Com a presença de milionários globais com iniciativas de viagens interplanetárias para romper a rotina terrestre, empresas como a Tesla e a Amazon foram procuradas para “descobrir” ou “salvar” a Amazônia. E como? Elas ajudariam, com certeza, a alavancar mais empregos e oportunidades, sobretudo para elas, é claro! Mesmo assim. No médio e longo prazo, não seriam capazes de substituir a pujança, a diversidade e a responsabilidade regional e ambiental do programa Zona Franca de Manaus.
Por Nelson Azevedo
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E o que será colocado em seu lugar? Esta é a indagação do ano de 2022, depois de tantas ameaças e expectativas de interlocução? Cada governo que entra, pressionado pelos estabelecimentos fabris por este Brasil afora, sem saber do que se trata, tem-se empenhado em desconstruir a economia regional deste Estado, famoso por suas dimensões continentais e potencialidades naturais diversas.
E, paradoxalmente, detentor de graves indicadores empobrecimento e campeão nacional de homicídios e outros assustadores índices de violência, predominantemente provocada pela economia do narcotráfico, oriunda dos países vizinhos. Desconstruir significa ter algo em seu lugar para não agravar as convulsões sociais. Quais são as propostas postas à mesa?
Paradoxos sociais
O arranjo industrial de Manaus, implantado com a Zona Franca de Manaus, em 1967, é considerado por especialistas estrangeiros como o maior acerto fiscal da história da redução das desigualdades regionais do Brasil. Por isso, precisa de ser revisitado e reconhecido pelo Brasil como a economia com CNPJ, que emite Nota Fiscal e responde pelos grandes avanços de inovação tecnológica na região.
Este programa, há muito tempo, reivindica a diversificação de sua planta industrial para o uso sustentável do patrimônio genético e biomolecular. E este acervo, que resguarda 25% dos princípios ativos da diversidade biológica da Terra, perde valor e oportunidades com a remoção irracional da floresta. Por que o país, 200 anos depois, nunca assumiu este tesouro e suas contradições? Este e um tema de múltiplas e interdisciplinares investigações.
Curto, médio e longo prazo
Temos insistido, entretanto, que a economia gerada pelo Polo Industrial de Manaus, da qual emana 85% de movimentação econômica da região, não identifica quaisquer outros arranjos econômicos capazes de substituir, no curto, médio e longo prazo, esse formato de geração de riqueza. Mineração, piscicultura, serviços ambientais, créditos de carbono…
São bem-vindos e merecem aplausos todos os anúncios que descrevem uma nova economia. Temos batalhado por isso no âmbito de nossas entidades de classe, da universidade e do poder público, e concordamos que é preciso vontade política, semelhante àquela que criou a ZFM há 55 anos e, depois dela, nenhuma mudança substantiva ocorreu.
Referência virtual de bioeconomia
E esta tem sido nossa luta incessante, numa região frágil e de muitas potencialidades. Os últimos anúncios prometeram substituir o Polo Industrial de Manaus por um arranjo produtivo capaz de fazer da cidade, no médio prazo, uma referência mundial de economia baseada na diversidade biológica. Sabe o que foi feito a respeito? O mesmo resultado que prometeu transformar o Estado numa referência mundial de fertilizantes. Teríamos tudo para disparar a iniciativa depois da eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia. Não vingou.
Tesla e Amazon
Com a presença de milionários globais com iniciativas de viagens interplanetárias para romper a rotina terrestre, empresas como a Tesla e a Amazon foram procuradas para “descobrir” ou “salvar” a Amazônia. E como? Elas ajudariam, com certeza, a alavancar mais empregos e oportunidades, sobretudo para elas, é claro! Mesmo assim. No médio e longo prazo, não seriam capazes de substituir a pujança, a diversidade e a responsabilidade regional e ambiental do programa Zona Franca de Manaus.
Fordlândia e Projeto Jari
A salvação não vem de fora. Os pretensos Messias, antes de qualquer coisa, viriam para salvar e expandir seus interesses. É natural. Não há almoço de graça. E toda e qualquer mudança substantiva, necessariamente, precisa ter mobilização e decisão endógena, ou seja, a partir de nossas potencialidades, peculiaridades, seus atores e respectivos empenhos na direção da mudança. Ou haverá outro caminho para dar viabilidade e efetividade econômica e socioambiental a qualquer projeto na região?
Perguntem a Henry Ford, com a Fordlândia ou dia Daniel Keith Ludwig, com o Projeto Jari. A palavra chave é a interlocução com a tribo. E com a condição de que os recursos aqui gerados sejam aplicados na Amazônia. Assim fica mais fácil combinar e acertar. Foi assim que a construção da Refinaria de Manaus, por Isaac Benayon Sabba e Moysés Israel deu certo.
Crédito de carbono pra quem?
Com a discussão/politização da Amazônia, surgem a cada dia mirabolantes propostas de intervenção para encontrar saídas de salvação da Amazônia. São especialistas de última hora que, pegando carona na relevância climática, ambiental e econômica da floresta, se atrevem a tecer as mais criativas soluções sem sequer perguntar com qual delas nós concordamos.
A última novidade é o crédito de carbono que parte do tombamento da Amazônia, como se fosse o último jardim do mundo, para fixar carbono, limpando o lixo atmosférico produzido pela civilização predatória. Com um detalhe: não há notícia de expedientes de compensação para os atores locais, guardiões históricos da floresta. Ou seja, a reprise de uma comédia surrada e rejeitada pela indignação popular. Vamos trocar a trilha sonora da partilha e da interlocução para, em conjunto, conquistar para todos a melhor solução.
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