do PDS Virola-Jatobá que defendem a legalidade, por meio de sua associação, foram recentemente autuadas pelos órgãos ambientais que as responsabilizou pelo desmatamento registrado, com multas que superam os R$2,5 milhões! A despeito de inúmeras denúncias, documentos e tratativas junto a órgãos públicos ao longo desse período, procedimentos kafkianos aprofundam o paradoxo da situação e agravam o sentimento de impotência frente a tamanho disparate.
Fatos observados no PDS Virola-Jatobá ao longo destas duas décadas demonstram assim os efeitos de perturbações extremas em domínios sociais e ecológicos interconectados. Nesses casos, quando um limiar é atingido em sistemas sociais com fortes assimetrias, restringindo a ação de segmentos vulneráveis, poucas condições restam para mudanças adaptativas no mesmo regime. Mudanças drásticas passam a comprometer o bem-estar humano e a provisão de serviços ecossistêmicos. Nesse caso, a essência de uma modalidade fundiária como o PDS, que combina justiça social e conservação ambiental, tende a se esvair, dando lugar a um novo regime com maior restrição nas opções e inovações socioecológicas, refletindo retrocessos recentemente vivenciados.
Para uma análise detalhada sobre a situação no PDS Virola-Jatobá: Clique aqui.
Fonte: O Eco
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