A agência brasileira negou o pedido de importação do imunizante alegando problemas de segurança, entre eles a presença de vírus capazes de se multiplicar na sua composição. Instituto russo nega e diz que vai processar a Anvisa por difamação
O embate entre Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Gamaleya, responsável pela Sputnik V, travado desde que a agência brasileira vetou a importação da vacina russa, subiu de tom nesta quinta-feira (29/04).
O Gamaleya, que é ligado ao governo russo, disse que pretende processar a Anvisa por difamação. Por sua vez, a Anvisa respondeu apresentando documentos, gravações de reuniões e um dossiê para defender sua decisão de não aceitar o pedido de importação emergencial da Sputnik V.
No centro da polêmica, está a presença ou não de vírus capazes de se replicar na vacina russa. Os responsáveis pela Sputnik V negam que ela tenha isso, mas foi este foi um dos principais motivos de a Anvisa negar a importação, porque isso poderia trazer riscos à saúde.
“Vacina tem que ser segura. Vacina tem que proteger, não pode causar nenhum dano”, disse o gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da agência, Gustavo Mendes, em uma coletiva de imprensa convocada para refutar o que o Gamaleya havia dito mais cedo.
Logo pela manhã, por meio da conta oficial da Sputnik V no Twitter, o Gamaleya afirmou que a Anvisa havia feito “declarações incorretas e enganosas sem ter testado a vacina” e havia ignorado um ofício em que era informado que não havia vírus replicantes na vacina. “Nossa equipe jurídica entrará em contato”, disse na mensagem.
O instituto já havia declarado que a decisão da Anvisa havia sido política e não técnica — o que a agência brasileira nega reiteradamente.
O Gamaleya diz que o veto à Sputnik seria fruto da pressão dos Estados Unidos, ainda no governo de Donald Trump, para que o Brasil não comprasse a vacina russa. Essa informação consta em um documento do próprio governo americano.
Uma prova disso, disse o instituto, seria a admissão da agência brasileira, em uma entrevista de Gustavo Mendes, de que a Anvisa teria rejeitado a importação da Sputnik V com base na presença de adenovírus replicantes sem ter testado o imunizante.
“Não recebemos amostras da vacina para teste. Então, isso precisa ficar claro, não fizemos teste para adenovírus replicante”, afirmou o gerente-geral da Anvisa à rádio CBN.
O próprio técnico da agência veio à público novamente nesta quinta-feira, desta vez para esclarecer que, mesmo não tendo realizado os testes, a informação da presença de adenovírus replicantes constava da própria documentação enviada pelo Gamaleya.
Mas o que são esses vírus e por que isso é preocupante?
Qual é o problema?
Primeiro, é preciso explicar como a Sputnik V funciona. Ela usa uma tecnologia conhecida como vetor viral não replicante (guarde esse termo). A técnica já é pesquisada há décadas pela indústria farmacêutica e é a mesma da vacina de Oxford/AstraZeneca, aplicada atualmente no Brasil e em outras partes do mundo.
Esse tipo de vacina usa outros vírus inofensivos para simular no organismo a presença de uma ameaça mais perigosa e que se deseja combater para gerar uma resposta imune.
No caso da vacina russa, ela é feita com adenovírus que causam resfriados em humanos. Eles foram modificados para não serem capazes de se replicar depois que entram nas células humanas — daí o “não replicante” no nome da tecnologia usada nela.
Os cientistas inseriram nesses adenovírus as instruções genéticas para a produção de uma proteína característica do novo coronavírus, a espícula. Uma vez injetados no organismo, eles entram nas células e fazem com que elas passem a produzir e exibir essa proteína em sua superfície.
Isso alerta o sistema imunológico, que aciona células de defesa e, desta forma, aprende a combater o Sars-CoV-2, o que protegerá uma pessoa se ela for infectada pelo vírus.
O problema, segundo a Anvisa, é que os adenovírus usados na vacina podem se replicar e isso pode fazer mal à saúde de quem for imunizado com ela.
Ao justificar o veto à importação, Gustavo Mendes explicou que, durante o processo de cultivo desses vírus em laboratório, eles recuperaram essa capacidade de multiplicação.
“Isso não foi justificado nem é aceito quando comparamos com as recomendações internacionais nem com outras vacinas de adenovírus”, disse o gerente-geral na última segunda-feira.
Fonte: Saúde Ig
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