A articulação do Brasil com outros países florestais pode ser chave para acelerar novos investimentos e projetos em conservação florestal e combate ao desmatamento
Por Bruno H. Toledo Hisamoto
As palmeiras plantadas ao redor do International Convention Center de Sharm el-Sheikh até tentam suavizar, mas basta um olhar para o horizonte para perceber que, de fato, a Conferência da ONU sobre o Clima deste ano (COP27) acontece no meio do deserto. A brisa do Mar Vermelho deixa a temperatura bem mais amena, mas o ambiente árido é marcante e domina a paisagem.
É nesse cenário desértico que negociadores, observadores e ativistas tentam chegar a soluções para proteger o que resta das florestas do mundo. O avanço do desmatamento e da degradação florestal tem sido inclemente nas últimas décadas: pressionadas pela agropecuária e por outras atividades econômicas, como a mineração, as áreas verdes estão sendo reduzidas de forma gradual e contínua. Nem mesmo a pandemia, que diminuiu momentaneamente a intensidade das emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, foi capaz de brecar o desmatamento.
Para que o mundo possa cumprir os objetivos do Acordo de Paris – conter o aquecimento médio do planeta em 1,5ºC até 2100 em relação aos níveis pré-industriais – é fundamental que os estoques de florestas que resistem sejam conservados e as áreas degradadas, recuperadas.
Na última COP26, no ano passado na Escócia, um dos destaques foi a adesão de mais de 140 países à Declaração sobre Florestas e Uso da Terra, na qual os governos se comprometeram a “trabalhar coletivamente para deter e reverter a perda de florestas e a degradação da terra até 2030”. Entretanto, de lá para cá, pouca coisa avançou no plano multilateral, com resultados mínimos neste começo de COP27 no Egito.
Por outro lado, a expectativa em torno da discussão sobre florestas nesta Conferência está menos focada nos esforços multilaterais. Isso porque, ao que parece, os países com os maiores estoques de florestas remanescentes do planeta – entre eles, o Brasil – estão próximos de firmar um acordo que pode mudar o panorama da conservação florestal para os próximos anos.
Declaração sobre Florestas: muita palavra, pouco compromisso
A Declaração sobre Florestas foi uma das surpresas positivas da COP26. Puxada pela presidência do Reino Unido, o texto conseguiu uma adesão substancial dos países, abrangendo mais de 90% das áreas florestais remanescentes do mundo.
O texto também incluiu considerações interessantes acerca de medidas potenciais para aumentar a proteção das florestas, como a facilitação de políticas de comércio e desenvolvimento que não impulsionem o desmatamento e a degradação da terra – um ponto que ganhou bastante destaque no último ano, principalmente depois da União Europeia impor restrições à importação de commodities agrícolas associadas ao desmatamento nos países de origem.
De uma certa forma, a declaração trouxe sinais promissores, ao menos do ponto de vista diplomático, sobre o engajamento dos países na discussão de florestas e clima. No entanto, passado um ano, isso ainda não se refletiu em ações práticas por parte dos governos. Pior: de lá para cá, o que se viu foi o recrudescimento do desmatamento em diversos pontos, inclusive na Amazônia brasileira, além do avanço de iniciativas que podem intensificar a destruição florestal, como o leilão de blocos de petróleo em áreas de floresta na República Democrática do Congo (RDC).
COP 27 e a parceria com líderes florestais
Para revitalizar a iniciativa, o Reino Unido anunciou nesta COP27 a criação de uma “parceria de líderes florestais e climáticos”, que terá como foco facilitar acordos de cooperação e financiamento de projetos de conservação nos países florestais.
Porém, a baixa adesão chamou a atenção: somente 20 países, bem aquém dos 145 que assinaram a Declaração no ano passado, assinaram a criação da parceria. Países como Brasil, República Democrática do Congo e Rússia, que estão entre aqueles com os maiores estoques florestais do planeta, ficaram de fora, a despeito de terem assinado a declaração no ano passado.
Brasil e a “OPEP das Florestas”
Um dos obstáculos para o sucesso de iniciativas multilaterais para proteção florestal está na falta de entendimento sobre os mecanismos necessários para viabilizar os projetos, especialmente na parte financeira. Divergências sobre o montante oferecido, a governança dos recursos, o acompanhamento dos resultados e a condicionalidade dos pagamentos costumam tensionar a relação entre países doadores e beneficiários.
Para escapar dessas armadilhas, uma novidade pode ser anunciada nesta COP 27: a formação de uma aliança estratégica entre os três países com maiores estoques de floresta tropical do mundo – Brasil, Indonésia e RDC. Batizado de BIC, esse trio pretende facilitar o financiamento internacional para conservação florestal, fortalecendo a posição dos países florestais no diálogo com governos doadores.
Essa articulação vinha acontecendo há algum tempo, mas ganhou força depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial brasileira. O presidente eleito é um entusiasta da cooperação diplomática sul-sul e enxerganessa aproximação uma maneira de o Brasil retomar seu protagonismo nas negociações climáticas da ONU.
Além de reforçar a posição diplomática dos países florestais no tabuleiro multilateral, a aliança estratégica também pode impulsionar projetos de conservação e recuperação florestal como geradores de créditos de carbono comercializados sob o Acordo de Paris.
Considerando a representatividade dessa tríade, que detém sozinha mais de 50% do total de área global de florestas tropicais, a atuação concertada desses países pode ajudar a aumentar o preço dos créditos de carbono, ampliando assim a arrecadação de recursos. Ou seja, como bem colocou Oscar Soria (AVAAZ) no Guardian, teríamos uma “OPEP das Florestas Tropicais”, uma analogia ao cartel de produtores de petróleo que controla os preços internacionais do combustível.
Assim, a aliança estratégica entre Brasil, Indonésia e RDC tem um potencial significativo para destravar novos investimentos e fluxos financeiros para a conservação e a recuperação das florestas.
No entanto, é bom ressaltar que esse potencial possui um pré-requisito essencial – o desmatamento precisa parar. Para o Brasil, esse é um ponto crítico nos últimos anos: a explosão da destruição florestal sob o governo Bolsonaro colocou em xeque a imagem e o prestígio do país no exterior. Este será o desafio número zero do futuro governo Lula na seara ambiental, e o sucesso dele será fundamental para que esses planos internacionais saiam do papel.
* Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em política internacional e clima do Instituto ClimaInfo.
Texto publicado originalmente CLIMA INFO
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