Centro de Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas mantém quase 50 mil documentos com a memória científica e acdêmica da USP e do Brasil; acervo será modernizado para atrair pesquisadores e alunos
Imagine conhecer de perto uma carta escrita por Albert Einstein, em recomendação a um professor de física que fugia da perseguição nazista. Ou então, decifrar em primeira mão as correspondências trocadas entre Fernand Braudel e Levy Strauss, enquanto eles combinavam suas estadias no Brasil. Esses e outros documentos raros estão disponíveis no Centro de Apoio à Pesquisa em História Sérgio Buarque de Holanda (CAPH), o primeiro centro dedicado à conservação e à pesquisa de arquivos sobre a história da ciência brasileira.
Localizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, no campus Butantã, o CAPH guarda um dos acervos mais completos sobre a memória da Universidade: são quase 50 mil materiais, entre cartas, periódicos, fotografias, filmes, teses e dissertações. Muitos desses documentos, ainda inéditos para a pesquisa acadêmica
Para incentivar consultas ao acervo, o centro está implementando novas tecnologias, que vão modernizar a conservação e o acesso aos materiais. Até o fim de 2022, serão construídos o Laboratório de Conservação e Restauro e o Laboratório de Multimídias. Além disso, está sendo feita a digitalização de documentos e a reforma de parte do espaço físico. Com as mudanças, o CAPH abre oportunidades para pesquisadores e alunos que se interessam por áreas práticas dentro da historiografia.
Um acervo a ser explorado
Há 56 anos, em 1966, os professores da USP Aziz Nacib Ab’Sáber, Eurípedes Simões de Paula e Maria Regina Simões de Paula tiveram uma ideia pioneira: criar um ambiente onde documentos importantes fossem preservados e disponibilizados para pesquisa. A partir desta proposta, surgiu o Centro de Documentação Histórica que, após algumas décadas, passaria a ser o CAPH.
Naquela época, como lembra Pedro Puntoni, professor do Departamento de História e vice-diretor do centro, a USP era muito diferente do que se conhece hoje. A FFLCH ainda não havia sido fundada. Em seu lugar, tinha-se a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) que, além dos cursos de ciências humanas, abrigava os cursos de Física, Química, Matemática, Estatística, Biociências, Geociências, Psicologia e Pedagogia.
Puntoni conta que o centro surgiu como um depositário de teses e dissertações de diversas áreas do conhecimento. Nele, foram acumulados 15.855 produções acadêmicas, de 1938, quando a FFCL foi fundada, até 2015, quando os documentos passaram a ser digitais. Por essa razão, o vice-diretor diz que o acervo guarda “a memória científica e acadêmica de toda a faculdade, as primeiras teses que foram defendidas de todos os departamentos, antes mesmo da criação da pós-graduação”.
Em conjunto com as teses e dissertações, com o passar dos anos, o espaço passou a armazenar outros tipos de documentos, em registro ao que acontecia na Universidade. Fundado na Rua Maria Antonia, onde ficava o endereço da FFCL, o CAPH guarda, por exemplo, registros da batalha que aconteceu lá em 1968, assim como outros registros da memória estudantil.
Documentos disponíveis no CAPH
15.855 teses e dissertações defendidas entre 1938 e 2015
4.640 documentos textuais, como cartas e diários pessoais
1.320 rolos de microfilme
4.888 arquivos iconográficos, como fotografias, negativos e cartazes
Além do conteúdo relacionado à história institucional da USP, o CAPH também recebe documentos de outros temas da História. Puntoni explica que é comum que historiadores acumulem materiais que possam ser relevantes durante o trabalho de investigação. “Ao final da pesquisa, aquilo que foi recolhido é depositado no CAPH, para que depois outros pesquisadores o utilizem”.
Em razão desta prática, também é possível encontrar no CAPH documentos raros de vários assuntos, como a primeira impressão do jornal da colônia italiana em São Paulo, o Fanfulla, de 1893, e um conjunto de microfilmes com cópias de arquivos dos séculos 18 e 19 sobre o Goiás Velho.
Maria Luiza Nagai, historiadora e especialista em pesquisa e apoio ao museu do CAPH, conta que muitos dos documentos arquivados ainda são pouco explorados pela comunidade científica. Ela lembra, por exemplo, da pasta de correspondências trocadas entre intelectuais de destaque das ciências humanas, como Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss e Gilberto Freyre, que foi redescoberta por ela enquanto explorava o acervo.
“Temos todas as correspondências do professor da Faculdade de Filosofia que negociava as vindas dos precursores da Missão Francesa. Mas, por não estarem catalogadas e por ainda não terem sido pesquisadas, poucas pessoas sabem da existência e seu conteúdo ainda é desconhecido.”
A historiadora conta que, por ser ainda pouco explorado, o acervo do CAPH contém um grande potencial: “A documentação do CAPH tem uma posição estratégica como uma fonte histórica. Além de ter um potencial de ressignificação das informações, ela é um testemunho para a construção da memória da USP. Por meio dessa documentação, é possível mobilizar conhecimentos e prover um capital intelectual para atividades de pesquisa”.
Desafios da conservação
Manter um espaço com importantes documentos históricos não se trata apenas de receber esses arquivos, mas também de mantê-los em bom estado de conservação e garantir que o público tenha acesso a eles, como explica Pedro Puntoni. “O centro tem duas grandes missões: a primeira delas é a preservação do acervo, que é a memória científica e acadêmica da faculdade”.
Maria Luiza Nagai diz que, no caso do CAPH, os desafios de conservação são grandes. Os materiais exigem cuidados específicos, como o funcionamento de um sistema de ar condicionado capaz de manter os parâmetros de temperatura e umidade controlados. “Os microfilmes, por exemplo, são formados por um material que se degrada em certas condições de umidade, até um ponto que não conseguimos acessar a informação contida neles e precisamos descartá-los.”
Para melhorar as condições de guarda, de acordo com Maria Luiza, a partir deste ano, o CAPH terá seu próprio laboratório de conservação e restauro, um espaço de aplicação de técnicas de preservação dos materiais. O laboratório será implementado por meio da verba do edital Programa de Laboratórios Didáticos para o Ensino da Graduação, que contemplou o centro em 2021 e permitirá a aquisição de equipamentos.
Com o laboratório, será possível capacitar os graduandos do curso de História: “Os alunos terão a possibilidade de entrar em contato com atividades que envolvem a preservação de acervos documentais, como a gestão de acervos e os tratamentos de intervenção direta. Eles vão fazer ações de higienização, pequenos reparos nos documentos e também a confecção de embalagens de armazenamento”, ela explica.
Além das melhorias propostas com o edital, Maria Luiza aponta para a demanda por reformas na infraestrutura do CAPH. “O sistema de ar condicionado da reserva técnica já não consegue controlar a temperatura e umidade relativa do ar. Essa dificuldade resultou em um ambiente superúmido, contaminado por fungos, que comprometem a integridade física dos materiais e afetam a leitura dos documentos.”
Para iniciar a resolução deste problema, Pedro Puntoni conta que o CAPH irá passar por obras em breve. “O edital nos deu todos os equipamentos para montar o laboratório. A faculdade está dando a infraestrutura para fazermos uma sala mais adequada para a guarda do acervo, com um novo piso, ar-condicionado, uma nova parte elétrica e tudo mais.”
Por enquanto, Puntoni explica que essa sala não conseguirá abrigar todos os arquivos do centro. “A gente acha que não dá para manter esse acervo valioso no CAPH, sem que seja feita uma reforma ampla. Então, a nossa estratégia foi criar um espaço mais adequado para guardar, sobretudo, o que é mais importante e mais frágil, como os microfilmes.”
Fonte: Jornal da USP
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