Em entrevista ao programa Estudio I, da Globo News, nesta terça-feira (14), o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva fez duras críticas aos políticos da Amazônia que, segundo ele, defendem o crime organizado. Ele foi convidado para falar sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, ocorrido há dez dias na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas.
Depois de fazer um diagnóstico sobre os conflitos na região e da atuação de grupos criminosos na Amazônia, Alexandre Saraiva disse que é difícil combater o crime porque os criminosos têm boa parte dos políticos da região no bolso.
“Operacionalmente, é fácil de resolver: detectou a balsa, vai lá e destrói a balsa. Se você fizer isso com regularidade, acaba o garimpo. Agora, o que pega é quando chega a cobertura política dos criminosos. Esses criminosos têm boa parte dos políticos da região norte no bolso. Eu estou falando de governadores, de senadores.”, disse.
Saraiva foi superintendente da Polícia Federal no Amazonas, e foi transferido para o Rio de Janeiro em 2021, depois de denunciar o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por proteger madeireiros ilegais. O delegado coordenou a Operação Handroanthus, que fez a maior apreensão de madeira da história na Amazônia.
“Eu tenho aqui uma coleção de ofícios de senadores de diversos estados da Amazônia enviados para o meu chefe, dizendo que eu estava ultrapassando os limites da lei, que eu estava cometendo abuso de autoridade. Já teve senador junto com madeireiros me ameaçando… Enfim, o que pega é isso.”, afirma o delegado.
Alexandre Saraiva citou nomes de parlamentares que, segundo ele, atuam para defender criminosos na Amazônia.
“De onde saiu boa parte dos parlamentares do Centrão? São financiados por esses grupos. Certeza absoluta. Vou dizer nomes: Zequinha Marinho [senador pelo PL-PA], que estava junto com Ricardo Salles na Operação Handroanthus; Telmário Mota [senador pelo Pros-RR], Mecias de Jesus [senador pelo Republicanos-RR], Jorginho Melo [senador pelo PL], de Santa Catarina, mandou ofício. Carla Zambelli [deputada federal pelo PL-SP] foi lá defender madeireiro junto com Ricardo Salles”, disse Alexandre Saraiva.
O delegado da PF afirmou que no parlamento brasileiro há uma “bancada do crime. Uma bancada, na minha opinião, de marginais, de bandidos”.
Ele lembrou de quando foi a uma audiência na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados para falar sobre as investigações contra a atuação de madeireiros ilegais na Amazônia.
Eu que já fui em tantas audiências criminais, com advogados e criminosos sentados à minha frente, e nunca fui tão desrespeitado pelos criminosos ali presos como fui naquele dia ali. Os deputados estavam fazendo uma nítida defesa do crime.”
Sobre o desaparecimento
Sobre o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, Alexandre Saraiva disse que “é uma investigação clássica de homicídio” e assim deve ser tratada pelas forças policiais que estão na região.
“E como qualquer investigação de homicídio, quanto mais o tempo passa se torna mais complexa. Não sei detalhes do que estão fazendo para a investigação de homicídio, mas o contexto que levou à ocorrência dessa tragédia continua lá.”, afirmou.
Para Saraiva, o que acontece na região é a convergência criminosa. Ele explica que, segundo a criminologia, essa convergência criminosa é algo que naturalmente acontece entre vários ramos criminosos que se encontram em determinada área geográfica.
“É natural que o tráfico de drogas e o contrabando de cigarros, ou o tráfico de drogas e a madeira, a pesca ilegal, o garimpo acabem se associando de alguma forma e se tornam uma holding criminosa que controla toda a região”.
Ameaças a servidores
Alexandre Saraiva disse que a ameaça a servidor público na Amazônia, especialmente da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) é uma constante.
Existem vários servidores chefes de unidades de conservação que se você perguntar para todos eles, todos são seriamente ameaçados.”
Saraiva explica que são criadas as unidades de conservação e colocado um ou dois servidores para atuar em uma grande extensão de terras. “Existe um grande risco para esses servidores, e que não pode ser solucionado sob o ponto de vista da segurança pessoal, porque são ameaças que chegam do ouviu falar… O que precisa é mostrar a presença do Estado”
O delegado recorre mais uma vez à criminologia para explicar que a causa do crime é a ausência de guardião. Segundo ele, quem pode fazer o papel de guardião é o Estado brasileiro.
Saraiva defendeu uma ação coordenadas de todas as instituições do Estado, cada uma dentro de suas atribuições, para enfrentar os grupos criminosos.
“Se não for assim, nós vamos perder essa guerra, porque é uma guerra. É um lugar difícil, a Amazonia é imensa, você precisa de helicóptero, de barco, de combustível. E o efetivo do Exército perto do efetivo da Polícia Federal não dá nem para comparar”.
Para ele, as Forças Armadas precisam exercer o seu papel de polícia na região de fronteira, mas há uma visão distorcida do comando dessas forças.
“Quem tem estatura e estrutura para combater esses grupos criminosos na imensidão da Amazônia são as Forças Armadas. E está lá na Lei Complementar 97, Artigo 16-A que as Forças Armadas têm poder de polícia nos 150 quilômetros de fronteira, mas é a coisa mais difícil, porque ainda é majoritário nas Forças Armadas o entendimento de que elas são para enfrentar inimigos externos, quando na verdade tem grupos criminosos internos que estão corroendo o Estado debaixo das barbas das instituições”, afirmou Alexandre Saraiva.
Fonte: Amazonas Atual
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