Talvez seja o momento de rever as temáticas amazônicas de preocupação com as futuras gerações, funções ecológicas benéficas para o agronegócio, qualidade do ar, floresta em pé, valorização econômica da marca Amazônia e a tal sustentabilidade, permitindo uma nova legislação que represente de fato a modernidade do que está ocorrendo.
Por Juarez Baldoino da Costa
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Em 2022 a atividade econômica aumentou em Manicoré-AM, a “terra das melancias”, trazendo prosperidade em ações motivadas pela expectativa da reconstrução dos 406 Km do Trecho do Meio da rodovia BR-319 – Manaus-Porto Velho, acelerada com a liberação da LP – Licença Prévia 672 do IBAMA em 28/07/2022. A LP, embora apenas autorize estudos e não permita a realização de qualquer obra, é um avanço importante no processo de licenciamento. Em breve, as melancias sairão da cidade à margem direita do Rio Madeira, atravessarão o rio e percorrerão 84 Km do ramal até o tronco da BR a altura do Km 340, daí seguindo para Manaus.
Um dos locais desta prosperidade mais recente gerada pelo processo da LP é o TUC – Território de Uso Comum do Rio Manicoré. No TUC, algumas centenas de hectares que antes eram cobertos de mato em pé de baixo valor e que cumpriam funções ecológicas que não estavam gerando renda, com este avanço da LP foram convertidos em prosperidade e geraram empregos para a remoção da floresta, a comercialização de madeira, formação de pasto, aumento da pesca e negócios imobiliários, além do garimpo. Neste processo, é comum a prática das queimadas.
Como a propalada renda atribuível à floresta em pé depende de eventos de realização a médio e longo prazo e ainda não suficientemente claros, o explorador de curto prazo prefere obter renda imediata na forma tradicional. A distribuição desta nova prosperidade entre os manicoreenses está restrita ao salário pago aos trabalhadores, ainda que alguns sejam forasteiros.
Embora parte das terras esteja sendo ocupada ilegalmente, a extração da madeira seja criminosa, o garimpo clandestino, a pesca seja predatória, a maioria dos agentes seja de grileiros e alguns trabalhadores estejam fora da CLT, não deixa de ser atividade econômica próspera. Há registros de que a coleta de produtos florestais feita por comunidades tradicionais está sendo feita por invasores. É um processo de deslocamento de renda, mas igualmente não deixa de ser atividade econômica em novas mãos.
Este modelo é uma replicação do que ocorre em várias outras regiões da Amazônia. A nova prosperidade do TUC de Manicoré deve estar sendo apropriada por poucos agentes, com índice de distribuição social no menor nível, e que por isto não deveria causar espanto quando se publica os índices IDH e de pobreza da região. A BR-319 não tem este resultado miserável como objetivo, mesmo inevitável, e ela ao menos e positivamente projeta também baratear o custo de frete das melancias.
Esta realidade de Manicoré revela a frágil retórica de que os rios da Amazônia são suas “estradas”, sem custo de construção, sem custo de manutenção, de já estarem onde a população está, e que seria o modal mais barato; se conclui, no caso das melancias, que a narrativa dos rios parece ser infundada. Os rios, na prática, são as melhores e as mais baratas “estradas” da Amazônia desde que não haja rodovias por perto. Nesta lógica, afirmar que eles são os melhores caminhos para a Amazônia, por óbvio que seja, parece ser apenas um reles consolo para justificar a falta de estradas. As melancias não mentem.
Os crimes ambientais amazônicos têm sido combatidos há décadas pelo poder público, mas a organização do ilícito está muito à frente deste aparato, tanto em orçamento quanto em estratégia. Em Manaus, por exemplo, estão sediados o IBAMA, o IPAAM, a Polícia Federal, a Polícia Civil, a Polícia Militar e os batalhões das forças armadas, mas não tem sido possível evitar sequer as invasões e ilícitos na Reserva Duke, no Tarumã ou no Mindú, na parte central da cidade que é a 7ª. economia do país, com acesso facilitado por extensa malha de avenidas.
Portanto, não deveria ser surpresa o efeito da BR-319 em Manicoré, mesmo que no projeto da rodovia este tipo de ocorrência não seja admitido ao longo de seu trajeto. Parece, entretanto, que o importante é que “está no projeto”.
A alternativa mais simples é adequar a lei, para converter a nova prosperidade de Manicoré e as inevitáveis ocorrências semelhantes já em curso, em ações legalizadas. Estariam assim equiparados a outros empreendimentos erigidos de forma lícita e de sucesso, fomentando o desenvolvimento do Amazonas. Com a mudança da lei, haverá economia com a eliminação do custo do aparato repressivo que hoje tem resultados ficcionais, e que poderia ser carreada para investimentos produtivos. Para a irracional Floresta Amazônica é indiferente se a atividade é licita ou não; é apenas sua ocupação.
Talvez seja o momento de rever as temáticas amazônicas de preocupação com as futuras gerações, funções ecológicas benéficas para o agronegócio, qualidade do ar, floresta em pé, valorização econômica da marca Amazônia e a tal sustentabilidade, permitindo uma nova legislação que represente de fato a modernidade do que está ocorrendo.
O Congresso Nacional poderia tornar a fantasia mais próxima da realidade, e menos ridículo seria este nosso capítulo ambiental.
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