Em uma entrevista com recorde de audiência nas redes sociais, ao Flow Podcast, do apresentador Igor 3K, nesta terça-feira (18), o ex-presidente Lula abordou, entre outros tópicos, o meio ambiente.
Ao longo de vários minutos de conversa sobre a pauta ambiental, Lula primeiro respondeu pergunta sobre a conexão do PT com movimentos de base. O candidato relembrou a morte do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988, e narrou o longo trajeto que fez de Cabo Verde, onde estava quando recebeu a notícia, até Xapuri (AC), local do enterro. “Quem é que faz isso? Ninguém faz isso. Só quem tem muito vínculo, muita relação”, afirmou, se referindo ao partido.
Em seguida, Lula afirmou ainda que o Brasil tem 30 milhões de hectares de pastos abandonados, que precisam ser recuperados. Segundo o presidenciável, é possível “plantar o dobro do que você planta hoje sem precisar derrubar uma árvore no Pantanal, uma árvore na Amazônia”. “A riqueza da Amazônia está na exploração da biodiversidade da Amazônia, para que a gente possa fazer com que a indústria de fármaco cresça, a indústria de cosméticos cresça, e a gente possa melhorar a qualidade de vida do povo da Amazônia. E nós precisamos compartilhar com o mundo. O Brasil é dono da Amazônia, o território é soberano nosso, mas a gente pode compartilhar conhecimento científico com o mundo inteiro”, disse.
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Lula também falou sobre as mudanças climáticas. “Já está provado que a questão climática não é uma questão qualquer hoje, é uma coisa muito séria, e se a gente não cuidar, a gente tá cavando a nossa própria cova, o nosso próprio enterro”, alertou, criticando a gestão ambiental bolsonarista, especialmente durante a época do ex-ministro Ricardo Salles na pasta do Meio Ambiente.
“Segundo estimativas de pessoas ligadas ao assunto, tem 3 trilhões de dólares para ser gastos com a questão do sequestro de carbono, com a boa agricultura, para a gente poder equilibrar o planeta. Então se isso é verdade, vamos tentar trabalhar essa coisa. E é uma coisa que eu vou fazer, pode ter certeza que eu vou fazer”, garantiu.
As falas de Lula são um diferencial do segundo turno, em um debate público marcado pela pauta religiosa e moral, ao menos no campo teórico.
Essa postura do candidato à presidência, em trazer o meio ambiente como um caminho de soluções para o Brasil, também se reflete em seu plano de governo “Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil. Lula Alckmin 2023-2026. Coligação Brasil da Esperança“.
Um documento que já gerou uma onda de críticas da oposição por ser composto apenas por diretrizes e sem grande detalhamento. Ao ser questionado por Igor 3k sobre o assunto, Lula afirma que seu documento é genérico, pois está aberto a sociedade para colaborações.
“O PT sempre apresentou plano de governo. Desta vez a novidade é que fizemos essa proposta de 15 pontos, e abrimos a internet para a sociedade participar e dar sugestões. Já temos mais de 20 mil sugestões. (…) como a gente já governou, as pessoas já sabem o que eu vou fazer”, respondeu Lula.
Apesar de ser um sinalizador de caminhos, as propostas de Lula no documento são positivas para o meio ambiente. Dos 121 tópicos do plano, 39 abordam a pauta socioambiental. É quase um terço do documento, entre avaliações do momento atual, lembranças de ações realizadas no passado e compromissos para o futuro.
Nessas diretrizes, o meio ambiente é mencionado tanto de forma direta quanto de forma indireta, se relacionando a pautas como economia, agricultura e relações internacionais.
O documento diz ainda, logo no início, que o eventual mandato de Lula terá compromisso com o enfrentamento das mudanças climáticas, participando do “esforço mundial” para combater a crise do clima. Para isso, o plano fala em realizar uma “transição ecológica e energética”, inclusive com o incentivo ao desenvolvimento de indústrias focadas nessa transição. A Petrobrás é mencionada como uma ferramenta nesse caminho, atuando nos segmentos de gás natural, fertilizantes, biocombustíveis e energia renovável.
Em seguida há menção ao fomento à economia verde, baseada na “conservação, na restauração e no uso sustentável da nossa biodiversidade”, e a “reforma agrária agroecológica” são citados como meios de criação de empregos. O plano fala em uma “política nacional de abastecimento”, com apoio a pequenos produtores e à agricultura orgânica. O agronegócio sustentável é tratado como o caminho para superar a insegurança alimentar e promover a alimentação saudável, assim como uma forma de evitar e reverter a perda de espaço no mercado internacional pelas práticas antiambientais na produção de alimentos.
Na parte específica sobre o meio ambiente, chamada “Desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática”, o plano fala em coibir a exploração predatória de recursos naturais, fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) – composto por órgãos de proteção ambiental federais, como o Ibama e o ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente e órgãos estaduais – e a FUNAI. No lugar disso, a promessa é “estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico”. O desenvolvimento sustentável é citado diversas vezes ao longo do documento.
O plano fala ainda em “estimular a atividade minerária” com “compromisso com a proteção ao meio ambiente”, sem explicar como os impactos da atividade seriam compensados. Há o compromisso, por outro lado, de aperfeiçoar a regulação do setor e combater com rigor o garimpo ilegal, principalmente na Amazônia, na linha do que já foi destacado por Lula em diversas entrevistas ao longo da campanha.
Além da mineração ilegal, o texto frisa o compromisso em combater de forma “implacável” os crimes ambientais, relembrando a queda nos índices de desmatamento durante os governos petistas (Lula e Dilma).
Há a promessa de promover o desmatamento líquido zero, com recomposição das áreas degradadas e reflorestamento dos biomas nacionais – sobre estes, o plano frisa a necessidade de conhecê-los e conservá-los, assim como a “Amazônia Azul” – que integra a costa brasileira e o limite litorâneo nacional, numa estratégia de unir a conservação com o uso sustentável de recursos naturais.
Assista a entrevista no Flow Podcast:
O documento também ressalta a importância de garantir a universalização do direito à água e ao saneamento, em parceria com estados e municípios. O texto fala em promover “a progressiva melhoria” da qualidade das águas, mas não estabelece metas ou detalhamentos de como isso seria feito.
A crise climática é tratada como um problema que causa custos “inaceitáveis” se não for enfrentado – são citados efeitos como redução do PIB, perdas “expressivas” na produção nacional e, especialmente, as tragédias ambientais, com perda de vidas e sofrimento humano. Contra isso, o plano assume o compromisso de cumprir as metas de redução da emissão de CO² assumidas no Acordo de Paris.
Ainda nesse tema, também são citadas a garantia da transição energética, a recuperação e reflorestamento de áreas degradadas e a sustentabilidade nas atividades produtivas, com os benefícios sociais dos investimentos sendo revertidos para “populações indígenas, quilombolas, ciganos, tradicionais, vulneráveis e marginalizadas, tanto no contexto urbano quanto no campo”.
Por fim, na parte de política externa, o plano fala em trabalhar por uma ordem global comprometida com, entre outros pontos, a sustentabilidade ambiental. Vale lembrar que, nos últimos anos, fundos internacionais financiados por países estrangeiros, como o Fundo Amazônia, tiveram seu funcionamento interrompido por conta da decisão do atual governo – um tema que virou uma ação em tramitação no STF.
Unindo os divergentes e fome
Como frisado na introdução do plano, o documento é um “ponto de partida para um amplo debate nacional”, construído desde o início à muitas mãos. Essa junção de apoios é outro ponto do plano levantado durante a entrevista ao Flow.
Entre os nomes ligados à bancada ruralista e ao agronegócio que já se juntaram à campanha petista, estão o deputado federal e ex-candidato a senador (barrado pelo TSE) Neri Geller (PP-MT) e os senadores Carlos Fávaro (PSD-MT), Kátia Abreu (PP-TO) e Simone Tebet (MDB-MS), terceira colocada no primeiro turno das eleições presidenciais.
Se aproximando do agronegócio, Lula ataca uma das críticas de seus adversários, que o tratam como ameaça ao setor – a ex-líder da Frente Parlamentar da Agricultura, Kátia Abreu, chegou a gravar vídeo para suas redes sociais afirmando o contrário, ao defender o voto no petista. Por outro lado, alguns pontos de seu plano, como a reforma agrária, se chocam com interesses ruralistas.
Um exemplo dessa dialética, apareceu durante a entrevista ao FLOW, quando Lula falou sobre a soberania alimentar do país, citando a necessidade do Brasil se tornar autossuficiente na produção de fertilizantes, reduzindo a dependência de países como Ucrânia e Rússia – cuja invasão ao primeiro colocou em risco o abastecimento global do produto.
Segundo Lula, o Brasil pode passar a ser o maior produtor de alimentos do mundo, mas precisa fazer isso “sem derrubar uma árvore na Amazônia, sem derrubar uma árvore no Pantanal”. O petista ressaltou a importância da agricultura de baixo carbono, que seria muito mais “rentável” para o país. Para Lula, o agricultor que derruba a mata para produzir não é produtor profissional, e sim “transgressor”.
Apesar do discurso de Lula, produzir sem desmatar ainda é um paradoxo nacional sobre o qual pesam muitas dúvidas. Não à toa – apesar do apoio de Carlos Fávaro, Tebet e Kátia Abreu -, a bancada ruralista declarou apoio oficial à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Lembrando que, um dos pontos dessa divisão é a insistência do opositor de Lula, em apoiar projetos com grande impacto ambiental, como o “PL do Veneno”, e a flexibilização do licenciamento ambiental. Pautas defendidas pela Bancada Ruralista, apesar de todo discurso verde.
A participação de Lula no Podcast deixa claro que o tema meio ambiente e desenvolvimento tornou-se um ponto-chave no “cabo de guerra” na disputa do segundo turno. Resta saber qual proposta de gestão ambiental o brasileiro apoiará no dia 30 de outubro.
Fonte: O Eco
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