Um dia após assinar e enviar uma nota técnica ao Tribunal de Contas da União em que expõe a ineficiência do novo modelo sancionador ambiental, o servidor Hugo Ferreira se viu novamente no centro das atenções na sede do Ibama em Brasília. Isso porque na manhã desta quinta-feira (06) começou a circular em grupos de mensagens e redes sociais que o analista ambiental teria sido ameaçado e seu computador de trabalho apreendido. O rumor gerou reações imediatas e ganhou proporção, inclusive com a denúncia de tentativa de agressão ao servidor por policiais militares que hoje ocupam cargos de chefia dentro do Ibama. Uma outra versão dos fatos, ouvida por ((o))eco, conta que o computador de Hugo permanece em sua mesa e quem foi reconduzido foi ele próprio, a princípio para outra sala, e que ele queria levar seu computador, mas teve seu pedido negado. O HD do servidor também teria sido levado. As duas versões entretanto concordam em um ponto: houve discussões entre o analista da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais (Siam) e seu chefe, o Tenente-Coronel da Polícia Militar, Wagner Tadeu Matiota.
Os eventos de uma ou outra versão deixam claro o clima de tensão na Siam um dia depois de encaminhado um relatório feito a pedido do Tribunal de Contas da União (TCU) que realiza auditoria interna do órgão ambiental, e que expõe o estado de quase paralisia nos julgamentos de autos de infração desde que foi imposta a nova regra da conciliação ambiental, assinada em 2019. A nota técnica é assinada por Hugo e veio a público através de veículos de comunicação.
((o))eco procurou o Ibama para comentar as acusações, a assessoria de imprensa disse que o servidor “não foi impedido de trabalhar”.
A nota técnica enviada ao TCU expõe que apesar das 14,9 mil multas emitidas entre 2019 e 2021, foram realizadas apenas 252 audiências de conciliação, 5 em 2020 e 247 em 2021, o que representa menos de 2% do total. Dentre as audiências realizadas, a nota afirma ainda que 76 foram infrutíferas. Para o mês de maio de 2021 estão agendadas apenas mais 55 audiências. A conciliação é um mecanismo criado pelo Decreto nº 9.760, publicado em abril de 2019 por Bolsonaro e Salles, e acrescenta mais uma etapa no processo de sanção ambiental.
O texto alerta ainda para a redução de audiências em função da Instrução Normativa Conjunta nº1/2021, apontada por servidores ambientais como uma norma paralisante que impede o trabalho dos fiscais. “A norma mencionada extinguiu a Equipe de Análise Preliminar (EAP) ligada aos núcleos de conciliação, que era encarregada de fazer a análise inicial das autuações e expedir um parecer a respeito da conformidade da sanção cabível, passível de ser submetida à audiência”, detalha o texto, que explica que essas atribuições passaram para os Núcleos de Conciliação, que possuem apenas uma dupla de servidores.
“Essa é uma situação que leva à precarização do processo sancionador ambiental”, aponta o texto do analista ambiental da Siam. “A nova norma em vigor trouxe impactos negativos ao processo sancionador e à ampliação da quantidade de audiências a serem realizadas, sobrecarregando os conciliadores e propondo estruturas de análises simplificadas que só aumentarão os trabalhos nas fases seguintes (de instrução e julgamento)”, continua a nota.
Além disso, o texto esclarece que “o instituto da conciliação nada mais fez do que interromper a marcha processual para oferecer ao autuado “soluções legais” que já existiam antes – ao menos a maioria delas – e que estavam à disposição do usuário: (i) pagamento da multa com 30% de desconto, (ii) parcelamento do débito em até 60 vezes, também com 30% de desconto (novidade trazida pelo Decreto 9.760/2019) e (iii) conversão da multa em serviços de melhoria à qualidade ambiental. Os três itens oferecidos na conciliação podiam ser pleiteados pelo autuado a qualquer momento, e deferidos após o ato de julgamento confirmatório da sanção, mesmo antes da edição do Decreto 9.760/2019”.
De acordo com Alexandre Gontijo, presidente da Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente do Distrito Federal(Asibama-DF), o novo modelo de processo sancionador das multas ambientais já foi denunciado pelos próprios servidores por paralisar o processo de apuração e ratificação das multas. “O TCU solicitou ao Ibama esclarecimentos sobre o desempenho do novo modelo, tal demanda foi encaminhada ao servidor para que o mesmo subsidiasse resposta ao TCU, já de forma extemporânea. O servidor atendeu à demanda, produzindo uma nota informativa na qual descreve de forma técnica e detalhada uma análise do novo modelo, concluindo que o modelo tem um desempenho negativo e tornou o processo sancionador das multas inoperante”, resume Gontijo, em conversa com ((o))eco.
“A posição da Asibama é que nós estamos em posição de defender nossos associados, os servidores da área ambiental. Esse é mais um caso de assédio e de pressão em cima de servidores que estão fazendo seu trabalho. O documento produzido pelo Hugo expõe o que está acontecendo com o sistema de multas, a paralisação desse sistema e ele acaba expondo também toda a série causal envolvendo os autores de gestão e de chefia. A gente tem visto cada vez mais ataques nesse sentido. Os servidores estão muito preocupados, isso é basicamente o trabalho deles. Isso é o que a gente precisa fazer mesmo. Mas nesse contexto é muito complicado. A turbulência tem sido muito grande, em especial por parte dos policiais militares que estão na chefia do Ibama”, completa o presidente da Asibama.
O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), líder da Minoria na Câmara, pediu informações sobre o episódio ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Com a palavra, o Ibama
Em resposta encaminhada para a nossa reportagem, a autarquia ambiental federal, através de sua assessoria de imprensa, disse: “O Ibama informa que o servidor não foi impedido de trabalhar, mas suas alegações serão analisadas pelas instâncias administrativas próprias.”
Fonte: O Eco
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