Chalana Esperança fomenta a formação de professores em busca da educação ambiental da rede pública no bioma. Iniciativa é ensaio de mundo onde mulheres estarão no centro das decisões, diz fundadora
Em 2020, quando viajou até Porto Jofre, no Mato Grosso, Luciana Leite não imaginava que ia testemunhar aquela que seria a maior tragédia da história recente do Pantanal. Era setembro quando a bióloga saiu de Foz do Iguaçu (PR) com o então marido para observar onças-pintadas na região norte do bioma. Logo na chegada, ela se deparou com os incêndios que atingiam a rodovia Transpantaneira e o Parque Estadual Encontro das Águas, entre Poconé (MT) e Barão de Melgaço (MT). Nesse cenário, ela se juntou às biólogas Daniella França, Cecília Licarião e Lua Benício através das redes sociais para criar a Chalana Esperança.
O projeto arrecadou cerca de R$ 200 mil em doações diretas e indiretas para comunidades locais, ao mesmo tempo em que divulgou o desastre que devastava o bioma naquele ano, quando mais de um quinto de sua área foi consumida pelo fogo. “Éramos apenas quatro mulheres, de estados diferentes, com expertises e histórias de vida completamente distintas, mas um objetivo em comum: ajudar um bioma em crise”, relembra Luciana.
Inicialmente, o grupo focou na compra e entrega de equipamentos para combate a incêndios. As doações incluíram um caminhão com capacidade de carregar 8 mil litros de água e um barco para resgate de fauna vitimada. Apoio a equipes veterinárias na localização de animais feridos, ao resgate, arrecadação e compra de medicamentos para esses animais, montagem de pontos de hidratação e alimentação de animais silvestres, entrega de centenas de milhares de litros de água para socorrer animais de criação e distribuição de cestas básicas para comunidades indígenas e ribeirinhos que viviam às margens do Rio São Lourenço. Essas foram apenas algumas das incontáveis frentes de atuação do grupo em 2020.
Dois anos depois, a iniciativa que surgiu em meio a urgência continua atuando, mas agora com outra ferramenta: a educação ambiental. Isso porque ao final das medidas emergenciais, a Chalana Esperança percebeu que o bioma ainda carecia de outras demandas, sendo a maior parte delas relacionadas à conservação e ao bem-estar da população local.
“Por trás da cortina de fumaça, havia outros problemas ambientais que precisavam de solução. A maioria deles tinha, em sua raiz, a falta de compreensão sobre a importância ecológica do bioma”, disse Luciana a ((o))eco.
Foi então que o projeto passou a utilizar a educação como ferramenta de conscientização para a conservação do Pantanal, através de projetos, sobretudo, na região de Porto Jofre, em Poconé (MT). A partir do envolvimento comunitário e da articulação com entidades locais, regionais e globais, o grupo passou a investir na educação e na reconexão de moradores e visitantes com a natureza e cultura local do bioma.
“Acreditamos na máxima que diz que nós só iremos conservar aquilo que amamos e só iremos amar aquilo que conhecemos. Por isso, a Chalana investe tanto em educação e promoção da biodiversidade pantaneira”, disse a bióloga. De lá pra cá, atuando na nova frente, o número de membros da iniciativa triplicou e, atualmente, soma 12 integrantes, entre biólogos, fotógrafos de natureza e membros das comunidades locais, dos quais a maior parte são mulheres.
Para a bióloga, o País vive a maior crise ambiental da história e, por isso, as mulheres precisam estar no centro da tomada de decisões, atuando, local e globalmente, para a conservação de recursos, biomas e espécies.
“Gostamos de pensar que a Chalana, fundada e liderada por mulheres, é um ensaio deste mundo que queremos. E temos orgulho de ver o quanto já conseguimos realizar a partir da união com outras mulheres de tantas outras organizações, apesar do pouco tempo de existência e mesmo com orçamento tão apertado”, enfatizou Luciana.
Ações da Chalana Esperança
Patrulha Felina: crianças pela conservação da onça-pintada
O programa de educação Patrulha Felina leva crianças e adolescentes do Porto Jofre, comunidade ribeirinha do Pantanal Norte para conhecerem a biodiversidade pantaneira.
Prevenção ao atropelamento de fauna na Transpantaneira
Ao longo dos 150 km da Transpantaneira, antas, ariranhas, lontras, cervos, onças e tantos outros animais transitam. Muitos deles acabam sendo vítimas de motoristas. Nesse cenário, para proteger estas vidas, a Chalana Esperança investe na prevenção do atropelamento de fauna.
Produção de mini-guias de identificação de espécies
Para fomentar o ecoturismo e desenvolver o conhecimento sobre a biodiversidade pantaneira, o projeto desenvolve mini-guias de identificação de espécies de quatro grupos taxonômicos. Cinco mil mini-guias já foram distribuídos e a versão digital está disponível para download e para celular. A segunda remessa já está sendo impressa e mais de 30 mil mini-guias serão distribuídos até o final do ano.
Empoderamento feminino e geração de renda alternativa
Em parceria com o MardaNalu e CapivaraCroche, a Chalana tem levado técnicas de crochê e Amigurumis para mulheres ribeirinhas. A iniciativa tem o objetivo de fomentar uma alternativa de renda sustentável para as mulheres ingressarem no mercado do ecoturismo.
Produção de material áudio visual e documental
A Chalana Esperança faz um trabalho documental sobre o que ocorre no Pantanal e nos biomas do entorno.
Apoio na gestão do turismo de observação de onças pintadas
O projeto apoia o ordenamento do turismo de observação de onças-pintadas no Pantanal. A Chalana Esperança acredita que operadores de turismo, pousadas, turistas e ONGs locais precisam adotar melhores práticas para a sustentabilidade da atividade.
Coleção de livros infantis “Vozes do Pantanal”
Nesta coleção de livros infantis da Chalana Esperança, os animais explicam para as próximas gerações quais são as atuais ameaças à suas vidas e o que fazer para protegê-los. A primeira tiragem fala dos incêndios, na voz da Amanaci, a onça que teve suas patinhas queimadas em 2020. O exemplar teve cerca de 250 exemplares vendidos e custearam a impressão de outras 500 unidades que estão sendo distribuídas gratuitamente nas escolas públicas participantes do projeto de formação de professores.
Educação para a conservação
Com a parceria de outras organizações que já atuavam na região, como a SOS Pantanal, o grupo conservacionista Panthera e a Associação Civil de Ecoturismo do Pantanal Norte (Aecopan), a Chalana Esperança desenvolveu nos últimos anos materiais educativos, entre eles mini-guias de identificação de fauna e livros infantis que são disponibilizados gratuitamente na região, e trabalhou educação ambiental com crianças ribeirinhas.
Neste ano, o trabalho voluntário do projeto também foi reconhecido pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que contemplou o seu programa de formação de professores de escolas públicas de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, “Educação para a Conservação do Pantanal Brasileiro: Promovendo conhecimento e cuidado com a natureza entre as comunidades locais”, com o fundo Sansom Conservation Leadership Alumni (SCLA).
“Eu moro aqui há 22 anos, e ainda não tinha participado de nenhum curso voltado para o meio ambiente. Todos os cursos que eu venho fazendo são sobre alfabetização, sobre práticas pedagógicas, mas o meio ambiente fica sempre muito distante”, conta Karla Daniela, professora da rede pública em Barra do Garças (MT), uma das primeiras docentes a participar do programa de formação da Chalana Esperança.
Em junho deste ano, o grupo esteve de volta a Poconé (MT), portal de entrada do Pantanal Mato-grossense, junto com Ana Thomé, coordenadora do projeto Ser Criança é Natural — iniciativa do Instituto Romã que promove a relação entre criança e natureza — , dando continuidade ao programa. Na cidade, a Chalana Esperança contou com o apoio da Secretaria Municipal de Educação e do SESC Pantanal. “Esses professores da rede pública de ensino, aprendem junto a nossos biólogos e convidados sobre a biodiversidade do Pantanal, sua importância ecológica e ameaças atuais, fazendo com que este conhecimento chegue, posteriormente, a milhares de crianças para as quais lecionam”, contou Camila Souto, bióloga que também integra o projeto.
Planeta compartilhado e desafios
Se por um lado o grupo promove a conservação do bioma, que é considerado um dos mais sensíveis do País, por outro, o seu impacto também pode ser maior, ao mirar na prevenção a catástrofes como a que o Pantanal viveu em 2020. Para Souto, a conservação ambiental promovida pela iniciativa simboliza o compromisso com um planeta cujos recursos são compartilhados por todos.
“Nesta trajetória de destruição ambiental, catástrofes como a que vivenciamos em 2020 serão cada vez mais comuns e as perdas para a natureza e para nós, seres humanos, serão irrecuperáveis. Para além dos argumentos utilitários, ou seja, do quanto dependemos da natureza para viver e do quanto nos é útil e necessário preservá-la, pensamos também ser muito importante aprofundarmos o debate para uma perspectiva de valoração intrínseca da natureza”, defendeu Camila.
Para Kleber Mathubara, biólogo que passou a integrar o Chalana Esperança no começo deste ano, o Brasil vive um momento difícil para a conservação ambiental, principalmente, por conta da falsa dicotomia criada entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico. A confusão, ele alerta, desencadeia iniciativas que ameaçam o Pantanal ao, por exemplo, flexibilizar a sua proteção.
“Há um sentimento de tristeza duplo, pela ameaça que se apresenta e pela ignorância de nossos legisladores, que não apenas ignoram tudo que a ciência nos diz sobre conservação ambiental aliada ao desenvolvimento, mas que por vezes lidam com truculência com temas pertinentes à conservação da biodiversidade”, comentou Mathubara.
Apesar do cenário, o projeto segue atuando pela proteção do bioma pantaneiro, assim como o de sua comunidade: “Enfrentamos muitos desafios ao longo dessa jornada, mas também conhecemos e nos juntamos a muitas pessoas que acreditam e que estão dispostas a navegar juntas. Por isso acreditamos muito na importância de nossas ações mesmo diante de um cenário político e ambiental extremamente conturbado”, acrescentou Luciana.
Grande rede
Atualmente, a Chalana Esperança integra o Instituto Espaço Silvestre e, neste ano, também passou a integrar o Observatório Pantanal, coalizão composta por 43 instituições socioambientais atuantes na Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil, Bolívia e Paraguai.
Fazem parte do grupo os biólogos Luciana Leite, Heideger Nascimento, Daniella França, Rachel Montesinos, Tainara Alencar, Sthefany Gonsalves, Camila Souto, Kleber Mathubara e Andreza Oliveira, o fotógrafo da natureza Henrique Olsen e os pousadeiros residentes em Porto Jofre (MT) Daniel da Costa Moura e Kerles Conceição do Vale.
Entre apoiadores e patrocinadores, a Chalana Esperança tem a Universidade de Cambridge, a Environmental Justice Foundation, a LIVE!, a Wild Immersion e a Pousada Berço Pantaneiro.
Fonte: O Eco
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