Liderança disse que em áudios estão “me ameaçando, dizendo que perderam a paciência e que ‘não tem como’ “
O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, que denunciou o estupro e o assassinato de uma menina de 12 anos, disse em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real que está sofrendo ameaças de garimpeiros. Os crimes aconteceram no dia 25 de abril na aldeia Aracaçá, na região de Waikás, na Terra Indígena dos Yanomami, no norte de Roraima. Segundo Hekurari, uma criança foi atirada no rio durante o ataque de garimpeiros, e permanece desaparecida, assim como sua mãe, tia da menina.
“Tem áudios me ameaçando dizendo que perderam a paciência e que ‘não tem como’. E o Rodrigo Cataratas está ameaçando me processar na Justiça. Disse que eu estou difamando os trabalhadores dele”, disse Júnior Hekurari.
A comunidade Aracaçá teria uma população de 24 pessoas. Júnior Hekurari contou, por meio de nota oficial, que quando a sua equipe chegou ao local para investigar o caso só havia fumaça da aldeia queimada. Ele disse que foram necessários 40 minutos para que alguns indígenas aparecessem e contassem sobre a coação sofrida por garimpeiros, bem como sobre o ouro oferecido em troca do silêncio. “Eles estavam com muito medo de falar. Eles foram forçados a aceitar (o ouro)”, revela Júnior.
O minerador e aviador Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas, é coordenador do Movimento Garimpo Legal (MGL) e pré-candidato a deputado federal pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. No dia 30 de abril, Rodrigo postou em suas redes sociais que entrou com uma ação no Ministério Público Federal (MPF) pedindo que “Júnior Yanomami prove denúncias caluniosas contra os garimpeiros”. O MGL “pretende processar Junior Yanomami por denúncia caluniosa e pretende pedir indenização coletiva à classe garimpeira”.
Nesta quinta-feira (5), o presidente do Condisi-YY revelou à reportagem que sua ex-namorada foi surpreendida com a presença de garimpeiros na porta da residência. “Foram na casa da minha ex-namorada e perguntaram onde eu estava. Ela está com muito medo porque perguntaram se eu tinha vínculo com ela”, disse Júnior Hekurari Yanomami, que não revelou o nome da ex-namorada por medida de segurança.
Hekurari disse que desconhece o motivo da perseguição de Rodrigo Cataratas contra ele. “Isso eu não sei. Nunca o conheci [Rodrigo]. Ele só está nas redes sociais dizendo que está chateado comigo, disse que foi na Polícia Federal, na Justiça Federal, no Ministério Público Federal, e que vai me processar por difamar os trabalhadores dele porque garimpeiro é ‘trabalhador’. O de sempre”. Questionado pela reportagem se os possíveis autores dos crimes contra as crianças indígenas trabalham para a empresa de Rodrigo Cataratas, Júnior Hekurari disse não saber.
Rodrigo Martins de Mello é proprietário da Cataratas Poços Artesianos Ltda, empresa investigada pela Polícia Federal por envolvimento no garimpo ilegal e que teve helicópteros apreendidos por atuação no território Yanomami, em 2021.
O empresário justifica a ação contra o indígena dizendo que “mesmo depois do MPF, a Polícia Federal, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Distrito Sanitário Indígena (Dsei) ‘comprovar’ que não houve crime na comunidade do Aracaçá, Junior Yanomami continua afirmando que houve e fez novas acusações de que os garimpeiros teriam comprado o silêncio dos índios (…)”.
As declarações de Rodrigo Cataratas têm como base notas oficiais divulgadas pelo MPF e PF no dia 28 de abril, nas quais os dois órgãos federais afirmam, após visitaram a terra indígena em uma comitiva, que “não foram encontrados indícios materiais da prática dos crimes de homicídio e estupro”. Na ocasião, o MPF indicou que ainda é preciso ampliar as investigações sobre o assassinato da menina de 12 anos, portanto, o caso não foi encerrado como descreve o minerador nas redes sociais.
Segundo Júnior Hekurari, em outra nota oficial publicada em 29 de abril, o MPF e a PF dizem que não encontraram “indícios da prática dos crimes de homicídio e estupro da menina”, porque o corpo da garota foi cremado como parte do ritual da cultura yanomami, informação publicada com exclusividade pela Amazônia Real.
Tia e criança desaparecidas
Apesar de não ter encontrado indícios materiais da prática dos crimes contra a menina, o MPF e PF não deram informações sobre a cremação do corpo da garota, não disseram se farão buscas a criança de 3 anos jogada no rio e nem sobre o paradeiro de sua mãe que, segundo os indígenas, conseguiu escapar nadando até a comunidade Aracaçá. Também não está esclarecido se a maloca da comunidade foi queimada pelos indígenas, como parte do ritual, ou se foi um ataque dos garimpeiros.
Em nota, o Condisi-YY afirma que “alguns indígenas se reuniram e analisaram as imagens da comunidade queimada, e relataram conforme costume e tradições que após a morte de um ente querido, a comunidade em que reside é queimada e todos evacuam para outro local”. A comunidade está localizada em uma das regiões mais devastadas pelo garimpo ilegal de ouro nos últimos cinco anos.
Os crimes de violência sexual e homicídio da menina Yanomami chocaram autoridades como a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. Na redes sociais, defensores da causa indígena e artistas cobram por justiça através da hashtag #cadeosyanomami.
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal aprovou na quarta-feira (4) um requerimento para fazer uma diligência em Roraima, para acompanhar o caso. O requerimento foi um pedido do senador Humberto Costa (PT), e a comissão deve ir a Roraima na próxima semana.
Já em Boa Vista, a Polícia Federal de Roraima anunciou no final desta quinta-feira (5) que fará uma coletiva de imprensa nesta sexta-feira para prestar novos esclarecimentos sobre as denúncias dos ataques feitos aos indígenas Yanomami.
Fonte: Brasil de Fato
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