Revisão de pesquisas que somam dados de 8,3 mil mulheres indica que aspirina pode reduzir o risco de tumor de ovário em 13%. A ação preventiva em outras partes do corpo, como o estômago e a próstata, também foi constatada
Paloma Oliveto – Correio Braziliense
Há mais de 3,5 mil anos, já se usava a casca do salgueiro como analgésico e antitérmico. Desse material, seria extraída, muito tempo depois, a salicilina, princípio ativo que daria origem, em 1889, a um medicamento patenteado como aspirina. Também indicada para prevenir doenças cardiovasculares em um grupo específico de pacientes, a droga milenar começou um novo capítulo em sua história mais recentemente, com pesquisas que associam o uso frequente e em baixa dosagem à redução do risco de alguns tipos de câncer. Agora, uma revisão de 17 pesquisas publicada no Journal of Clinical Oncology mostra que o ácido acetilsalicílico pode diminuir em 13% os casos de tumores de ovário.
Os autores do artigo, da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, se debruçaram sobre a literatura científica que investigou a relação da aspirina com a doença. No total, os estudos avaliados incluíam mais de 8,3 mil pessoas. A principal conclusão é a de que, em mulheres com múltiplos fatores de risco para câncer de ovário, como histórico familiar, mutações nos genes BRAC 1 e 2 e endometriose, o uso frequente do remédio em baixa dosagem esteve estatisticamente associado a um risco menor de desenvolvimento da doença.
Segundo Britton Trabert, pesquisadora do Instituto Huntsman de Câncer da universidade, o câncer de ovário é o tumor ginecológico mais letal, atrás do cervical. “Essa nova pesquisa é promissora, porque mostra um passo possível que as pessoas com maior risco de câncer de ovário podem tomar para reduzir o risco de desenvolver a doença”, diz. A oncologista ressalta, porém, que apenas um médico pode avaliar o benefício do medicamento para cada paciente. “As pessoas devem consultar os seus profissionais de saúde antes de iniciar uma nova medicação, a fim de equilibrar mais adequadamente quaisquer riscos potenciais com os benefícios potenciais.”
No estudo, os pesquisadores separaram os fatores de risco em subgrupos: endometriose, obesidade, história familiar de câncer de mama ou ovário, histórico reprodutivo, uso de contraceptivos orais e laqueadura. Também classificaram os casos de acordo com a quantidade de fatores que cada paciente apresentava: nenhum, um e dois ou mais. Essas últimas, segundo a avaliação, foram as que mais se beneficiaram do uso frequente da aspirina. “Esperamos que pacientes e médicos possam usar essa pesquisa para ter uma conversa embasada sobre possíveis medidas preventivas”, afirma a médica.
Os resultados vão ao encontro de outros estudos que detectaram uma associação entre o medicamento e a redução de risco de alguns tipos de câncer, como colorretal, mama, próstata e de estômago (Veja arte). “O câncer é uma doença inflamatória, onde há aumento desenfreado de células, formando os tumores malignos. O que os pesquisadores hipotetizaram é que se fosse utilizado um anti-inflamatório de baixa potência, poderia haver uma diminuição do câncer em geral”, explica Ramon Andrade de Mello, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein e professor de oncologia da Universidade Nove de Julho, em São Paulo. Experimentos com células e animais, em laboratórios, demonstraram que a substância tem atividade antitumoral.
Medicamento aspirina pode reduzir a mortalidade
Algumas pesquisas também encontraram evidências estatísticas de que o medicamento pode reduzir a mortalidade em pessoas que têm a doença. No ano passado, uma meta-análise da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, descobriu que o ácido acetilsalicílico está associado a uma redução de 20% no risco de morte em pacientes oncológicos que tomam uma dose do remédio por dia.
Os pesquisadores britânicos fizeram a revisão de 118 estudos com um total de 250 mil pacientes de 18 tipos de tumores. “Nosso estudo sugere que a aspirina não apenas ajuda a reduzir o risco de morte, mas também reduz a propagação do câncer dentro do corpo — a chamada disseminação metastática”, conta o autor principal, Peter Elwood, que estuda os efeitos do medicamento há meia década. “Existe agora um considerável corpo de evidências para sugerir uma redução significativa na mortalidade em pacientes com câncer que tomam aspirina, e esse benefício parece não estar restrito a um ou alguns tipos de câncer”, destaca.
Cautela
Apesar dos resultados otimistas, a aspirina está longe de ser uma panaceia na oncologia. Se muitos estudos descobriram indicações de que a droga pode reduzir o risco de incidência e mortalidade, outros não encontraram essa associação. Um deles, publicado recentemente, mostrou que o medicamento foi incapaz de diminuir a recorrência de câncer de mama.
O estudo incluiu 3.021 participantes de 18 a 70 anos diagnosticadas com câncer de mama invasivo primário Her2-negativo. Acompanhadas por 20 meses, as pacientes com esse perfil da doença foram divididas em dois grupos, sendo que, em ambos, foi realizado o tratamento convencional. Porém, metade recebeu, além disso, uma dose diária de aspirina. Comparado às mulheres que tomaram placebo, não houve, entre as primeiras, risco menor de recidiva do tumor. “Embora a inflamação provavelmente desempenhe um papel na progressão do câncer, a aspirina não é recomendada para prevenção da recorrência de câncer de mama”, disse, em nota, Wendy Y. Chen, oncologista do Instituto Dana Farber, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo.
Segundo Reitan Ribeiro, cirurgião oncológico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), é preciso cautela na prescrição da aspirina para pacientes com câncer. “Temos de tomar cuidado, não se deve sair por aí tomando aspirina. Até porque o efeito esperado (de prevenção) não é obtido em curto prazo. É necessário usar o remédio por décadas para que funcione”, observa. Quanto à pesquisa recente que associa a redução do risco de câncer de ovário, Ribeiro, que também é titular da ginecologia oncológica do Hospital Erasto Gaertner, diz que é um bom resultado, mas que precisa ser mais estudado. “Parece promissor, mas ainda não se pode indicar às pacientes como uma forma segura de evitar a doença”, diz. (PO)
Três perguntas para Fernando Maluf, oncologista e fundador do Instituto Vencer o Câncer
O que poderia explicar o efeito potencialmente protetor da aspirina em relação ao câncer de ovário?
A aspirina tem efeitos anticâncer, e um dos mais importantes é a inativação da ciclooxigenase, que é uma enzima responsável pelo crescimento, invasão e metástase do tumor. Além disso, a aspirina exerce um efeito antiplaquetário e anti-inflamatório, e ambos esses efeitos inibem a carcinogênese e o poder metastático do tumor.
Esse mesmo medicamento foi associado a eventos adversos, como risco de sangramento, uma ocorrência associada ao tratamento de vários cânceres. Como saber se o risco será menor que o benefício?
O sangramento em pacientes com câncer de ovário secundário à aspirina é absolutamente pequeno. Obviamente, não se fala no uso imediato em um pós-operatório ou em pacientes que tenham alguma outra doença hematológica. Mas em pacientes que usam a aspirina sem nenhuma doença hematológica, o sangramento não é uma preocupação.
Do ponto de vista clínico, quais as implicações do estudo? É possível prever quais subgrupos serão mais beneficiados?
Se esse estudo for confirmado por novos estudos, talvez, a aspirina seja parte da terapêutica do câncer de ovário, aliado à cirurgia, à quimioterapia e aos inibidores da Parp (medicamentos orais usados em pacientes que têm mutações nos genes BRCA1 e BRAC2). É difícil saber quais grupos serão beneficiados porque, na verdade, essa meta-análise não teve como objetivo ver isso.
Texto publicado originalmente em Correio Braziliense
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