Ricardo Muniz | Agência FAPESP
A praga da broca e a doença da fusariose estão entre as mais importantes ameaças às bananeiras e seu controle ainda é um grande desafio para os produtores. A broca é um besouro vulgarmente conhecido como “moleque-da-bananeira” e provoca um efeito direto no rizoma (caule subterrâneo capaz de emitir ramos e raízes), enfraquecendo o sistema radicular da planta, reduzindo a absorção de nutrientes e causando perdas significativas de produtividade.
Os insetos adultos também podem ter um papel na disseminação e aumento de infecções por patógenos de plantas. Já a fusariose, também conhecida como “mal-do-Panamá”, causa graves perdas de rendimento e se espalha rapidamente por vários meios.
Para mitigar seus efeitos é necessária uma combinação de práticas de manejo em plantios comerciais, mas é muito importante a busca por alternativas de controle biológico para complementar o manejo em campo.
Cientistas identificaram na espécie Beauveria caledonica potencial de controle biológico da broca e da fusariose, graves problemas fitossanitários de uma cultura de grande importância econômica nos trópicos e subtrópicos. Ação do microrganismo complementaria estratégias tradicionais de manejo em campo
Fungo em estudo
Um fungo ainda pouco estudado no Brasil e no mundo que cumpre esse papel foi recentemente isolado por um grupo que reúne cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Bioversity International (Colômbia), com o apoio de pesquisadores da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA, regional Vale do Ribeira) e do Instituto Agronômico (IAC). O Beauveria caledonica foi encontrado na região de produção comercial de banana no Vale do Ribeira, cerca de 190 quilômetros a sudoeste da capital.
Trabalho apoiado pela FAPESP e publicado na Pest Management Science descreve a capacidade do Beauveria caledonica de infectar e matar a broca-da-bananeira (Cosmopolites sordidus) e de inibir o fitopatógeno Fusarium oxysporum f. sp. cubense (FOC), causador da fusariose.
“A pesquisa demonstrou, pela primeira vez, o duplo papel desse fungo, isolado de brocas-da-bananeira naturalmente infectadas, contra as duas principais restrições fitossanitárias”, diz Jeanne Scardini Marinho-Prado, agrônoma com doutorado em entomologia pela Universidade Federal de Viçosa e uma das autoras do artigo. O grupo comprovou que, comparativamente, isolados de B. caledonica se mostraram mais eficientes no biocontrole de adultos da broca do que isolados de B. bassiana, espécie atualmente usada no combate biológico do inseto em campo.
“Isolamos B. caledonica de adultos da broca-da-bananeira coletados em campo e depois fizemos uma formulação em óleo vegetal emulsionável, totalmente biodegradável, com seus conídios [esporos responsáveis pela reprodução assexuada] para aumentar sua eficácia”, explica Gabriel Moura Mascarin, doutor em patologia de insetos e controle microbiano pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e pela Crop Bioprotection Research (unidade de pesquisa vinculada ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).
Formulação
Mascarin é o primeiro autor do trabalho e principal responsável pela formulação em óleo emulsionável avaliada no artigo. O óleo desempenha um papel importante na adesão do fungo ao corpo do inseto, facilitando sua infecção. O grupo de cientistas ainda descobriu que o fungo produz um composto secundário chamado oosporina, que teve ação antagônica sobre o fungo patogênico FOC. “Esse efeito antagonista de B. caledonica e de seu metabólito oosporina sobre o fungo FOC é inédito”, diz Prado, que atualmente é pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.
A oosporina foi detectada e quantificada usando as técnicas de ressonância magnética nuclear e espectrometria de massa. Em ensaio in vitro contra o Fusarium, verificou-se que os filtrados acelulares extraídos do caldo fermentado de B. caledonica contendo o composto oosporina exibiram atividade antifúngica sobre os conídios, resultando em forte inibição da germinação do fitopatógeno FOC.
“Neste estudo foi demonstrado que certos bananais comerciais infestados pela broca-da-bananeira podem abrigar uma comunidade muito especializada de espécies de fungos entomopatogênicos”, diz Prado. O solo é um importante reservatório desses fungos que podem parasitar insetos, matando-os ou incapacitando-os. “Por isso, compreender a interação entre C. sordidus e fungos entomopatogênicos, além de entender como ambos podem estar relacionados a outros microrganismos no solo, é crucial para o desenvolvimento de biopesticidas à base de fungos”, explica a cientista, ressaltando que por enquanto não há produtos comerciais com B. caledonica.
Ainda segundo a pesquisadora, o desenvolvimento de biopesticidas com linhagens mais virulentas ao inseto-alvo, seja por seleção em laboratório, formulação, novas estratégias de aplicação ou manipulação genética, pode tornar esse microrganismo mais competitivo para uso em programas de manejo, contribuindo assim para sistemas de cultivo de banana mais equilibrados.
O artigo é assinado por Mascarin, Prado e Márcia Regina Assalin (Embrapa Meio Ambiente), Lucas Gelin Martins, Erik Sobrinho Braga e Ljubica Tasic (Unicamp), Miguel Dita (Bioversity International, Cali, Colômbia) e Rogerio Biaggioni Lopes (Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia).
A íntegra do estudo Natural occurrence of Beauveria caledonica, pathogenicity to Cosmopolites sordidus and antifungal activity against Fusarium oxysporum f. sp. cubense pode ser acessada em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ps.7063.
Texto publicado originalmente por Agência FAPESP
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