Academia Brasileira de Ciências fez um alerta para contaminação por mercúrio no Brasil e defende que garimpo ilegal seja banido no país
O filme Amazônia, a nova Minamata? estreia em outubro no Brasil e revela a realidade assustadora do território Munduruku, na região da cidade de Jacareacanga, Pará. As altas taxas de mercúrio no sangue da população gera problemas neurológicos irreversíveis em adultos, idosos e crianças – fato que explica a alta demanda por cadeiras de rodas infantis por lá.
Um trecho do documentário de Jorge Bodanzky mostra Alessandra Munduruku, em manifestação no Congresso Nacional, afirmando que “as pessoas têm que saber o que está acontecendo e é por isso que a gente não para de lutar. Vocês estão matando os nossos filhos”.
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O mercúrio que vem do garimpo de ouro no Rio Tapajós provoca uma doença chamada de Minamata, nome dado em referência a uma cidade de pescadores no Japão, onde a contaminação por mercúrio também levou a população a enfrentar os mesmos sintomas que afetam a saúde dos povos indígenas hoje. No Japão, o mercúrio foi despejado por uma fábrica de plástico. No Brasil, a origem é principalmente o garimpo ilegal.
“Todos nós já sabemos da questão da contaminação do mercúrio na bacia amazônica, mas eu não fazia a menor ideia da dimensão e do desastre irreversível que é. O mercúrio ataca o sistema neurológico, também passa pela placenta e os bebês já nascem com alto índice de contaminação. O mercúrio a gente não vê, não cheira. Ele também demora a aparecer. Às vezes a pessoa mora há 30 anos no local, está contaminada, mas isso não é visível”, disse Bodanzky.
A fala do diretor é confirmada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) no documento “Contaminação por mercúrio – Por que precisamos de um plano de ação?”, publicado no dia 11 de outubro de 2022.
Os cientistas explicam que o mercúrio é tóxico por conta de sua alta afinidade com compostos de enxofre presentes em proteínas e em muitas enzimas essenciais para o metabolismo das células humanas. Quando o metal se liga a enzimas e outras proteínas, elas são inativadas de forma irreversível, o que pode gerar graves complicações clínicas, como vertigens, tremores e danos aos pulmões e ao cérebro.
O estudo faz um diagnóstico das emissões do metal no país e lista oito recomendações para lidar com esse desafio, iniciando um debate sobre a gestão do metal no Brasil. Para a ABC, o combate à contaminação por mercúrio deve ser encarado como um desafio nacional que deve mobilizar todos os níveis governamentais, o setor privado e as organizações sociais.
“A contaminação por Mercúrio representa uma grave ameaça a todo o ecossistema do nosso país, de Norte a Sul e de Leste a Oeste”, alerta o professor Jailson Bittencourt de Andrade, vice-presidente da ABC e coordenador do estudo.
Mercúrio e ouro
O Grupo de Trabalho que realizou o estudo aponta que, apesar de várias localidades brasileiras serem afetadas pela contaminação, o mercúrio está fortemente associado ao garimpo ilegal e ao uso do metal para extração do ouro. É a atividade que mais contribui para as emissões de mercúrio no país.
A técnica usada particularmente na extração ilegal faz com que o ouro e o mercúrio se fundam em um amálgama, para que o metal precioso possa ser extraído de rochas e areia. Depois, o amálgama é aquecido, fazendo o mercúrio evaporar e passar a circular na atmosfera.
No documento, a ABC expressa sua preocupação com o garimpo realizado em Terras indígenas, o que é proibido pela Constituição.
Exposição humana
“O mercúrio é um legado da irresponsabilidade no trato do meio ambiente que vai ainda assombrar a humanidade por gerações”, ressalta Luiz Drude de Lacerda, Membro Titular da ABC e integrante do Grupo de Trabalho.
O grupo observa, no entanto, que muitos problemas de contaminação ambiental por mercúrio são devidos não apenas ao aumento das emissões, mas também à tendência de maior concentração do metal em peixes, humanos e outros organismos, observada ao longo dos últimos 20 anos. O fenômeno é atribuído à alteração do uso do solo, particularmente na conversão de florestas para extração de madeira e para a agropecuária.
A exposição humana ao mercúrio se dá principalmente pela ingestão de pescados. Assim, os riscos à saúde são ainda maiores em populações ribeirinhas da Amazônia e em pescadores artesanais do litoral brasileiro. O Grupo de Trabalho da ABC recomenda que sejam subsidiadas medidas para melhorar a segurança alimentar dessas populações, com um esforço continuado de monitoramento da contaminação de peixes e outros produtos da aquicultura.
O grupo defende que o Brasil volte a ser participante ativo na Convenção de Minamata, que traz uma série de medidas de controle sobre o uso do mercúrio em todo o mundo. O tratado internacional foi firmado em 2013 e tem por objetivo proteger o meio ambiente dos efeitos adversos do metal. O texto ressalta que o Brasil chegou a sediar a Conferência sobre Mercúrio como Contaminante Global, em 1999, mas que as iniciativas do país no âmbito multilateral vêm se reduzindo drasticamente nos últimos anos.
Outras sugestões presentes no documento são a atualização dos inventários de emissões de mercúrio, a substituição de produtos que contêm o metal por alternativas e ainda o desenvolvimento e a implementação de tecnologias voltadas à redução de emissões de fontes incidentais de mercúrio. Por fim, a ABC se compromete a realizar reuniões regionais, nacionais e internacionais, identificando gargalos e propondo mais soluções.
Invasão de Terras Indígenas
Dados do MapBiomas mostram que a área de garimpo no Brasil passou de 99 mil hectares para 196 mil hectares entre 2010 e 2021 e que, no mesmo período, o avanço do garimpo sobre as terras indígenas foi de 632%. As informações dos pesquisadores revelam ainda que essa expansão tem endereço certo: o Bioma Amazônico.
“A série histórica mostra um crescimento ininterrupto do garimpo e um ritmo mais acentuado que a mineração industrial na última década, além de uma inequívoca tendência de concentração na Amazônia, onde se localizam 91,6% da área garimpada no Brasil em 2021”, explica Cesar Diniz, coordenador técnico do mapeamento. Na série histórica, o garimpo só suplantou a área ocupada pela mineração industrial no final do século passado, entre 1989 e 2000.
A terra indígena mais explorada foi a Kayapó, na qual 11.542 hectares foram tomados pelo garimpo até 2021. Em seguida vem o território Munduruku, com 4.743 hectares, a terra Yanomami, com 1.556 hectares, a Tenharim do Igarapé Preto, com 1.044 hectares, e o território Apyterewa, com 172 hectares.
O garimpo cresceu 352% dentro de Unidades de Conservação entre 2010 e 2021. A série histórica mostra que a área ocupada até 2010 encontrava-se abaixo de 20 mil hectares. Em 2021, já eram quase 60 mil hectares. Desse total, quase dois terços ficam na APA do Tapajós, onde o garimpo já ocupa 43.266 hectares. Em segundo lugar vem a Flona do Amanã, com 5.400 hectares, seguida pela Flona do Crepori (1.686 hectares), a Parna do Rio Novo (1.637 hectares) e a Flona do Jamari (1.191 hectares).
Fonte: CicloVivo
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