Emendas que enfraqueciam texto foram derrotadas; legislação segue para debate, com decisão esperada no fim do ano
Numa vitória para as florestas tropicais do mundo, o Parlamento Europeu aprovou nesta terça-feira (13) sua proposta para uma regulação antidesmatamento. Se convertida em lei, ela impedirá que uma série de produtos vindos de áreas desmatadas entre no mercado europeu – não importando se o desmatamento foi legal ou ilegal.
Entre os produtos que integram a lista estão as duas principais commodities que causam a destruição da Amazônia, a soja e a carne. Couro, madeira, cacau, borracha, milho e dendê também estão sujeitos à nova regulação, que exigirá que os importadores realizem uma auditoria (processo conhecido em inglês como due diligence) nos fornecedores desses produtos.
Se for suficientemente forte quando de sua promulgação, a norma europeia poderá ser um instrumento poderoso para o combate ao desmatamento, já que outros importadores no mercado internacional tenderão a usar os padrões já estabelecidos pela UE como parâmetro para as próprias compras. Uma lei frouxa, ao contrário, poderá sedimentar as más práticas e estimular a devastação.
Apresentada em novembro de 2021 pela Comissão Europeia, uma das três instâncias de governança da UE, a proposta foi debatida por quase um ano. Em julho, o Conselho Europeu, formado pelos 27 países-membros da UE, propôs uma versão que piorava a proposta da Comissão. No Parlamento, porém, quase todas as emendas que enfraqueciam a norma foram derrotadas, e o texto foi aprovado por 453 votos a 57, com 123 abstenções.
“A regulação sobre cadeias produtivas livres de desmatamento é uma virada de jogo urgentemente necessária”, disse Anna Cavazzini, eurodeputada do Partido Verde alemão. “O desmatamento está pondo as florestas em risco. Empresas europeias contribuem para isso ao importar carne, ração animal e outros produtos que levaram ao desmatamento. Precisamos fazer de tudo para parar isso.”
A floresta no Parlamento Europeu
Entre os avanços no texto aprovado pelo Parlamento estão uma definição melhor de degradação florestal – que havia sido eliminada pelo Conselho – e um acréscimo importante no escopo da lei: ela passa a tratar de desmatamento, degradação e conversão de florestas. A mudança é relevante porque abre a brecha para que outros biomas não-florestais, como o Cerrado e o Pantanal, também sejam protegidos. Esses biomas não são matas, então a rigor não sofrem desmatamento, mas sim conversão.
Esta era uma das principais falhas apontadas na proposta original por ambientalistas, incluindo o OC: ao se ater à definição de florestas da FAO (agência da ONU para agricultura e alimentação), a lei poderia deixar desprotegido o equivalente a cinco Franças em outros biomas somente na América do Sul. O Parlamento ainda não incluiu os outros biomas, mas abriu a possibilidade de sua inclusão futura ao considerar a conversão. Além disso, incluiu nos critérios, além das florestas, “outras terras com cobertura arbórea”, o que protegeria grande parte do Cerrado.
Outra vitória foi a inclusão expressa dos direitos humanos, em especial os de povos indígenas e outras populações tradicionais, na legislação. Outra demanda dos ambientalistas, a responsabilização do sistema financeiro, também foi acolhida pelo Parlamento, segundo o qual “as instituições financeiras deveriam ser cobertas por esta regulação, dado que seus serviços podem apoiar atividades ligadas direta ou indiretamente ao desmatamento”.
Também fundamental, a exigência de rastreabilidade até a fonte foi mantida, mas com ressalvas. O lobby agropecuário trabalhou intensamente no Conselho Europeu e no Parlamento para retirar essa exigência, sob a alegação de que a rastreabilidade tornaria a produção agropecuária para atender ao mercado europeu custosa demais e inviável.
Em carta enviada à cúpula da UE (Comissão, Conselho e Parlamento), embaixadores de 14 países tropicais, incluindo o Brasil, ecoaram o argumento do agro e reclamaram das exigências de rastreabilidade. A carta foi rebatida pela coordenação do Observatório do Clima, que apontou à UE que o Brasil, maior país tropical, pratica rastreabilidade na cadeia da soja desde 2006, como parte de um acordo voluntário do próprio setor, a moratória da soja.
Os critérios de rastreabilidade exigem auditoria até o polígono, ou seja, a área de uma propriedade rural onde a produção acontece. Porém, o tamanho de propriedade a partir do qual essa exigência será feita ainda está por ser definido.
“As medidas do bloco europeu vão impedir a entrada de produtos que direta ou indiretamente estejam relacionados com o desmatamento de importantes biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado, e são um claro sinal para o setor produtivo de que a proteção ambiental e dos direitos humanos são itens mandatórios nos negócios internacionais”, afirma Jean-François Timmers, especialista em Commodities e Ecossistemas do WWF-Brasil.
A regulação segue agora para o chamado “triálogo”, uma discussão entre o Parlamento, a Comissão e o Conselho que tentará produzir até o final do ano ou até o início do ano que vem um texto de consenso que possa ser ratificado em cada um dos 27 países da UE.
“O recado do Parlamento Europeu foi claro: a sociedade de um dos maiores mercados consumidores do mundo não quer mais desmatamento em seu prato, em sua casa e em seus automóveis. Passa da hora de países produtores de commodities, como o Brasil, pararem de se fingir de surdos. Zerar o desmatamento tropical é uma obrigação moral com as pessoas, os ecossistemas e o clima, e agora será também um pré-requisito para os negócios, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Fonte: O Eco
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