Mudança de direção no Executivo abre espaço para discutir retomada nas políticas para o setor
Nayara Machado – EPBR
A confirmação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como próximo presidente do Brasil traz um ânimo novo para o setor de biocombustíveis, que vem sofrendo baixas durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL) com interferências em políticas de Estado para tentar segurar o preço dos combustíveis fósseis.
No caso do etanol, a implementação do teto do ICMS nos estados e a isenção dos impostos federais sobre o preço dos combustíveis teve como efeito imediato a queda na competitividade do biocombustível frente à gasolina, com aumento no consumo do fóssil e queda no renovável.
No biodiesel, a revisão para baixo na adição obrigatória ao diesel — deveria ser 14% este ano, mas ficou em 10% — tirou do mercado cerca de 2,5 bilhões de litros do produto à base de óleos vegetais e gorduras residuais.
Com ociosidade no parque industrial de cerca de 53%, a principal demanda do setor de biodiesel hoje é por previsibilidade — os produtores ainda não sabem qual será o percentual de mistura do ano que vem, mas precisam fechar contratos antecipados de aquisição de matéria-prima.
RenovaBio na mira
Também na berlinda, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) é alvo de revisões dentro do Ministério de Minas e Energia (MME) que preocupam a indústria. MP do RenovaBio: quem ganha e quem perde?
Há também uma recente decisão do governo de postergar os prazos para que as distribuidoras comprovem que cumpriram suas metas de descarbonização do RenovaBio — o que puxou para baixo o valor dos créditos de descarbonização e, consequentemente, a remuneração aos produtores de biocombustíveis por seus investimentos em eficiência energética e ambiental.
A mudança de direção no Executivo, no entanto, abre espaço para discutir retomada nas políticas para o setor. Durante a campanha, interlocutores de Lula sinalizaram ao mercado a retomada do mandato de biodiesel, previsto para alcançar 15% de mistura em março do ano que vem.
Enquanto a MP do RenovaBio perde força. No Congresso Nacional, parlamentares ligados ao agro conseguiram fazer o atual governo recuar com a medida antes das eleições. Agora precisam segurar por mais dois meses e convencer o próximo governo a seguir com o programa original.
Mobilização latino-americana
Na última semana, treze organizações de produtores de etanol e biodiesel da Argentina, Brasil, Colômbia, Paraguai e Uruguai assinaram um manifesto reivindicando aos governos regionais ações mais contundentes para promover os biocombustíveis como estratégia de descarbonização dos transportes.
No documento, as associações pedem ações urgentes e um roteiro claro para impulsionar a transição energética.
“Precisamos de líderes e de parlamentos comprometidos com essa nova agenda e um roteiro regional claro que consiga combinar com responsabilidade as diferentes rotas tecnológicas para a transição energética. O custo da inação será muito maior do que a agenda de sustentabilidade mais ambiciosa que podemos imaginar”, dizem.
Pelo Brasil, assinam a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove); Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio); União Nacional do Etanol de Milho (Unem); e União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).
Indústria quer compromisso com sustentabilidade
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, disse nesta segunda (31/10) que os próximos quatro anos vão exigir união e diálogo para a construção de uma política industrial pautada nos investimentos em inovação e tecnologia e na agenda do clima.
A agenda da CNI para Lula inclui a aceleração de reformas, especialmente a tributária, construção de “estratégia coesa” de investimentos em inovação e tecnologia e maior inserção do Brasil na economia mundial.
Na área climática, os empresários pedem que o Brasil se prepare para aproveitar as oportunidades da Indústria 4.0 e da descarbonização da economia.
“A agenda do clima é ampla e oferece possibilidades de negócios admiráveis em diversas áreas. Entretanto, exige novas tecnologias e a adoção de políticas apropriadas para a produção de energias renováveis e para o uso sustentável da nossa rica biodiversidade”, diz Andrade
Lula e a Amazônia
Após quatro anos de desmatamento avançando sobre a maior floresta tropical do planeta, o mundo acompanhou o pleito de outubro com esperanças de que a saída de Jair Bolsonaro possa interromper esse cenário de destruição.
Em seu discurso após a confirmação da vitória deste domingo (30), Lula voltou a reafirmar seu compromisso com desmatamento zero, proteção de direitos indígenas e retomada do protagonismo brasileiro nas discussões climáticas.
Na visão de ambientalistas, esta será uma agenda que vai demandar ações rápidas e firmes. Com o adicional de que precisará lidar com um Congresso pouco amigável às pautas ambientais.
“Será uma longa jornada para refazer o que foi arrasado, começando pela retirada dos invasores das áreas indígenas e pela retomada do combate ao crime ambiental. O pesadelo está quase no fim, porém não podemos esquecer que Bolsonaro ainda tem mais dois meses com a caneta na mão e ainda pode, neste fim de mandato, promover mais retrocessos na agenda ambiental”, observa Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Para a agenda
1/11 — Nesta terça, das 14h às 15h30, o Cebds realiza um evento preparatório para a Conferência do Clima da ONU, que ocorre de 6 a 18 de novembro no Egito. Com transmissão ao vivo, o webinar Pré-COP 27: O papel do setor empresarial nas negociações de clima abordará contexto político, jornadas net-zero, mercado de carbono, Amazônia, biodiversidade, agronegócio e transição energética. Assista no Youtube
23/11 — A Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio) promove um seminário sobre os desafios enfrentados pelo setor ao longo dos últimos anos e a necessidade de fortalecer o RenovaBio. O encontro pretende reunir parlamentares, ministros, dirigentes de agências reguladoras e lideranças do agronegócio.
A expectativa é pautar as discussões do Executivo e Legislativo em 2023. O seminário será presencial, das 9h às 17h30, no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados.
Texto publicado originalmente em EPBR
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