Ministra do STF determina medida cautelar que suspende as mudanças de composição e funcionamento do Conama impostas pelo governo Bolsonaro
No apagar das luzes de 2021, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, deu um presente de Natal para os ambientalistas: a suspensão, por medida cautelar, das mudanças na composição e funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A reformulação, imposta em uma canetada do governo Bolsonaro logo no começo do mandato, em maio de 2019, reduziu a participação da sociedade no colegiado e deixou a maioria dos votos nas mãos do governo federal. Desde setembro de 2019, tramita no STF uma ação sobre a inconstitucionalidade das mudanças e, em março deste ano, o julgamento chegou a ser iniciado, mas foi paralisado após um pedido de vista do ministro Nunes Marques, que até agora não devolveu o processo, nem demonstra sinais de que isso está na sua lista de afazeres. Com isso, a medida cautelar determinada por Weber foi vista como estratégica por organizações ambientalistas que apontam que, enquanto a composição reduzida do Conama permanecer vigente, retrocessos podem ser pautados e aprovados no Conselho, sem que haja força suficiente de votos da sociedade para barrá-los.
Rosa Weber é a relatora do julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 623, que julga a constitucionalidade da reformulação do Conama, por isso tem o poder de deferir a suspensão em caráter liminar, antes da conclusão do julgamento no plenário do STF. Com isso, fica suspensa a eficácia do decreto nº 9.806/2019, que estabeleceu a reformulação, até o final do julgamento do mérito.
O decreto, publicado pelo presidente Jair Bolsonaro, diminuiu as cadeiras de representantes de entidades ambientalistas no Conselho de 11 para 4; reduziu o mandato das entidades de 2 anos para apenas 1, sem possibilidade de recondução; substituiu o método de escolha das entidades, antes selecionadas por eleição, para sorteio; restringiu o acesso aos assentos às entidades ditas de âmbito nacional; retirou os assentos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Agência Nacional de Águas (ANA), do Ministério da Saúde e de entidades ligadas à questão indígena; reduziu os assentos para os estados, que antes tinham direito a um representante próprio, para um assento por região geográfica (sendo 5 no total); e reduziu de 8 para 2 as vagas por municípios, restrito às capitais; e extinguiu os cargos de conselheiros sem direito a voto, que eram ocupados por representantes do Ministério Público Federal e Estaduais, e da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. No total, o conselho foi reduzido de 93 para 23 assentos com direito a voto.
O alerta para necessidade da medida cautelar havia sido feito por organizações socioambientais, em agosto deste ano, depois que foi divulgada a pauta da 136ª reunião do Conama, que incluía na pauta a votação sobre uma proposta de alteração no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA) – proposta que acabou indo à votação apenas na reunião seguinte, em dezembro, e que foi aprovada, apesar das críticas de entidades, que alertaram que o novo formato diminuiria ainda mais a participação da sociedade civil no Conama.
“Participação social é sinônimo de eficiência e é por isso que a democracia é tão importante. A redução da participação social no Conama coloca tudo isso por água abaixo. As decisões ficam menos legítimas, têm menos qualidade técnica, o governo se torna mais fechado e aumenta o espaço para corrupção”, pondera Rafael Giovanelli, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, uma das entidades que assinaram a manifestação pela medida cautelar.
O especialista reforça que existem mais de 200 regras do Conama em vigor hoje que tratam desde temas como licenciamento ambiental, qualidade da água e do ar, até a proteção da biodiversidade e o desmatamento. “Sem a participação da sociedade civil no Conama, todas essas regras poderiam ser extintas sem um debate qualificado, de forma pouco transparente, pouco técnico. Quem ganha com a decisão do Supremo é a democracia, o meio ambiente e toda a sociedade brasileira”, comemora Rafael.
Em novembro, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), reforçaram a manifestação pela medida liminar.
Em resposta às organizações, no início de dezembro, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, manifestou-se para requerer ao Supremo prioridade na devolução do pedido de vista para continuidade do julgamento. Da parte do ministro Nunes Marques, entretanto, ainda não há nenhum aceno sobre quando o processo pode voltar a andar.
O pedido de vista de Nunes ocorreu no meio da sessão virtual do julgamento, quando a votação já estava com quatro votos favoráveis à zero pela anulação do decreto que reestruturou o Conama. Além de Rosa Weber, votaram pela inconstitucionalidade do decreto os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, que se aposentou do STF em julho.
Como a decisão integral da ministra ainda não foi publicada, não está claro se a medida cautelar incluirá também a suspensão das decisões feitas pelo Conama desde a reformulação. Algumas das decisões do colegiado já foram consideradas ilegais no STF e pela própria Rosa Weber, como o “revogaço” das resoluções que estabelecem a proteção de Áreas de Preservação Permanente (APPs), como restingas e manguezais, e sobre licenciamento de irrigação. Outras, entretanto, como a contestada reformulação do CNEA, ainda estão em vigor.
Fonte: O Eco
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