O médico e pesquisador é co-autor de estudo sobre crise climática e saúde nas Américas, lançado na última semana
Além dos riscos diretos à saúde trazidos pelas mudanças no clima, como aumento do número de mortes em eventos climáticos extremos, o continente americano pode esperar uma escalada na quantidade de acometidos por doenças renais, cardíacas, cardiovasculares, por pneumonia, diabetes e câncer de pulmão. Também são esperados mais casos de doenças neurocomportamentais, como depressão, ansiedade, hiperatividade e déficit de atenção, entre outras.
Esse cenário nada animador é descrito em um estudo sobre mudanças climáticas e saúde nas Américas, lançado na última semana pela Rede InterAmericana de Academias de Ciência (IANAS).
Diferente do relatório sobre o mesmo tema lançado em outubro de 2021 pela Organização das Nações Unidas, o trabalho do IANAS se dedica somente às Américas, trazendo muito mais informações sobre os impactos na saúde que a crise climática trará à população deste lado do mundo.
Em um cenário de aumento de 2°C, por exemplo, entre 10 e 40 milhões de pessoas vão sofrer com desnutrição, devido à redução de terras destinadas à agricultura, muitas delas na região amazônica, segundo o relatório.
Somente nos Estados Unidos, as mortes relacionadas ao calor podem passar dos 12 mil anuais para 97 mil/ano, no cenário de maiores emissões. Também são esperados mais problemas renais, devido ao calor e desidratação. No Brasil, as internações por doenças renais crônicas já superam os 75 mil/ano.
O aumento da temperatura também vai criar novos ambientes de vida para vetores de doenças tropicais, alerta o documento.
“Todas as doenças transmitidas por vetores, dengue, chikungunya, estão aumentando porque chove muito, tem ondas de calor, a eclosão dos ovos fica mais eficiente e vetores que só existiam em regiões tropicais e subtropicais começam a atingir as regiões temperadas”, explicou a ((o))eco o professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Saldiva. O pesquisador, que é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), colaborou com a produção do estudo da IANAS.
Segundo o documento, se conseguirmos limitar o aumento da temperatura em 2°C, será possível evitar 2,8 milhões de novos casos de dengue na América Latina por ano. Se os esforços conseguirem manter o aumento em 1,5°C, 3,3 milhões de casos da doença serão evitados todos os anos até o final do século.
A poluição ambiental, responsável direta pelo agravamento das mudanças no clima, já provoca cerca de 7 milhões de mortes no mundo todos os anos, sendo 206 mil no continente americano, segundo estimativas conservadoras. No Brasil, o número estimado de mortes causadas pela poluição do ar chega a 150 mil por ano.
“O que tentamos fazer foi uma ponte mais evidente entre a saúde humana e as alterações climáticas. Procuramos mostrar que os impactos já são sentidos na saúde de forma bastante nítida e vão se acentuar”, explicou o médico da USP.
“A principal mensagem do estudo é que o custo de abater as emissões é muito menor do que se elas forem mantidas nos níveis que estão. Na verdade, o corte de poluentes traz lucros. Não existe nenhuma justificativa moral [para manter emissões nos patamares atuais] porque você está induzindo o sofrimento dos segmentos mais pobres da população, e ao menos tempo está perdendo dinheiro”, diz.
Além do detalhamento dos impactos que serão sentidos na saúde dos habitantes das Américas, o estudo também reúne soluções para mitigar os efeitos da crise no clima.
Por exemplo, para reduzir o risco de morte por calor, o documento sugere medidas como instalação de sistemas de alerta de calor, acesso equitativo a estações de refrigeração, além de mudanças estruturais, como infraestrutura verde, arborização urbana e isolamento térmico em prédios e casas, entre outros.
O relatório ressalta a importância da adoção de medidas de mitigação e adaptação, haja visto que parte significativa dos habitantes das Américas vive em situação de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental e serão eles os mais impactados pelas mudanças climáticas.
Ele também alerta que é preciso investir na produção de pesquisa na América Central e Latina, já que a maioria dos estudos se concentra nos países norte-americanos, principalmente os Estados Unidos.
“No fundo, o que estamos propondo é que não somos diferentes das espécies que já são ameaçadas pelas mudanças climáticas”, finaliza Saldiva.
Fonte: O Eco
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